sábado, 4 de abril de 2015

Extrema Esquerda





Extrema-esquerda  é um termo utilizado com frequência no ocidente para designar correntes políticas que estejam mais à esquerda da orientação  socialista tradicional. O emprego desta classificação pode então, pode ser estendido de modo genérico a todo partido de ideologia de esquerda, abrangendo várias escolas do movimento operário, anarquista, anarco-sindicalista e socialista de esquerda, variando também conforme a mudança dos períodos históricos. Uma definição precisa é muitas vezes dificultosa pela diversidade deste movimento e da ausência de estruturas organizacionais sólidas, sendo na maioria das vezes efêmera.

A tradição do pensamento de extrema-esquerda remonta ao Socialismo Libertário, e ao anarquismo da Federação de Jura, integrante da Primeira Internacional.

Importante lembrar que todas as denominações consideradas de extrema-esquerda não possuem associação imediata com as ideias de Karl Marx, sendo sua doutrina, o marxismo, tão somente uma faceta do movimento de esquerda como um todo. É interessante notar que mesmo para certos setores da extrema-esquerda os partidos comunistas representam uma degeneração do regime soviético, fruto de uma ditadura estatal opressora e alienante, que na sua maioria se converteram em partidos burgueses no período imediatamente posterior ao fim da Guerra Fria, ao aceitar a participação no modelo parlamentar usual. As correntes políticas que se auto-intitulam como sendo de ideologia extrema-esquerda procuram muitas vezes evitar tal classificação, que muitas vezes podem associá-las - indesejavelmente para seus afiliados - com atividades extremistas.

Com as manifestações de estudantes em maio de 68, na França, temos o ressurgimento de movimentos de extrema-esquerda, atuando principalmente na Europa. Suas plataformas anti-autoritárias, projetadas para treinar militantes, inspirados pelo modelo leninista de revoluções, se utilizaria largamente da violência, definhando, porém, com o passar do tempo e a evolução do cenário internacional. Praticamente no início dos anos 80 este movimento de extrema-esquerda baseado na Europa, de militância quase fanática irá desaparecer. O movimento anarquista experimenta também um breve ressurgimento quase na mesma época, e as organizações de ideologia leninista irão disputar espaço ainda com organizações de nova orientação, a maoísta.

Mas, de qualquer modo, o colapso do regime soviético, reconhecidamente um divisor de águas em todo o movimento de esquerda, de certo modo "liberou" os partidos de esquerda para assumirem posições mais próximas ou mais distantes da ideologia de esquerda clássica, sendo que em alguns países como Itália e França, os partidos comunistas e socialistas de certo modo foram "absorvidos" pelo sistema democrático dessas duas nações. O partido comunista suíço é, por assim dizer, o "outro lado da moeda", podendo ser considerado legítimo representantes da extrema-esquerda atual.

Sendo um oposto lógico da extrema-direita no espectro ideológico, a extrema-esquerda se concentra nos dias de hoje especialmente em organizar uma oposição de caráter internacionalista, às políticas de globalização financeira e ideológica.

Bibliografia:
BRASSEL-MOSER, Ruedi. Extrême-gauche (em francês). Disponível em: <http://www.hls-dhs-dss.ch/textes/f/F27494.php> . Acesso em:26 ago. 2011.

Extrema Direita




Recebe a classificação de extrema direita toda manifestação humana que possua orientação considerada exageradamente conservadora, elitista, exclusivista e que alimente ainda noções preconceituosas contra indivíduos e culturas diferentes das de seu próprio grupo. Assim, é considerado de extrema direita o indivíduo, grupo ou filosofia que se localize mais à direita do pensamento de direita comum a todas as sociedades do planeta.

Muitas vezes o termo é utilizado para sugerir um individuo ou grupo com ideias extremistas, preconceituosas ou ultraconservadoras, ou ainda sugere filosofias ou grupos simpáticos a movimentos históricos de direita, como o fascismo ou nazismo.

Seja como for, o pensamento de extrema direita em geral está baseado na crença, muitas vezes messiânica, da condição especial de determinado povo, cultura ou crença, bem como na iminente ameaça que este grupo irá ou já esteja sofrendo por parte de outros grupos diferentes em meio ao seu caminho ao domínio de todas as outras sociedades, sendo necessária a união e mobilização contra tal ameaça vinda "do outro".

Desde a década de 80 do século XX o termo vem sendo bastante utilizado para classificar a ideologia de grupos, muitas vezes armados, que patrocinam através de desfiles e passeatas, na Europa e Estados Unidos, o pensamento do partido nazista alemão e fazem culto ao seu líder, Adolf Hitler. Estes tais grupos de extrema direita ficaram conhecidos através da imprensa pelo nome genérico de neo-nazistas, existindo dentro desses grupos de extrema direita, porém, as mais diversas ramificações filosóficas. Ultimamente, o termo vem sendo aplicado também a partidos ultraconservadores presentes especialmente na Europa, que se apoiam no medo do europeu com relação ao imigrante, que além de ser promovido como alguém que chega "de fora" para tomar o emprego do cidadão comum europeu, ainda desvirtuaria a cultura cristã tradicional do continente com suas diversas religiões, línguas e costumes, com especial atenção ao islã, que seria uma religião promotora do terrorismo.

