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segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

Sabedoria incompreendida


Por Antonio Luiz Carlini Santa Teresa 2 de dezembro de 2017

- Você pode ficar aqui! Pode comer este capim viçoso, depois te deixo beber água quando estivermos atravessando o Rio Tabocas lá na ponte dos Loss Venâncio! Vou voltar para buscar os documentos! Sei que já andamos mais de um quilômetro, mas a culpa é só minha, ter esquecido a valise com os papéis. Volto pé! Você é um cavalo! Eu sou o burro! Até logo mais!

Rafael, atrás da moita, onde soltava o barro, estranhou aquilo. Pois, o sábio Matheus Ângelo Ziviani, falava com o cavalo que amarrava em um Morão da Cerca, onde vegetava viçosa gramínea. O Angelim Ziviani deixava ali o cavalo encilhado e, voltava para casa, se auto repreendendo pelo esquecimento! Com seus botões, confabulava: - Pobre cavalo, não é justo que ele ande dois quilômetros a mais me carregando só por que esqueci a valise. 

E assim foi! Rafael tendo deixado ali atrás da moita “aquilo”, prosseguiu para o bananal junto do cafezal, já tendo colhido mais de dez cachos, quando ouviu Angelim Ziviani chegar ao Cavalo, falando: - Perdoa-me! Já tem mais de vinte minutos que te deixei aqui! E recolocando de volta seu relógio de bolso em seu devido lugar, com aquela correntinha sobrando para fora da roupa, falando com o cavalo, depois que o desamarrou e montou-o, continuava :

- Discordo de muita coisa que o cristianismo diz ser justo, por exemplo: que culpa tem você de pertencer a um irresponsável? Seria justo, ser cristão e matar com facadas de assassino ao porco que criamos com carinho? É justo matar com machado a vaca que por mais de doze anos deixou de dar o seu leite ao filho, por que os ditos CRISTÂOS, o tomaram para alimentar a si e seus filhos? É justo que uma espécie animal, mais inteligente, reconheço, escravize vocês e aos bois, para o transporte e serviços rurais, visando somente angariar mais lucros, fingindo hipocritamente ignorar que no livro do GÊNISES, todos os animais também foram criados pelo mesmo CRIADOR? Será, Ó meu bondoso cavalo, que a Santa Sé não está mentindo para nós, quando diz que fomos criados à imagem de Deus, o que nos permite domínio sobre vocês? Pode ficar tranquilo! Quando vender minha próxima colheita de café, vou embarcar no Caminhão do Henrique Ferrari ali em Tabocas e, vou a Santa Leopoldina me comprar uma bicicleta BIANCHI! Você não vai mais precisar carregar esta carcaça pecadora! Vai poder correr pelos pastos e estradas, livre conforme está escrito no Gênese! Como posso, em sã consciência, depois de batizado, aproveitar de minha inteligência superior e escravizar você!
A uma daquelas sopradas do cavalo, BBBBRRRUUUMMM, Angelim respondeu: - Sei! E como sei! Mas só eu entendo você!

Rafael Corona, que nem sabia escrever o próprio nome, mas era atento a tudo o que estava na Doutrina da Santa Madre Igreja, acabou de lotar os balaios de seu burro, com os cachos de banana e intrigado rumou para casa! Lá relatou para os familiares o que viu e ouviu. Pois, estranhava que aquele homem que quase fora Padre, mencionava a Bíblia ao falar com o cavalo! Ora, o Padre vivia dizendo que os Católicos não deviam ler a Bíblia, porque se lessem poderiam ficar loucos, porém, ali não parecia loucura, mas sim uma reflexão do que era falado sobre o Éden e a Criação do mundo... Entretanto; o que seria da agricultura, se não pudessem usar cavalos, burros e bois? (...).

Rafael relatou para esposa e filhos, todos destituídos de instrução, o que ouvira! Ali começou a preocupação da Comunidade: - O Angelim leu a Bíblia, está louco! – Pois, foi isso que a esposa de Rafael disse para Cecília Rasseli Ziviani, a esposa, que quando o Matheus Ângelo Ziviani retornou no crepúsculo daquele dia, o recepcionou, inquirindo-o, sobre sua confabulação com sua montaria! Calmamente o Angelim perguntou: - Terias coragem de perguntar ao teu Padre confessor, se antes de nos criticar o graveto no olho, examina o próprio, para verificar se não há nele uma trave! Cília, se não tiveres nenhum pecado, apedreje-me, bebedora de leite!

A comunidade não perdoou! Fofocou! Pois, Angelim tinha lido a Bíblia e falava muitas palavras que o Padre dizia não serem apropriadas para os Católicos! Muita fofoca circulou entre os tantos desinstruídos, piorando quando comprou a bicicleta!

quarta-feira, 27 de setembro de 2017

As ceroulas do século XIX

Por Antonio Luiz Carlini originalmente em Santa Teresa 17/09/2001 

Duraram poucos anos, mas elas entraram no século XX, fazendo rir até quase meados deste! Quando lentamente foram substituídas por outras peças íntimas, como o “samba canção”, apelido inicial devido o seu largo espaço interno, onde certas coisas podiam dançar samba sem esbarrar em nada. Enquanto para o público feminino, calçolas, cuecas ou um monte de outros apelidos, mas sem nunca perder sua semelhança com o coador de café ou chá, o que lhe rendia outros apelidos, sempre oriundo de gírias e jargões. Mas sempre peça do vestuário que incomodava as mulheres andarem a cavalo, considerando-se mais o interior de nosso território, impróprio para charretes ou carroças, antes da chegada dos automotivos.

Isso causou uma passagem hilária com as filhas de Carlini Giovanni em 1904, quando três delas e uma prima Ziviani, para visitar uma parente que estava puérpera em Sagrada Família do Santa Joana, - Depois Itaguaçu- para lá resolveram ir a cavalo. Aconselhou a mãe delas com a aprovação do pai que além de levarem um burro da tropa, por que este conhecia o melhor do caminho e farejava melhor as onças nas matas do entorno da Itanhanga – Pedra endiabrada- já que recomendado pelo tropeiro que trouxera a carta avisando do nascimento do parente. 