Nos Estados Unidos, outro centro importante de atividade de grupos de extrema direita, pode-se citar nesta categoria a tradicional Ku Klux Klan, surgida logo após o fim da Guerra Civil Norte-americana, ativa ainda hoje, e que prega a supremacia da raça branca (caucasiana), ultranacionalismo e combate à imigração estrangeira.

A imagem da KKK ficou eternizada em filmes, livros e canções pela perseguição de negros e mexicanos, realizando muitas vezes linchamentos fotografados e documentados como ato de validação dos valores de sua organização. Além da KKK, podemos encontrar nos EUA grupos de extrema direita baseados nos cultos religiosos, em especial na região do chamado Bible Belt (cinturão bíblico) região sudeste dos EUA, onde há grupos que seguem uma filosofia cristã extremamente rigorosa. Aliás, é dessa região que se originou o termo "fundamentalismo", que foi utilizado pela primeira vez no final do século XIX para descrever os crentes daquela região. Outra corrente extremista nos EUA encontra-se baseada em grupos armados, que adotam todo um estilo de vida à volta da arma e do conceito de proteção contra o inimigo imigrante estrangeiro, isso sem deixar de mencionar os grupos neo-nazistas, presentes em todo território norte-americano, muitas vezes mesclando características similares com as dos grupos armados ou religiosos.

Além de todos esses grupos, podem ser encontrados simpatizantes da extrema direita nos dois partidos predominantes na política norte-americana, os partidos Republicano e Democrata, pois, apesar de sempre disputarem o poder a cada eleição legislativa ou executiva, estes dois partilham muitas ideias conservadoras que beiram às vezes as ideologias de extrema direita.

segunda-feira, 30 de março de 2015

Pessoas pobres têm mais filhos para receber o Bolsa Família?


A resposta é não. Números do IBGE comprovam o que o bom senso já indicava e acabam com o mito

por Redação — publicado 30/03/2015 

Quem está desde as eleições sem conversar com aquele cunhado que "não quer trabalhar para sustentar o Bolsa Família" ou com a tia que deseja cancelar o direito de voto dos beneficiários do programa pode retomar o contato com os parentes para continuar a discussão política. Novos dados estatísticos comprovam que é mentira a "tese" segundo a qual os mais pobres têm mais filhos para receber mais dinheiro do governo federal.
A prova está em uma pesquisa feita pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), responsável pelo Bolsa Família, com base nos dados de 2003 a 2013 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O estudo, divulgado na sexta-feira 27, mostrou que, nesse período de dez anos, o número de filhos por família no Brasil caiu 10,7%, sendo que entre os 20% mais pobres a queda registrada no mesmo período foi 15,7%. A maior redução foi identificada entre os 20% mais pobres que vivem na região Nordeste: 26,4%.
O levantamento mostrou que, em 2003, a média de filhos por família no Brasil era 1,78. Em 2013, o número passou para 1,59. Entre os 20% mais pobres, as médias registradas foram 2,55 e 2,15, respectivamente. Entre os 20% mais pobres do Nordeste, os números passaram de 2,73 para 2,01.
A intenção do MDS com a divulgação dos dados foi justamente combater o mito criado a cerca do programa. "Mesmo a redução no número de filhos por família sendo um fenômeno bastante consolidado no Brasil, as pessoas continuam falando que o número de filhos dos pobres é muito grande. De onde vem essa informação? Não vem de lugar nenhum porque não é informação, é puro preconceito”, disse a ministra Tereza Campello.

O maior benefício pago pelo Bolsa Família é de 77 reais, direcionado apenas a famílias extremamente pobres, com renda mensal por pessoa menor do que 77 reais. Os benefícios variáveis são de 35 reais para filhos de até 15 anos, gestantes ou nutrizes, limitados a cinco por família. Há também o benefício vinculado aos adolescentes de 16 e 17 anos, de 42 reais, limitados a dois por família.

segunda-feira, 23 de março de 2015

A cultura do ódio, a cegueira branca e os idiotas




Por Rafael Araújo
O termo "idiota" era usado para designar aqueles indivíduos na Grécia antiga que preenchiam os requisitos para o exercício da cidadania, mas que não se ocupavam da coisa pública, que se interessavam apenas por seus projetos pessoais. Trata-se do cidadão privado, aquele que se dedica ao desenvolvimento de uma habilidade pessoal e deixa de lado a cidade, deixa de ocupar-se com a pólis. O termo acabou, como muito acontece, ganhando outras conotações. Mas se mantivermos em mente seu sentido atual e o significado de origem, perceberemos quão útil e apropriado é chamar de idiota aquele que se interessa apenas pelo seu trabalho, deixando de lado a política e a cidadania.

Tenho estado bastante curioso por compreender o fenômeno do antipetismo que estamos vivendo nessas últimas semanas de campanha eleitoral. Certamente há quem tenha boas razões para votar no candidato do PSDB, Aécio Neves, e elas devem ser respeitadas; mas há uma questão mais profunda que tem ocorrido com o fenômeno do antipetismo, um ódio nada propositivo que tem tomado conta das pessoas e revela um problema mais complexo, que a mim, como cientista social, interessa especialmente.

O ódio ao PT precede os escândalos de corrupção, de modo que atribuir o ódio a isso seria uma explicação insuficiente. Durante a campanha de segundo turno, graças ao fato dos dois candidatos terem chances reais de chegarem à presidência da república, o fenômeno se agravou. Arriscarei aqui algumas linhas e espero que sejam motivo de reflexão a quem esse texto chegar.

O ódio ao PT pode ser examinado pelo menos a partir de três grupos de causas: 
1) o desenvolvimento histórico dialético ocorrido no Brasil desde a colonização e a forma como a luta de classe se constituiu no país; 
2) a presença hegemônica da mídia tradicional e o poder simbólico que possui; e 
3) a incapacidade de pensamento da população e o seu modo dicotômico de situar-se no mundo.

A primeira causa está na explicação histórica da forma como nossa sociedade foi construída, sob os alicerces da casa grande e da senzala. Os argumentos de Gilberto Freyre, e de tantos outros autores que se prestaram a estudar a formação da sociedade brasileira, indicam uma explicação para o fato de ainda sentirmos a presença do patriarcado em nossa pele, o resquício de um senhorio que se sente proprietário de tudo, que quer ver a todos sob controle. Esse princípio não desapareceu, ele foi modificando-se ao humor do tempo, adaptando-se aos avanços tecnológicos e aos ares da modernidade, mas em nenhum momento o sentimento de inquietação do senhor ao ver seus escravos festejarem na senzala deixou de existir. Essa especificidade da sociedade brasileira, que vem junto da miscigenação e da pluralidade cultural, não foge da lógica descrita no pensamento dialético. Existe um ódio de classe que mantém dois grandes grupos distintos e coesos no discurso, mas um único grupo que concentra a propriedade.

Esse ódio de classe é difícil de aceitar nos tempos que vivemos. Já não se fala em comunismo senão como uma quimera, o capitalismo representa um sistema tão absoluto que a própria luta de classes fica obscurecida. Nesse contexto, falar de ódio de classe parece um devaneio, mas não é. O conceito é ainda preciso por reunir tantas práticas irrefletidas e contraditórias pelas quais estamos passando. É justamente pela sua negação que demonstra sua eficácia.

A ideologia se dissipa em discursos e práticas, come pelas beiradas, demarca territórios e realiza distinções sociais. Ao reconhecermos as significativas mudanças ocorridas no país nos últimos anos, vemos o ódio se acirrar como uma resposta espontânea à perda de distinção e de privilégios de determinado grupo social. Nesse sentido, a modificação na estrutura de classes e o passado patrimonialista seria uma possibilidade de explicação do ódio, mas não a única. Diante dessa realidade, o idiota é aquele que se interessa pela recuperação de seus privilégios, pelo sucesso de seus projetos pessoais, assumindo uma perspectiva individualista e burra ao mesmo tempo. Individualista porque perde de vista a coletividade de cidadãos que se beneficiaram com as mudanças, e burra porque acredita que as melhorias sociais são ações independentes, que não o afetam positivamente. Essa burrice que leva alguns a praguejarem contra o suposto assistencialismo do governo ignora a base de discussão dos direitos humanos e o modo como ocorre a dinâmica do capital, baseada essencialmente na produção e no consumo.

A segunda causa é a cobertura que os meios de comunicação têm realizado dos fatos cotidianos de nossa política. Essa cobertura corresponde às expectativas desse mesmo eleitorado idiota, porque estão interessados no consumo das informações. São empresas, e como tal procuram o lucro. Se os espectadores, ouvintes e leitores são a resultante histórica de um longo processo de despolitização e banalização da política, esse discurso será reforçado a todo custo, com o claro intuito de manter o índice de audiência e vendas. O fato de essas informações serem voltadas para o consumo já revela sua natureza: são informações efêmeras, voltadas ao desaparecimento. Não são informações que articulam o conhecimento do mundo, que acrescentam criticidade e contribuem para o estabelecimento do homem no mundo. Essas informações de superfície, que em nada aprofundam a realidade política, cumprem o papel de serem mercadorias consumíveis. São, portanto, oportunidades de distração do homem de si mesmo, ou dito de forma mais direta, são fontes de alienação.

Por exemplo, um dos temas que ocupou as propagandas eleitorais esse ano foi a "nova política" ou a sua versão atualizada, a "mudança". Os veículos de comunicação de massa e a população despolitizada trataram de propagar essa vontade do eleitorado. Ora, nem os mídia e nem a população em geral sabem como funciona a máquina do Estado.