Para viajar a cavalo onde as animálias, sejam equinos ou muares, entre aquelas pedras nas serras e topes da cordilheira que separa as bacias dos Rios Santa Maria e o Santa Joana, as selas para mulheres montarem com as duas pernas para o mesmo lado, seria inapropriado, sendo, portanto, aconselhável usarem selas para homens, o que requeria o uso de calças para isso, pois, senão as ceroulas, aquelas ainda não usavam nada embaixo daquelas das saias que cobriam tornozelos... Que fazer?... Óh! Dúvida cruel!... Até que uma teve a ideia: “providenciariam CALÇOLAS”. Pois, estas mesmo com uma perna cada lado da sela, não as exporiam ao ridículo da vergonha de ter as ceroulas vistas por outra pessoa. Assim fizeram; duas calçolas para cada uma, pois, dois dias de viagem, uma para cada dia e foram. Entretanto mal começavam subir a encosta de acesso ao córrego frio, com suas quatro montarias, sendo dois burros e dois cavalos, as quatro se queixavam do desconforto daquela peça de roupa que mesmo sob anáguas, combinações e saias duplas nos vestidos, pressionavam a genitália mais que era esperado. Uma reclamava que o rifle lhe roçava o joelho, outra que deviam ter dado banho no cavalo, outra que devia ter dado purgante de óleo de rícino para os animais, pois, andando naquela fila indiana, a cada bufa de gazes do animal da frente, a que vinha atrás o respirava. Enquanto outra rezava sugerindo que a acompanhassem. Estando no alto no divisor de águas das duas bacias, pararam e apearam. Uma disse que estava com a “perseguida” já assada, ao que a mais leviana comentou: - Estando ela crua, os homens já se matam por ela, imagine quando todos os rapazes ficarem sabendo que a sua é assada? Com certeza haverá guerra! A mais ajuizada e aí nomeada líder, por isso de posse de um dos rifles-carabina winchester-: - Isso será contado para mamãe quando voltarmos! Retomaram o caminho e observavam a falta de folhas nas matas, lamentavam a seca daquele ano e viram que no outro vale a cor cinza também substituíra o verde de outrora. –Depois entre novembro de 1904 e março de 1905, choveu todos os dias e a vegetação se refez-.

Chegaram à casa do Patriarca Dalmonech, aquele que viria ser sogro de uma delas, onde foram hospedadas para pernoitar e soltar os animais para o descanso. Tiveram permissão para lavarem as peças íntimas que penduraram no varal, esconsas sob peças de tecidos de sacos de algodão vazios, pois, naquela casa estavam alguns rapazes que não podiam de forma nenhuma ver aquelas coisas no varal. Era vergonhoso, mas acima de tudo PECADO, conforme o Frade que as ouvia e orientava no confissionário. Isso por que as moças tomariam de volta aquelas peças, só quando passassem por ali no retorno. Porém, quando chegavam ao destino, dez quilômetros para lá de o atual Itaguaçu, a líder perguntou àquela que mais se queixou: - Porque hoje, você ainda não se queixou da assadura. Talvez a assada agora já esteja calejada? Ouviu como resposta: - Nada disso, hoje ardeu menos, por que a minha calçola esta no picuá! – Quer dizer que você não vestiu aquilo? Bem pensado! Eu também não vesti! - Nem eu! –Nem eu! Nem eu! Ao que a piadista comentou: - Pensei que teríamos mais valorização entre os pretendentes, mas ao que vejo continuaremos cruas! Ouviu: -Mais uma para os ouvidos da Mamma, quando voltarmos! – Nada disso, por que quando ela contar isso ao Frade no dia da Confissão, ela estará pagando este pecado com os movimentos que ele vai fazer! -Mas do que você está falando? – É que quando eu conto estas coisas para o Confessor, ele fica mexendo batina, empurrando uma coisa para dentro do meio das pernas, jogando os cordões para o lado, como se tivesse subido formigas por dentro da roupa! – Eu também vi isso! Falei com a Mamma e ela falou que falar do Padre é pecado. Fez-me rezar três terços, ainda faltam dois!

Chegaram ao destino, conheceram o sobrinho, compartilharam em grande mesa muitas canjas. Fizeram outra remessa de roscas para engrossar os caldos de galinha que concorriam com a polenta, queijo e linguiça naquela mesa italiana que nos deixa com fome! Repararam que o cunhado e irmãos, cochichavam sobre as selas, um mais novo até cheirou o assento da sela da moça mais nova. Riram dele, mas um confessou que também estava tentado!

Depois de dormirem duas noites naquela Casa onde tinha ido morar a irmã, pela manhã reiniciaram o retorno, depois de terem combinado que aquelas peças íntimas só seriam vestidas em eventual necessidade, pois, era desconfortante. A falta de costume pesa no bem estar quando sentadas naquelas selas com animais andando por trilha, cheia de sobe e desce.

Na tarde daquele dia, quando chegaram à casa dos Dalmonech, onde passariam a noite, tendo sido avisado que chegavam, pelos vira-latas que mais serviam para avisar com seu grunhidos e medo, a presença de onça perto dos chiqueiros e do curral, lá estava na entrada do terreiro da casa, o patriarca Dalmonech, fitando-as e rindo... Não entenderam nada, mas ele resmungava palavras em um dialeto italiano, desconhecido por elas e ria, ria copiosamente, até que a Matriarca da família apareceu em uma janela e ordenou que ele parasse com aquilo. Aquela senhora exibiu para o marido “A CANARÓLLA”-pau de espalhar massa de trigo- estes sempre muito pesados de madeira rija. As moças nada entendiam, mas viram que aquela comadre de sua mãe, ali era uma verdadeira “MATRONA”. Pois, fez aquele homem forte sair dali, como um cãozinho enxotado.