Não compreendem o funcionamento das instituições e o papel da burocracia. Não têm dimensão da rede de atores envolvida a cada processo decisório, as forças em disputa e o tênue equilíbrio que mantém a engrenagem funcionando. A população em geral, porque não se envolve com a coisa pública, não compreende o valor das instituições políticas e o fato de que essa complexa dinâmica é necessária para assegurar o mínimo de lisura ao sistema. Então, diante da crítica ao Estado cotidianamente construída pelos profissionais da mídia e repetida quase que de forma infantil pelo eleitor despolitizado, deduzimos que "a nova política" não passa de uma política sem corrupção. Esse é o máximo que essa parcela da população consegue definir como um programa de mudança, uma política sem corrupção. Essa reivindicação é mais do que justa. É tão justa quanto utópica, mas nem por isso deve deixar de ser buscada. Mas a rigor, essa vontade de uma outra política quando se resume a uma vontade de pôr fim a corrupção acaba por simplificar ainda mais as coisas e reforçar o afastamento dos indivíduos da coisa pública. O eleitor e cidadão passa a resumir todos os problemas ao problema da corrupção. Esse é o exato cálculo que a grande mídia faz: eleva-se a corrupção ao status de mal maior da humanidade. É isso que vemos nos comentaristas dos jornais todos os dias. Na sua tentativa de tutelar a opinião do espectador, ouvinte e leitor, acabam reforçando a ideia de que ao preocupar-se com a corrupção dos governantes ganha-se o título de cidadão. A fórmula é tão simplista que faz com que esse mesmo cidadão se esqueça dos tantos gestos corruptos que comete ao invadir a ciclovia; ao ultrapassar o semáforo vermelho; ao parar em local proibido ou em vagas para idosos; ao inventar atestados falsos para a sua declaração de ajuste de imposto de renda e tantas outras pequenas improbidades. A mesma irreflexão faz com que esses cidadãos combativos creiam piamente que o dinheiro que se perde com a corrupção e com o sustento de mordomias dos políticos seja mais do que suficiente para sanar todos os déficits da saúde, educação, mobilidade, violência e tantos outros pontos fundamentais para atingirmos o estado de bem estar social que desejamos. São contas simples que a simplificação do pensamento impede que sejam feitas.

A verdade é que a grande mídia soube selecionar muito bem os casos de corrupção a serem divulgados. Nos últimos debates a candidata Dilma Rousseff trouxe à tona alguns dos tantos escândalos que não foram investigados, o mesmo tem feito a mídia alternativa. Essa seleção realizada pela mídia tradicional foi muito eficiente na associação da corrupção ao partido dos trabalhadores, se valendo da contradição de que o mesmo partido construiu toda sua história sobre os alicerces da ética e no momento que se viu como governo acabou por jogar o jogo que ali estava e que tanto criticava. Ora, as pessoas não aceitam as contradições no dia a dia, vivem como patrulheiras umas das outras, fiscalizando seus discursos e atitudes na esperança de identificar os lapsos que serão cometidos. Isso é muito ruim, porque as ações passam a ser direcionadas a denegrir o outro com o simples objetivo de uns parecerem ser melhores que outros. As pessoas passam a fazer um cálculo de mazelas ao invés de potencializar suas virtudes.

Um processo semelhante ocorreu com o PT nos últimos anos. O ódio de classe e a cobertura dos meios de comunicação tradicionais conseguiram reduzir o problema da política à corrupção e associa-lo a um único partido. O eleitorado, se perguntado, reconhece que o problema da corrupção não é exclusividade de um único partido, mas o mesmo eleitorado usa dois pesos e duas medidas, penalizando apenas o PT. O idiota, nesse caso, é aquele que encontra nos "petralhas" um motivo para sua auto-afirmação, um mecanismo de enxergar-se como melhor e, ao mesmo tempo, de obscurecer os lapsos que comete no dia a dia. Além disso, é idiota aquele que não procura de forma ativa as informações sobre a trama da política e deixa-se informar pelos veículos de comunicação de massa. São esses mesmos veículos que vêem na simplificação e imparcialidade um negócio, uma fonte de renda, que estão construindo uma opinião pública frágil e, com isso, prestando um desserviço à democracia. A informação precisa descer às profundezas da política para que seja digna, do contrário se reduz a superficialidades e transforma o eleitorado em massa de manobra.

Por fim, a última causa que apresento para tentar compreender o ódio e a cegueira branca que estamos presenciando é a incapacidade de pensar, exatamente como Hannah Arendt a concebe. Há nos homens desses tempos sombrios uma incapacidade de situar-se entre o passado e o futuro. Dito de outra forma, em uma perspectiva complementar, o problema está no uso de uma racionalidade tradicional, tal como os frankfurtianos a descreveram, para enquadrar a complexidade do mundo a uma dicotomia moralizante. Tudo se resume a bem e mal, a certo e errado, a verdade e mentira. O leitor talvez se depare com esse argumento com espanto por não compreender o que há de mal nessa forma de enxergar o mundo. Esquece-se que nada na vida é tão simples e ambivalente e que, ao se enquadrar a realidade a uma forma tão reduzida, alimenta-se o risco da banalização.

Então, enxergar o mundo a partir de uma razão cartesiana implica ignorar a multiplicidade da vida. No fundo o que há nisso de perigoso é que a vontade de reduzir o mundo é no fundo a vontade de tê-lo sob controle. E nesse sentido, as ideias dos frankfurtianos não se afastam das de Hannah Arendt. Essa maneira que os homens aprenderam a olhar o mundo desde o platonismo revela um desejo de controle, uma vontade irascível de ter tudo e a todos sob comando e, diante dessa impossibilidade insuportável, resta produzir artificialmente uma realidade simples, perfeitamente controlada, para que a necessidade de iludir-se seja empreendida. Os nazistas souberam reduzir os problemas econômicos e sociais da Alemanha da primeira metade do século XX ao simplismo de uma única causa, problema cuja solução imediata estava na eliminação de todo aquele que não fosse ariano, que não fosse o povo eleito. Da mesma maneira se estrutura qualquer fundamentalismo religiosos e toda a barbárie que se seguiu ao esforço de resumir a fé a uma única verdade. Essa propensão do homem aos totalitarismos é, no fundo, o resultado de sua forma de pensar, realidade tão horrível e absurda quanto desconhecida e negada. Há no homem uma incapacidade de enxergar ao outro, mas também de enxergar a si mesmo. Mas há também um discurso iluminado, autoritário, que busca apoio a todo canto, que quer ser ouvido sem ouvir. Por isso a imagem da cegueira branca é tão apropriada para nosso tempo.

Não me parece exagero pensar que a emergência de fundamentalismos nos últimos meses seja algo tão distante do que vimos florescer na primeira metade do século XX. Temos crise econômica e social, temos crise de representatividade e temos uma mídia espetacular, bem armada para a formatação das consciências. Soma-se a isso as outras razões para o ódio levantadas anteriormente e temos um bom rol de explicações para compreender os linchamentos públicos, os discursos favoráveis à ditadura militar, o apoio a ideias injustificáveis como a esterilização de mulheres pobres ou a cura de homossexuais, e tantas outras tristes desqualificações dos discursos minoritários.

É nesse contexto que vejo o ódio ao Partido dos Trabalhadores aflorar tantos sentimentos brutais. A frase "odeio o PT" vem, em geral, seguida de uma profusão de preconceitos de classe, simplismos e preguiça de pensar. Da mesma maneira que o discurso irrefletido permite defender que o extermínio de delinquentes, homossexuais, judeus ou negros resultaria em um mundo perfeito, a extinção do PT seria a solução imediata para a política brasileira. Sem os "petralhas", o Estado seria finalmente saneado, acabaria a farra dessa gente e, finalmente poderíamos voltar ao que era antes. O discurso é tão sem sentido e tão revelador que nos obriga a perguntar se o que tínhamos antes é o que queremos para agora. Como se o Brasil antes do PT chegar ao governo fosse uma grande propaganda comercial de margarina. Esquecemos rapidamente o país que construímos nos primeiros 500 anos de nossa história, repleto de desigualdades e imperfeições e as novas gerações, tão acostumadas à superfície e à velocidade da tela, não partilham de memória alguma.

Essa última causa é mais profunda e grave que o período eleitoral em si. É a fonte de bestialidades maiores, que evitam o avanço de causas progressistas. Por essa causa, a idiotice não é apenas uma condição passageira, uma escolha periférica entre cidadãos que dão as costas para a coletividade e mergulham no individualismo. A incapacidade de pensar faz com que a condição de idiota seja equivalente à condição humana. O grande perigo disso não está simplesmente em sermos idiotas, porque trata-se de condição reversível. O perigo está no fato de que os idiotas de hoje são portadores da cegueira branca. Sem a capacidade de pensar, de enxergar-se e de ouvir ao outro, dificilmente essa situação será revertida.

sábado, 21 de março de 2015

A influência dos militares no fim do Parlamentarismo no Brasil




Por Demian Melo - Laboratório de Estudos dos Militares na Política

O propósito deste trabalho é discutir o processo que culminou na realização da consulta plebiscitária de 1963. Enfocaremos o comportamento de alguns atores políticos, realçando a participação dos militares na crise geral do regime então vigente. Cabe ressaltar que a presente comunicação é um resultado parcial de nossas pesquisas sobre o tema, que serão aprofundadas numa futura pós-graduação.

Em janeiro de 1963 os eleitores brasileiros foram chamados a decidir sobre a permanência de uma recente experiência parlamentarista ou a volta ao presidencialismo, adotado como sistema de governo desde a proclamação da República, em 1889.

Resultado de um arranjo institucional que visava a manutenção da ordem constitucional frente à ameaça de setores golpistas das Forças Armadas, o parlamentarismo foi instituído de forma casuística, após a renúncia espetacular de Jânio Quadros, em agosto de 1961.

A eleição deste último, em 3 de outubro do ano anterior, havia representado uma enorme novidade no cenário político nacional: pela primeira vez alguém situado “fora” do monopólio da aliança PSD(Partido Social Democrático)/PTB (Partido Trabalhista Brasileiro) - que dominara a cena política desde a Carta de 1946 - chegava ao cargo máximo da nação.

Vitorioso na disputa contra os candidatos Marechal Henrique Teixeira Lott e Ademar de Barros (PSP), Jânio Quadros não conseguiu ser alçado à presidência juntamente com o candidato a vice de sua chapa, o então senador Milton Campos. Naquele contexto, a legislação eleitoral permitia a disputa dissociada para os cargos de presidente da República e vice, característica que abria brechas para incompatibilidades na composição do Executivo federal. Derrotado Campos, assumiu a vice-presidência o político do PTB gaúcho João Goulart. A vitória de Jânio, no entanto, garantiu que setores até então preteridos do sistema político ocupassem importantes cargos na área econômica e administrativa. Foi o caso, por exemplo, dos grupos ligados aos setores mais internacionalizados do capital, que só acessavam a burocracia do Estado através de canais “paralelos” e que formavam o chamado “bloco do capital multinacional e associado”.