Acomodadas na casa onde pernoitariam, sentiam uma ansiedade com o clima do ambiente que as recebeu. Todas desconfiadas deixaram por falta de experiência, aquela matriarca que viria ser sogra de uma delas, perceber o desconforto das moças, assim ela tomou as falas e disse, depois de ouvir notícias da parente puérpera lá em Itaguaçu: - Vocês deixaram as calçolas no arame debaixo das toalhas, onde o Velho nunca mexe, mas enquanto fui lá nos Demuner, onde tem uma doente, ele foi apanhar a toalha e derrubou uma das peças, pegou na mão, ficou admirando, igual um menino com um passarinho que acabou de prender. “As toalhas quase sempre eram feitas de sacos de açúcar ou trigo”. Cheguei e encontrei-o curioso e admirando o objeto. Perguntou-me o que era e para que servia. Quando informei, jogou a peça na minha cara e caiu na gargalhada. Fazia mais de trinta e seis horas que estava rindo. Só parou agora, por que não que vocês contem lá no Caldeirão e Tabocas, que minha “CANAROLLA”. Ele é homem, muito homem, mas um belo pau de macarrão na minha mão, o faz ser igual os meninos, a quem proibi que ele falasse ou mostrasse as peças íntimas de vocês...

ÓH! Céus! Que vergonha! Até quando aquele velho gozador e piadista ia guardar segredo! Enquanto elas, agora estavam correndo risco, pois, um homem tinha visto as Calçolas de ao menos uma delas, sendo que até um joelho, para aquela época teria sido desastroso!

No Dia seguinte, sem comentários, mas vendo nos olhos daquele velho, o desejo incontrolável de comentar o assunto, as moças estenderam-lhe a mão, esticando o braço ao máximo, como se rezassem para que aquele braço, ali naquela hora, tivesse ao menos mais uns metros. Pois, aquela mão tinha tocado em uma das peças. No caminho entre Itanhanga – Pedra Alegre- aquelas moças rezaram o tempo, pedindo ao Ser Supremo que o assunto não fosse a público.

Relataram o ocorrido para a Mãe que lhes aconselhou rezar, rezar, orar, fazer novenas, etc...


Naquele mesmo ano um noivado entre uma das moças e um dos rapazes Dalmonech, foi marcado pelos pais Carlini e Dalmonech. Depois de alguns anos, outro. Sendo portanto dois Dalmonech casados com filhas de Carlini Giovanni. 

Aos meus oito anos, em 1962, quando João Carlini Filho, esteve acamado, os cunhados Dalmonech o vieram visitar na casa de onde saíram as moças. O ocorrido narrado aqui, já com acréscimos, por parte dos dois, foi contado para animar o acamado, depois daquela tradicional reza no quarto de um moribundo, que viveu ainda dois meses. O pior desta história foi que entrou em meus ouvidos, ouvindo-a em uma versão de um Dalmonech, acrescida de detalhes do irmão ali presente!

sexta-feira, 11 de agosto de 2017

Percalço da informação velada


Por Antonio Luiz Carlini - Santa Teresa ES 25/07/2017

Já ia completar uma década, desde que aquele filho de italianos, deserdado de intelecto, para a malícia, a percepção de que era alvo de comentários entre seus consortes étnicos, sempre com certo teor de menosprezo pelo seu QI, incapaz para se ajustar ao meio, onde vivia sem ser informado, que por uma questão antropológica de discriminação, não foi integrado ao mais íntimo do seio, para uma convivência igualitária. Pois, ele não percebia que seu respeito pelas famílias, pelos bons costumes, tendo ele ficado órfão de pai e mãe, não foi aceito para morar com irmãos, cunhados e cunhadas, tendo que com a força dos braços, ir viver trabalhando em outras casas de famílias, em troca de alguns tostões, alimentação e vestuário.

Passava muito além do segundo “enta”, ou seja, quase sessenta anos, quando naquela família, onde já era um esteio no trabalho braçal, com os dez anos por ali, embora quase sexagenário, depois que por cinco anos, o chefe, acometido de doença incurável veio a óbito, deixando uma viúva com sete crianças e, ele, os braços trabalhadores, além de um inquestionável dirigente na educação para o labor com as roças, docente para os três filhos mais velhos, órfãos do italiano que fora vitimado pela doença. Pois, nosso protagonista, teve fundamental desempenho em estimular naquelas crianças de treze, onze e nove, o interesse e a valorização do trabalho, já que há muito o pai deles esteve ausente, devido à doença.

Nosso protagonista chorou muito a morte do Italiano que o acolheu. Porém, sentia-se agora mais responsável que nunca. Continuo com o trabalho, capinando o cafezal, o arrozal, o feijoal, o milharal, depois de ordenhar as vacas enquanto os três meninos, cuidavam dos porcos, das galinhas e um deles conduzia as vacas para pastos separados, antes de irem para as roças, em uma rotina de vida na roça, onde a agricultura familiar funcionava em ritmo assaz laborioso. Não questionou nenhuma vez quem iria o remunerar pelo trabalho, quando vencesse o mês. O que por outro lado era uma preocupação atormentadora, por parte da viúva, já que além de terem gasto seus recursos com aquela doença, ainda estava endividada. Isto a levou a uma reação, para ver o que poderia fazer: “Chamou seu herdado trabalhador auxiliar, ali considerado CAMARADA”. Indagou-lhe sobre suas expectativas, tais como, quando e como queria receber, etc... Depois de informá-lo sobre a situação financeira ainda ruim, consequência de cinco anos gastando além do que arrecadavam.