Por outro lado, o governo Jânio foi marcado também por uma contraditória política externa independente e por lances internos calcados num moralismo hilário, como na proibição do uso de biquínis de duas peças nas praias, do lança-perfume e da briga de galos. Nas Forças Armadas, que aqui nos interessam em especial, setores antigetulistas, identificados com a Cruzada Democrática, ocuparam a cúpula dos ministérios militares, sendo este um dos signos de mudança na correlação de forças no interior desta que é a principal instituição do Estado. No dia 25 de agosto de 1961, data em que Jânio Quadros renunciou ao cargo de presidente da República, João Goulart encontrava-se em visita diplomática à República Popular da China. Herdeiro político do getulismo, Jango (como também era conhecido) já havia ocupado o Ministério do Trabalho por um breve período (1953-54), durante o segundo governo Vargas e a vice-presidência da República, durante o quinquênio 1956-1961, ocasião em que governou juntamente com Juscelino Kubitschek, cabeça da chapa PSD-PTB. Opositor do governo representado por Jânio, Goulart fora virtualmente elevado à condição de chefe do Executivo federal numa data muito peculiar: no Dia do Soldado. A ocorrência de solenidades militares na capital e nas principais cidades da República criaram um ambiente propício para que a notícia da renúncia corresse como um rastilho de pólvora entre os setores da caserna. Diante do ocorrido, o deputado Ranieri Mazzili, presidente da Câmara dos Deputados, assumiu temporariamente a cadeira executiva, mas teria que passá-la, conforme rezava a Carta de 1946, ao vice-presidente eleito. Naquela conjuntura, entretanto, os ministros militares de Jânio (general Odílio Denis, brigadeiro Gabriel Grün Mosse almirante Sílvio Heck) pronunciaram-se publicamente contra a posse de Goulart, posição comunicada ao Congresso Nacional pelo próprio Mazzili.

A reação aos propósitos golpistas dos ministros militares veio do extremo sul do país, por meio do então governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola. Este conseguiu o apoio militar do general Machado Lopes, comandante do III Exército, que se pôs ao lado da legalidade. Através de emissoras de rádio, o governador gaúcho emitia notícias sobre a campanha pela posse de Goulart, formando a chamada “Rede da Legalidade”. O clima de polarização se instaurou e uma guerra civil tornou-se iminente. Contudo, seguindo uma velha tradição nacional, operou-se um acordo político: a posse de Goulart seria garantida mediante a instauração do sistema parlamentarista, que, na prática, retirava os poderes do presidente da República. O grande fiador do acordo, o político mineiro Tancredo Neves, tornou-se primeiro-ministro. O Ato Adicional que instituiu o parlamentarismo previa a realização de um referendum nove meses antes do final do mandato de Goulart, para que fosse endossada ou não o novo sistema de governo. Assim, ficava em aberto a possibilidade de retorno ao presidencialismo.

Desde o seu discurso de posse, João Goulart deixou claro a sua intenção de lutar pela volta ao sistema presidencialista, como podemos ver no trecho abaixo:

Cumpre-nos, agora, mandatários do povo, fiéis ao preceito básico de que todo poder dele emana, devolver a palavra e a decisão à vontade popular que nos manda e nos julga, para que ela própria dê seu referendum supremo às decisões políticas que em seu nome estamos solenemente assumindo neste momento.

Formou-se então uma ampla frente pelo retorno ao antigo sistema de governo, composta por diferentes matizes do espectro político. Os setores de esquerda e nacionalistas que haviam apoiado a posse de Jango movimentavam-se para a volta do presidencialismo: em primeiro lugar porque consideraram o parlamentarismo um “golpe branco”; em segundo porque ligaram a campanha pelo presidencialismo à implementação de reformas profundas na estrutura social brasileira, as chamadas reformas de base. O partido do presidente, o PTB, ao lado do PCB (ilegal desde 1947, mas com relativa liberdade de funcionamento no período, além de considerável hegemonia no movimento operário), junto a outras organizações como a Ação Popular (AP, setor católico de esquerda, que hegemonizava o movimento estudantil), ao lado de um cada vez mais ativo movimento sindical, mobilizaram-se pelo retorno do presidencialismo. Por sua parte, políticos conservadores da UDN e do PSD, vislumbrando as eleições presidenciais que se realizariam em 1965, queriam desembaraçar-se do parlamentarismo. A UDN, que em sua Carta de Princípios– aprovada em encontro de seu Diretório Nacional, em fevereiro de 1962 – estabelecia que o parlamentarismo era o sistema de governo ideal, via suas principais lideranças defenderem a volta ao presidencialismo. Já o PSD, maior partido do Congresso Nacional, não conseguiu chegar a um acordo sobre tema, o que leva estudiosos a afirmar que a questão teria levado ao primeiro grande racha na legenda.

Entre esses diferentes setores amadurecia a ideia de antecipar o Referendum sobre o sistema de governo.

Em meados de 1962 o primeiro gabinete parlamentarista renunciou, gerando a primeira grande crise do parlamentarismo. Quem substituiria Tancredo Neves? Goulart propôs o nome de Francisco Clementino de San Thiago Dantas, da ala moderada do PTB. San Thiago Dantas, tendo praticado uma política externa independente quando ocupou Ministério das Relações Exteriores, situava-se em rota de colisão com setores conservadores do país. O PSD, maior partido do Congresso, reivindicava o direito de indicar o nome para substituir Neves. Cada vez mais autônomo, o movimento sindical se lançou ao centro do palco, ameaçando com uma greve geral caso o Congresso recusasse o nome de Dantas. A direita política, agrupada na Ação Democrática Parlamentar (ADP), verdadeira caixa de ressonância dos interesses do capital multinacional e associado, conseguiu impedir a aprovação do nome indicado por Goulart.

Este resolveu propor para o cargo o nome de Auro de Moura Andrade, velha raposa ‘direitista do PSD. Imediatamente realizou-se uma greve geral coordenada pelo Comando Geral de Greve, embrião do futuro CGT, paralisando o país e mostrando a força da classe trabalhadora organizada. Antes mesmo da realização da greve, Moura Andrade renunciou, e setores do governo buscaram interceder junto aos dirigentes da greve nacional com o fito de impedi-la. Mas o movimento sindical resolveu mostrar sua força e manteve a greve, buscando com isto influir sobre a composição do novo gabinete. Por fim surgiu o nome de Brochado da Rocha, político gaúcho ligado ao governador daquele estado, cujo gabinete esteve comprometido desde o início com a tarefa de aprovar a antecipação do plebiscito.

Os governadores estaduais, em razão das dubiedades existentes no Ato Adicional que instituiu o parlamentarismo, temiam que o sistema fosse aplicado nos estados, debilitando seus poderes.

Em meados de 1962 reuniram-se em Araxá (MG) e redigiram manifesto contrário ao parlamentarismo, propondo a antecipação da consulta popular para que fosse decidido o sistema de governo. O evento, que ficou conhecido como Conferência de Araxá, teve como principal animador o governador de Minas Gerais, Magalhães Pinto, elaborador das propostas aprovadas no encontro. Apenas o governador da Guanabara, Carlos Lacerda, votou contra o documento, embora fosse grande interessado na volta ao antigo sistema de governo, já que se colocava como presidenciável para as eleições de 1965.

Importantes setores da imprensa também passaram a posicionar-se pela realização de um plebiscito, como, por exemplo, o Correio da Manhã, que em editoriais dos meses de julho e agosto, em meio à crise sucessória, defendeu a ideia de um referendum simultâneo às eleições de outubro. Cabe lembrar que o mesmo Correio da Manhã era um ferrenho opositor do governo Jango, o que denota a heterogeneidade da frente antiparlamentarista.

Em agosto de 1962, os ministros militares lançaram um manifesto reivindicando a antecipação do plebiscito, passando a intervir de forma mais contundente na questão. Os ministros das três armas – Nelson de Melo (Exército), Pedro Paulo Suzano (Marinha) e Reinaldo de Carvalho (Aeronáutica) – propuseram a realização do plebiscito imediatamente, coincidindo com as eleições que se realizariam em outubro, no que faziam coro com a proposta de Brochado da Rocha. A proposta do governo era rejeitada pelos partidos de oposição – UDN e PSD –, que temiam uma forte identidade entre os políticos oposicionistas e o impopular parlamentarismo, prejudicando seu desempenho eleitoral nas eleições vindouras. Para estes, fazia-se necessário separar os dois pleitos, pois também, como já apontamos anteriormente, não havia consenso no interior dessas legendas quanto à matéria. Em 18 de agosto ocorreu uma tentativa de acordo entre o governo e os diversos partidos de oposição, que se materializou numa emenda apresentada por Oliveira Brito. Esta consistia na transferência da decisão sobre o plebiscito para o futuro Congresso, a ser eleito em outubro seguinte. Esta proposta malogrou, porque em setembro o gabinete de Brochado da Rocha resolveu submeter a um voto de confiança uma proposta de realização do plebiscito no dia 7 de outubro. O impasse continuou, pois essa emenda foi recusada pela maioria conservadora no Congresso, o que levou à renúncia do gabinete.

Na iminência da demissão do segundo gabinete, o CGT ameaçou convocar uma nova greve geral caso o plebiscito não fosse marcado para coincidir com as eleições de outubro. Entre os militares, a tensão aumentava. O comandante de III Exército (Rio Grande do Sul), general Jair Dantas Ribeiro, enviou um telegrama ao ministro da Guerra, Nelson de Mello, afirmando que não teria condições de manter a ordem pública no estado caso o parlamento se recusasse a aprovar a realização do plebiscito.

A 13 de setembro foi publicada a seguinte declaração na imprensa:

Face à intransigência do Parlamento... e tendo ainda em vista as primeiras manifestações de desagrado que se pronunciam nos territórios dos Estados (sic) ocupados pelo III Exército, cumpre-me informar a V. exa., como responsável pela garantia da lei, da ordem... e da propriedade privada deste território, que me encontro sem condições para assumir a segurança e êxito a responsabilidade do cumprimento de tais missões, se o povo se insurgir pela circunstância de o Congresso recusar o plebiscito para antes ou no máximo simultaneamente com as eleições de outubro próximo vindouro.

Por sua vez, os generais Osvino Alves e Peri Constant Bevilaqua, comandantes do I e II Exércitos, respectivamente, solidarizaram-se com Dantas Ribeiro. Apenas o general Castelo Branco, comandante do IV Exército, recusou-se a apoiar a declaração. O ministro da Guerra, contrariado, considerou a declaração do comandante do III Exército uma manifestação de insubordinação.