Havia passado apenas um mês desde aquele óbito. Mas a situação precisava ser esclarecida, seja da parte dela, com a preocupação do ônus, seja por parte dele, cuja expectativa em receber poderia aumentar os problemas da viúva, surpreendida pelas palavras do CAMARADA:

-Não tenho ORDENADO (assim chamavam a remuneração), para receber, aliás, não preciso de dinheiro agora, sei que só entrará dinheiro depois das colheitas e para isso falta pouco, agora sei também que só faltam doze dias para aquela nossa conversa séria lá em seu quarto, depois que eu tomar um bom banho e vestir minha roupa de Domingo. Quanto a dinheiro, pagamento, etc..., doravante não existirá, por que tudo será nosso, como era entre você e o finado antes de ele ir. Estou aqui para substituí-lo. Só não falei antes, por que pensei que você já sabia do que é de fato: “REI MORTO, NOVO REI NO POSTO”. Estava eu, esperando passar sua quarentena, aqueles quarenta e dois dias de resguardo que uma viúva precisa... Tratam-me como BOBO, mas eu não sou. Desde meus quinze anos sei que “VIUVA É IGUAL LENHA VERDE, CHORA, MAS PEGA FOGO”. É claro que até completarem-se os dois anos da viuvez, para não gerar falatórios, continuaremos só como noivos, antes de nos casarmos. Entretanto, morando na mesma casa e os seus sete filhos dormindo, os vizinhos não verão e não saberão... Entendeu? É por isso que não preciso de ordenado, meu pagamento maior será você, mas vou esperar pacientemente pelo fim de sua quarentena!

A essa declaração do homem de inteligência diminuta, ficou estupefata. Era ela, portadora de convicção de que uma vez casada, não importava se o marido morrera, estaria eternamente casada, por que em sua mente o “Até que a morte os separe”, tinha um sentido único e além do mais, aquele rejeitado da sociedade jamais poderia vir a ser seu marido em qualquer circunstância. Ficou pensativa por duas horas e decidiu pedir ajuda para a sogra, residente um pouco distante, mas onde seus filhos poderiam chegar a pé acompanhando-a. Lá diante da Sogra, uma daquelas admiráveis MATRONAS, capaz de enfrentar até o mais valente pistoleiro se sentisse sua concepção de domínio territorial ameaçado, relatou a intenção do CAMARADA que agora aspirava o “noivado” e posterior casamento. Aquela sogra, que se via na obrigação de proteger a Nora e considerava aquele cidadão desmerecedor de espaço no seio da família, onde os retardados não tinham ingresso, não pensou duas vezes.  Tomou do winchester 44, tirou os tamancos de embaúba e restos de couro velho, calçou alpargatas e sem outras palavras perguntou: - Onde posso encontrar aquele pervertido, retardado, que não se enxerga? Está lá na roça de feijão, Nonna! Disse um menino!

Partiu apressada. Foi acompanhada pelos demais a quem deixou para trás, dada a pressa que empreendeu. Encontrou o infeliz arrancando pés de feijão. Chamou-o às falas. Mostrou a habilidade com o Winchester e ouviu dele a confirmação das intenções. Engatilhou a arma e lhe ordenou ir para a casa. Aquela anciã esperta em seus passos, praticamente o empurrava com a ponta do rifle. Ele com a mala e ferramentas pessoais nas mãos, recebeu dela o que poderia ter de vencimentos pelo trabalho e foi.

Dez quilômetros de lá encontrou outra casa, onde ficou nas mesmas condições em que esteve na anterior. Porém, passou outro decênio trabalhando para sobreviver, mas fazia qualquer coisa para não ouvir falar o nome daquela viúva e ainda menos da sogra dela, até que quase aos setenta, foi reconhecido pela previdência social como merecedor de meio salário mínimo.

Se alguém mencionasse o assunto, ele antes de pronunciar uma saraivada de palavrões e blasfêmias, tal o italiano que era, argumentava: - Passei mais de cinquenta anos, sem saber segredos sobre mim mesmo. Precisou aquela velha braba me ameaçar com a CARABINA e falar aquelas coisas, para que visse o quanto que um homem precisa saber sobre si mesmo!

Ninguém sabe tudo o que aquela anciã lhe disse, mas fez tardiamente, o que a família devia ter feito ainda na infância dele, ou seja, dialogar!

terça-feira, 25 de julho de 2017

Lux & Singer


Por Antonio Luiz Carlini - Santa Teresa – 13/07/2017.

Não temos dúvidas que o álcool potencializa a capacidade de funcionamento dos neurônios, conforme atestam vários ditos populares. Também, sabemos que o cego embriagado vê no relógio, que ainda é cedo para encerrar. O perneta que abandona suas muletas, para com a perna que lhe resta, chutar a mesa do boteco.

O surdo ouvir uma fofoca sobre a alteração do seu inquestionável carácter. E o mais impressionante: “O pobre, totalmente sem verba, assumindo que compra até o bar, se tiver seu desejo de beber vedado pela falta de Crédito”. Impressionantes transformações de personalidades, depois que as “águas que bois não bebem”, agem no cérebro! Pois, tomando marula, até babuínos cavalgam em javalis nas savanas africanas, enquanto Avelino Storch, lá na casa dos Luxinger, depois de algumas doses, põe atrás da orelha um cigarro aceso, este que lhe incendeia o chapéu de palha, levando o pequeno Lídio Luxinger, a filosofar: - Mãe, o Avelino pensou demais, esquentou os neurônios, tanto que incendiou o chapéu, ou talvez por razão de ter bebido, esquentou demais, a cabeça?

Pois bem, viveram no Recreio, Comunidade de São Sebastião, os Luxinger (LUX & SINGER) e, com eles, outros três cidadãos solteiros, que para eles, prestaram serviços braçais nas lavouras.  Pessoas boas e trabalhadoras, embora tidas na comunidade, como portadores de QI não muito elogiável. Porém, muito potencializados quando aquela destilada entrava na corrente sanguínea deles por via oral, celebrando eles, a qualquer tempo ou hora, desde que a ela tivessem acesso, sua devoção sagrada ao Deus Dionísio ou Baco. Daí, hilários acontecimentos com eles, inclusive, aparições sobrenaturais, como a PORCA ENCANTADA, que do nada, lhes surgia á frente, nas estradas escuras e frias das montanhas entre matas. Porca que não se deixava apanhar, entrando como uma sombra, em um barranco de estrada, onde não havia túnel. Entretanto, devido às muitas aparições, levou a comunidade a crer na assombração do Alto Recreio. Contudo pessoas abstêmias, do precioso líquido, também foram assombradas pelo fantasma suíno, mesmo que eles, ao chegar às casas, enlameados, afirmavam terem sido driblados pela matriarca dos leitões, ali imitados por eles, com seus tombos involuntários na lama, no trajeto entre o boteco e o Solar Luxinger!

Também no Recreio de Santa Maria de Jetibá, quase divisa limítrofe com Santa Teresa ES, viveu o germânico, que em sua propriedade mantinha um abatedouro de suínos, usando da boa vontade de dois daqueles lavradores, para aos sábados, o auxiliarem nas tarefas com os grunhidores, cujas carnes e banhas eram comercializadas. Redundância informar que lá naquele peculiar frio do Recreio, não estivesse presente ao menos um garrafão daquele precioso chá, extraído da cana de açúcar, para com seu consumo, aliviar o sofrimento com as mágoas com que a vida nos faz conviver, declamando: “Felizes os que conseguem afogar as mágoas, antes que elas aprendam nadar e permaneçam vivas na serenidade dos que sofrem!”.

Certo sábado, lá pelo final dos anos setenta, dois deles, sendo Oto Ramos e Alfredo Bausen, entraram pela tarde, tomando muitas doses do chá que esquenta, enquanto ajudaram o conterrâneo, naquela chacina, ou suínocídio coletivo.

-Oto, Otinho, Alfredo, por que estão bebendo tanto? Faltam muitas horas para anoitecer!...

- Estou com dó dos porcos! Os gritos me comovem! Bebendo fico mais calmo e esqueço! Disse Otinho, quando Alfredo retrucou: - Nada disso, Otinho por pinga, mataria até irmão. Aliás, se continuar nesse ritmo, também vai entrar na faca. Pois, mais umas três doses ele vai ser confundido com o resto ainda presente lá no chiqueiro!

Revolta! Troca de insultos!  Entra a turma do “deixa disso”! Os dois dispensados do serviço pelo Pedro Stich. Entretanto, mais algumas doses são consumidas, especialmente pelo Oto, que fora aconselhado não brigar com seu companheiro de trabalho, ali já sem beber, para não cair, tal aconteceu com Oto, incapaz de controlar o anseio pelo precioso líquido ardente.

Oto desabou! Parecia irrecuperável! Alfredo não quis que seu consorte de labuta ficasse ao relento quando anoitecesse. Por isso, mesmo bêbado era cônscio do que seria para aquele homem, embora alcoolizado, ficar por horas na friagem úmida do Recreio. Tomou de um carrinho de mão, daqueles totalmente artesanais, “feito de dois caibros, um caixote de tábuas e uma roda de madeira presa a um pedaço de caibro que lhe servia de eixo”. Nele colocou o amigo já em coma com a bebida! Rumou para a direção da residência dos Luxinger, conseguindo chegar com o desfalecido até o terreiro da habitação, quando, como que por uma ação do encardido do inferno, mal fora despejado da CARRIOLA, OU CARRIOLE, já por lá predominava línguas germânicas, Oto levantou do chão, xingando sombras e rumou ao ferramenteiro, tomou de uma foice, partindo para cima do Alfredo, que bêbado e cansado, correu para dentro da Residência, ocultando-se no quarto de Casal, recebendo ajuda da Sra. Luxinger, enquanto Oto, aos xingamentos se rebelava a todas as frases de Alfredo, sobre sua dignidade verbalmente agredida. Pois, inicialmente, comparado aos porcos, depois tomado do chão como um em abate, em seguida transportado como um deles e finalmente despejado do carrinho como se Alfredo estivesse confirmando sua ciência de que Otinho era portador de suinilidade. Passou-se longo tempo, para convencerem Oto de que, Alfredo havia pulado a janela dos fundos e desaparecido mata adentro rumando na direção norte.

Fora uma noite de tensão por parte de todos, por que Otinho em seu cafofo no extremo do quintal adormecia, mas em alguns intervalos levantava ameaçando ir pegar Alfredo, que dormia fora do seu ninho. Afinal, além de ter trabalhado, bebeu, carregou o companheiro, do qual fugiu como o Diabo foge da Cruz.

No Domingo as coisas estiveram mais calmas e na segunda trabalharam perto. Porém, Alfredo mantinha sempre distância segura, até que veio o outro sábado e o perigo retornou. Alfredo havia aprendido que para fazer o bem, precisa sempre ver a quem e que quanto menos pinga, mais agilidade nas “pernas para que te quero”!

Lá, em outro período, também viveram outros, depois que Otto e Alfredo, retiram-se para rumos alhures. Também, lá na qualidade de CAMARADA, por certo tempo, Antônio Föeger, consorte étnico, que mostrava certa incoerência com a serenidade quando do uso do intelecto. As três ou quatro da manhã, como veio ao mundo, banhava-se em uma bica d’água, em uma temperatura que até congelava as mais simpáticas moradoras da moita de bananeiras, os idolatrados anfíbios, as carinháveis pererecas. Não temia inverno, segundo os meninos Luxinger. Pois, que sempre de “cabeça quente”, perdia seu cachimbo e esbravejava procurando-o, mesmo estando com ele na boca. Ria ao ouvir falar que Avelino ameaçava ir e não ia.  Era cônscio de que sua vida devia ser noutro lugar. Foi comum anoitecer, com Avelino dizendo que aquele havia sido seu último dia ali. Proclamava em alto e bom som que sairia do Brasil, pois lá em Santa Leopoldina, um espaço para si o aguardava. Aquilo incomodava os meninos, tanto que às duas da manhã, o pequeno Lídio, acordava para esvaziar a bexiga e como havia adormecido ouvindo Avelino prometendo ir, já que arrumava a mala, o menino chamava-o:

- Avelino!..., Avelino!... Avelino!... Você já foi embora? 