Por outro lado, o movimento sindical resolveu solidarizar-se com Dantas Ribeiro e convocou uma greve nacional para exigir a antecipação do plebiscito. Em 14 de setembro, Brochado da Rocha renunciou. A greve geral estourou no dia seguinte, tendo uma adesão inferior àquela realizada em julho, mas não menos radicalizada e importante. No dia 16 do mesmo mês, fruto de um acordo em meio à polarização política, foi aprovado o projeto que antecipava o referendum para o dia 6 de janeiro de 1963.

Ao gabinete de Brochado da Rocha sucedeu o de Hermes Lima. Com a data do plebiscito marcada, este consistiu basicamente num período de transição ao presidencialismo. A certeza da vitória do sistema presidencialista era percebida pelos atores políticos e mensurada nas pesquisas de opinião pública realizadas no período, que apontavam mais de 70% da população favorável ao retorno do presidencialismo.

Mas não faltaram defensores do novo experimento, como os parlamentaristas históricos Raul Pila e Afonso Arinos de Melo Franco. Entre o militares, Juarez Távora, da Cruzada Democrática e pertencente aos quadros do Partido Democrata Cristão (PDC), encontra-se entre os principais defensores do sistema. Este pronunciou uma série de conferências radiofônicas – num momento em que este ainda era o mais importante veículo de comunicação de massas –, e emitiu pronunciamentos na televisão defendendo a superioridade do sistema parlamentarista. Seus argumentos consistiam em:

1) declarar que o sistema vigente no Brasil era uma caricatura de parlamentarismo;
2) defender a eficiência histórica do sistema, usando, constantemente, o exemplo do Segundo Reinado.

Chegava a listar uma série de importantes personalidades políticas formados sob este sistema no oitocentos, afirmando que “a escola parlamentar foi bem mais fecunda em verdadeiros estadistas, que a presidencial”.

Mas era do lado pró-presidencialista que se encontravam a maior parte dos militares. Peri Constant Bevilaqua, general que comandava a II região militar, era um forte opositor do sistema parlamentar. Militar legalista, Bevilaqua defendeu a posse de Goulart, mas considerou o Ato Adicional que instituiu o parlamentarismo uma violação da Constituição de 1946. Em seu arquivo particular há um manuscrito de sua autoria, redigido no dia 6 de janeiro de 1963 (dia do plebiscito), em que afirma ser o parlamentarismo vigente fruto de “condições anormais”. Esperava, assim, que o povo repudia-se aquele regime nas urnas, o que acabou por acontecer. No mesmo arquivo de Bevilaqua há um telegrama de Goulart, enviado poucos dias depois, agradecendo o apoio do general ao retorno do presidencialismo.

Deve-se lembrar, contudo, que o general Bevilaqua encontrava-se em profunda contradição com uma das bases fundamentais de sustentação do governo Goulart, o movimento sindical, sendo um ferrenho crítico das organizações sindicais “paralelas”, que levavam este nome por estarem em desacordo com a legislação trabalhista vigente.

O período parlamentarista foi marcado por grandes instabilidades políticas, situação que perdurou mesmo após a volta do presidencialismo. Esta permanência revela que a instabilidade do sistema político possuía raízes profundas, remetendo a questões que estão além das alternativas entre presidencialismo e parlamentarismo. Trabalhamos com a ideia de que o sistema político de então se encontrava em “crise orgânica”, situação que é caracterizada quando os partidos políticos tradicionais não são mais reconhecidos como representantes dos interesses das classes sociais, a exemplo do que afirma René Armand Dreifuss em seu trabalho clássico sobre o golpe de Estado.

Trata-se, portanto, da crise do populismo, forma de domínio político baseado no chamado “estado de compromisso”, que perdurou no Brasil de 1930 a 1964.

Todavia, a opção generalizada pelo presidencialismo pode indicar pistas sobre as profundas transformações ocorridas na sociedade brasileira no bojo da crise dos anos de 1960. Os setores das classes dominantes que viriam a assumir os principais postos da política econômica e administrativa no governo militar que sucedeu a queda de Goulart, chamados por Dreifuss de “elite orgânica”, empenharam-se pela volta ao presidencialismo. Segundo este autor:

Anpuh Rio de Janeiro
Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro – APERJ
Praia de Botafogo, 480 – 2º andar - Rio de Janeiro – RJ
CEP 22250-040 Tel.: (21) 9317-5380



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Bibi Ferreira e o plebiscito de 1963

Autor: Tamára Baranov

No dia 6 de janeiro de 1963, o povo brasileiro atendeu ao apelo do Presidente João Goulart, comparecendo maciçamente às urnas do plebiscito, para dizer não à manutenção do parlamentarismo em vigor no país desde 1961. Na época de Jango, o rádio era uma arma poderosa para as campanhas políticas, e os jingles eram capazes de vencer uma eleição. Bibi Ferreira e os convidados especiais Elizeth Cardoso, Ivon Cury, Isaurinha Garcia e Jorge Goulart, marido de Nora Ney, foram chamados para apresentar uma das principais peças publicitárias do presidencialismo.



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