- Não, estou aqui! Vou amanha! Respondia o alienado

- Tá bom, bacurau! Amanhã eu vou! Amanhã eu vou! Por enquanto vou dormir! Bacurau!

- É por isso que amanhã eu vou! Amanhã eu vou! Nem você me respeita aqui! Eu vou!

Antonio Föeger, procurando o cachimbo levantava a hipótese de Avelino o ter levado, enquanto os meninos riam de sua desatenção. Incoerentes, nem loucos, nem normais, os Camaradas sempre deixaram lembranças de suas estadias, seja entre os germânicos ou italianos, até que as necessidades de consumos impostas pela cidade, às comunidades rurais, acabassem com a existência daquela categoria de trabalhadores!

segunda-feira, 17 de julho de 2017

Núpcias inusitadas


Por Antonio Luiz Carlini - Santa Teresa 11/05/1989

Aconteceu o enlace matrimonial. Nubentes na maior expectativa de como seria a primeira noite compartilhando leito conjugal. Já noite, quando a casa onde iriam morar, desde o dia do casamento, estava sob a guarda de um solteirão, este que trabalhava ora para uma, ora para outra família, martirizado com sua impopularidade entre as moças da comunidade, das quais já havia assistido duas gerações passarem sem que ele nunca tivesse de qualquer uma delas, nada mais que uma saudação respeitosa... Não lhe era cômoda aquela situação, pois, causava até certo complexo de inferioridade, já que por não pertencer à etnia italiana ou alemã, maioria absoluta, enquanto ele, filho de nordestinos, minoria, dificilmente por ali teria uma namorada, mesmo que uma viúva, pois, não se encaixava no meio, com os requisitos que dispunha, embora eram frequentes os elogios pelo seu carácter, associado a outras virtudes positivas, como  sua qualidade de trabalhador, e exímio lavrador. Por isso aceitou não ir à festa daquele casamento, ficando por uma pequena paga, sozinho na casa onde os nubentes iriam morar, vigiando-a, até eles chegarem lá, depois das vinte e três horas, já que a festa de casamento acontecera na casa do pai da noiva, patrocinada pelo Fazendeiro, que lhes concedia meia de café e lavouras sazonais.  Aquele capixaba, filho de alagoanos e mineiros do Vale do Suaçuí, naquela noite feito segurança, mal escureceu, dormiu ouvindo um programa Sertanejo de uma emissora de Rádio paulista, só sendo acordado pelas batidas na porta, as vinte e três e quarenta e cinco, por parte do noivo, que fora trazido por um fusca que não chegou perto da casa, em virtude da falta de estrada. Ficou muito longe, a ponto de não acordar aquele que dormia sonhando com as ninfas de suas utopias!

Em seu quarto, hóspede que fora até meia noite, antes vigia, na casa onde núpcias se consumariam, podia ouvir tudo o que era falado no quarto dos recém-casados. Podia ouvir o noivo informar, mesmo em sussurros, que nada mais o deteria. Consumaria o pretendido, mesmo que fosse indo para trás das bananeiras, lá para as bandas do paiol, se a noiva ficasse constrangida ali, dado o risco de o hóspede os ouvir, com seus inevitáveis ruídos para chegar ao que ele, o noivo, esperava por três anos. Sussurrava que o prazo de espera havia acabado e, agora seis horas até que o vigia se retirasse, seria demais. Confessava um descontrole.

Dois jovens, ambos criados ali no meio rural, cremos inclusive que sabiam pouco sobre o assunto, mas pelo ímpeto dele, deram início ao intercurso, ignorando o barulho, ou ranger, de uma cama nova, um colchão novo em um quarto, ao qual não estavam acostumados.  Ocorreu que a entrega deles aos deleites de busca pelo objetivo para a satisfação dos instintos naturais, onde a Doutrina Religiosa, por mais que queira, não consegue se intrometer, produziu no outro quarto, uma curiosidade naquele solteirão. Este ouviu mais do que devia e como seu atraso vinha de duas gerações, resolveu que precisaria fazer alguma coisa, para também ele sufocar aquele interesse assaz forte em fazer o que os dois faziam lá no outro cômodo. Sabia que sair, faria barulho com as portas, avisá-los seria interromper o ato. Não queria ainda que eles soubessem que eles, o tendo esquecido, se entregaram ao ato, sem se importar com o mundo à volta. No entanto, o que fazer? Como poderia dormir e esquecer, se os dois lá não apagavam a lamparina e ela sussurrava entre gemidos, vocábulos de poucas sílabas, antes nunca ouvidos pelo solteirão, agora excitadíssimo, palavras vindas de voz feminina e não da masculina, vindas dos humoristas nas reuniões de jovens, onde ele poucas vezes participou?

A cama de solteiro, onde ele estava tinha um colchão de palha de milho, aqueles que nossos nonnos chamavam PAIÃO. Consistia em um saco de tecido, daqueles fortes e quase impermeáveis, sempre maior que o corpo de uma pessoa, aproximadamente com um padrão de um metro e oitenta. Em sua parte superior, distando uns cinquenta centímetros, uma da outra, duas abertura de quinze centímetros, com o formato de uma vagem ou uma canoa, que para uma imaginação de um homem excitado, trazia ao subconsciente, a lembrança da semelhança com a perseguida. Aquelas aberturas eram destinadas à introdução das palhas de milho e, posteriormente, a facilidade de revolver as mesmas, quando o colchão apresentasse rigidez. Aquelas aberturas, que mais pareciam uma casinha de botões de camisa, só que muito maiores, com o colchão arrumado em seu lugar, observadas por um desesperado, eram até muito sensuais em sua apresentação!

Nosso protagonista observou a abertura do colchão, amais próxima da peseira da cama. Decidiu que aquilo era a sua perseguida. Introduziu na abertura, a sua cabeça pensante. Deitado de barriga para baixo deu inicio ao movimento de erguer e baixar o corpo no movimento vai e volta. Segundos depois, esqueceu onde estava e, que aquilo era um colchão. Não sua consorte em coito. Empolgou-se. Não prestava mais atenção no barulho que fazia!

No outro quarto, os noivos em um momento de silêncio, ouviram o exagerado ruído e gemidos do hóspede. Resolveram ir ver o que acontecia, pois, sabiam de muitos casos onde uma crise de epilepsia podia, em suas convulsões, levar o portador a produzir aqueles barulhos, sejam da cama, ou da voz grave daquele solteirão que balbuciava, com um indescritível romantismo, louvores aos ouvidos do travesseiro, que junto com o colchão, por alguns segundos, quase às duas da madrugada, em um faz de conta delirante com os devaneios inimagináveis, ouviam as mais belas declarações, antes só dirigidas a uma musa.

Chamaram-no! Assustou-se! Inquirido justificou que sonhava correr. Não colou por que o noivo sabia que ele não sonhava produzindo ruídos. Mas... No outro dia foi encontrado naquela cama de solteiro, as provas inacreditáveis. Três anos depois, aquele vigia por uma noite confessou para o noivo, sua absurda, desvairada e inusitada noite de núpcias! 

quinta-feira, 6 de julho de 2017

Uma noite conjecturável


Por Antonio Luiz Carlini

Estava frio, era setembro, muitos já sabiam sobre o Concílio Vaticano II, pois, uns souberam pelo rádio, outros por alguém que leu jornais ou revistas e transmitiu a informação, onde que a normatização da Santa Sé, ao certo seria mais bem explicada pelo Padre quando viesse na Comunidade. Conjecturações sobre o que iria ser, estar em uma MISSA com o Sacerdote lendo ou falando o Ofício Sagrado em Português e não mais em Latim conforme nossos avós estavam acostumados. A Igreja seria totalmente diferente, “pecadores” poderiam ler a Bíblia e realizar cultos substituindo o Padre, diferente da proibição anterior pelos Dogmas Canônicos.

No interior desta casa, mais precisamente no anexo, por dentro da varanda, a cozinha, onde ficava o enorme fogão, este com chapa de ferro contendo seis buracos, diâmetro com dezoito centímetros de raio. Permitindo caber ali, aquela panela de ferro gusa para fazer uma polenta de três litros de fubá. Fogão que passando o dia inteiro aceso, fazia da cozinha, um ambiente aquecido para, pelos menos por umas duas horas, a família, nunca com menos de dez membros, ficar reunida ali, todas as tardes, quando não fosse o dia de rezar o terço, o que era certo, ao menos uma vez por semana. Também contemplava a cozinha, uma enorme mesa de peroba, pesada igual os seus dois bancos, onde em cada lado, cabiam no mínimo nove pessoas.  Foram muitas as “Béstias” jogadas naquela mesa de jantar, onde acomodávamos para ouvir os “Nonno” experientes narrarem histórias. Mencionavam provérbios e suas sempre filosóficas “moral da história”. Fazendo delas, ferramentas didáticas, para uma formação dos filhos, netos, sobrinhos netos da vizinhança, feitos parentes, dada a endogâmica tendência, quando dos matrimônios. O que fazia da comunidade, todos serem parentes.

Naquela noite de segunda feira, lá estava Ângelo Sipolatti, na casa dos primos, Ângelo Scalzer e Augusta Carlini Scalzer. Fazia-se hóspede para pernoite, retornando de Santo Antônio do Canãa, com destino a Alto Caldeirão, onde residia. Consigo pesando sobre o cavalo trouxera algumas armas de fogo e certa quantidade de munição, cujo intuito era negociar, vendendo ou barganhando, com exímia fidelidade ao que tinha sido seu pai Basílio Sipolatti.

Argumentava com entusiasmo, entre um “ANTI DIO” e outro, a importância de toda casa ter ao menos uma garrucha, além das espingardas de caça, pois, sempre havia o perigo de aparecer algum forasteiro querendo lograr perigo à família. O que com um revólver, ou uma garrucha 380, carregada de cartuchos recicláveis, poderia ser prévia defesa em um inoportuno ataque de mau elemento forasteiro, como os que circulavam pelas estradas. Narrava fatos de ocorrências onde uma arma de cano curto já havia evitado assaltos, conquanto outros onde um pai de muitas moças, poderia afugentar um pretenso genro indesejável, tal aqueles mais atrevidos, que se aproximavam das donzelas sem antes falar com os pais das ditas cujas.

Quando fomos para a cozinha, abandonando as BELISCAS, por que um primo adolescente queria ver as armas, estas foram guardadas naquele pacová (picuá, para os italianos) de lona, também feito alforje, pois, não queriam que tais objetos perigosos ficassem sob o olhar das crianças, muito menos dos púberes meninos, atraídos pelo anelo de ostentar posse de uma!

Nonno e Nonna Scalzer tomaram de um tiçãozinho cada e, acenderam seus cachimbos, enquanto o Sipolatti, como bom vendedor, agora tentava lhes vender o cavalo, que já estava em seu pasto, inicialmente para o pernoite, mas que por certa quantia, poderia ser para sempre. Porém, os Scalzer não queriam cavalo, argumentando ser mais útil um burro, pois, servia de montaria, além de cargueiro, quando necessário. Entretanto, um burro e, não uma mula, já que os adolescentes da comunidade poderiam criar historinhas sobre a fêmea de muar, com seus hormônios efervescentes! Muitas gargalhadas sucederam ao comentário, mas nós, infantes inocentes, não entendemos o porquê daquele riso!

 Nonno Ângelo Scalzer, com a palavra, argumenta, perante uma assembleia de crianças e adolescentes curiosos, que uma arma em casa nem sempre evita uma tragédia, se a sorte, junto com o devido treinamento, não for possível de serem colocados em prática... Narrou:

- Lá para as bandas de Vinte e Cinco, quando eu era criança em Nova Valsugana, onde nasci, um dono de terras, muitas terras, morador de uma linda casa de fazenda, com muitos quartos e obviamente, muitas janelas, por muitas vezes, estas ficavam abertas à noite, já que nem sempre havia tempo ou lembrança de fechar todas. Em um daqueles inúmeros quartos, tinha aquele fazendeiro, escrivaninha importada e baú com joias e outros objetos de valor, além de estar sempre ali, quando estivesse em casa, seu alforje contendo sempre muito dinheiro, seja para pagar empregados, seja para aquisição de mais animais ou terras. Porém, aquele quarto era muito longe da cozinha, na qual ele e esposa cuidavam do bebê, enquanto os outros filhos, já dormiam em outros quartos longe daquele da escrivaninha, também depositário das armas da fazenda, inclusive winchester e mosquete, (cravinocci para os italianos) além de revolver e garrucha.  Da cozinha ouviram um barulho lá no quarto dos valores. Ela tomou o bebê nos braços e ele, sem levar lamparina ou lampião, correu corredor adentro, na direção daquele quarto. Chegou até lá e viu um vulto de homem mulato já escalando a janela para fugir. Percebeu não haver tempo de pegar em armas, então agarrou o ladrão pelo meio, para evitar sua fuga, enquanto gritava para a esposa tomar de um revólver e chegar para atirar à queima roupa no invasor que passava o alforje surrupiado para a mão esquerda. Ele mais pesado e com os dedos entrelaçados, com os braços, circundando o abdome do assaltante, o impedia de sair. Da porta, com o bebê no colo, a claridade da janela permitia a mulher ver a cena e o ladrão pedindo aos gritos: - Me largue óchent! Me solte óchent! Me largue, cabra da peste! Ô homi pesado da gôta!  Trinta segundos de terror, para aquela mulher, sucedidos por outros piores, depois que viu seu marido caindo ao chão, aquele vulto saindo pela janela, levando o alforje com o dinheiro e um revolver. Saiu ela correndo, indo buscar o lampião para tentar entender o que se passara.

Na casa dos Scalzer, da janela da cozinha, por onde se alcançava a pia, (foto), por uma fresta entrou uma pequena barata d’água que entrou em minha boca. Esta que estava aberta, pois, olhava eu, para aquele patriarca, com uma expectativa neurótica pelo desfecho da estória. Teve alvoroço no ambiente com meu escândalo para evitar engolir a barata, uma daquelas comuns nos córregos, mas vítima da luz, quando foge dos morcegos em sua tentativa de deslocar-se para mais longe nos córregos em que vivem. Muitos vieram em meu socorro. Ângelo Sipolatti me deu uma tapa nas costas que dói até hoje. Cuspi a barata depois de abrir a porta do lado oposto da casa e, cobrava o fim da narrativa do Tio Nonno Angelim, quando Ida Rochesso, a nora dos Nonno, comentou que uma de suas meninas, havia derramado água onde esteve sentada no chão. Entretanto a menina confessou dizendo que ao final da estória, iria ao quarto trocar a calcinha, porque o líquido no chão não era água, outrossim, emoção com a narrativa... Alguns riram da emoção, enquanto eu cobrava a conclusão, pois, sabia que aos meus oito anos, eu iria para casa passar mais uma noite de pesadelos, só que desta vez, com personagens diferentes, pois, em minha cabeça havia entrado a informação de que algum “cangaceiro”, personagem dos livretos de “Literatura de Cordel”, poderia estar zanzando em nosso Município.  - Exato! Bem pensado! Aos oito anos já tinha lido ao menos quatro impressos da Literatura do Sertão Nordestino! -. Mesmo com medo dos pesadelos, quis o final da estória. Cobrei, outros cobraram. Portanto, aquele ancião calmo, que seria excelente GRIÔ, se vivesse em cidade histórica com turistas. Encantava-nos com seus rodeios e preâmbulos, ilustrando em nossos pensamentos, até a mais fabulosa das possíveis estórias!

- Então, meninos e meninas, a mulher chegou ao quarto com o lampião, enquanto o bebê, deixado lá na cozinha chorava muito alto, ele viu o marido agonizante. Muito sangue no chão do quarto. – Mas como seria possível, se nenhum tiro foi disparado? Entre um e outro grito daquela mulher, a dita cuja ouviu o homem balbuciar suas últimas frases em vida: - Cuide das crianças! Venda tudo e se mude para longe! O ladrão me esfaqueooooou!  Desfaleceu! Fez a passagem, golpeado por uma faca dentro de um quarto onde havia várias armas de fogo!


“Não vos esqueceis, meus filhos, netos e sobrinhos que a melhor arma é a fé, por que armas de fogo servem para atacar o semelhante, mas muito pouco servem, para nos defender do ataque, proveniente de um semelhante desprovido da fé no Ser Supremo!”

quinta-feira, 22 de junho de 2017

Angústia da infância


Por Antonio Luiz Carlini – 04/05/1981

Éramos quatro irmãos, mais mamãe e o repugnante padrasto, totalizando seis pobres naquele lar sobrevivendo com dificuldades, perante a crise econômica atravessada pelo País, depois dos investimentos homéricos e inconsequentes de Juscelino Kubitschek, o que resultou nas confusões contemplando o estúpido Jânio Quadros e o incauto João Goulart. Entretanto já eram mil novecentos e sessenta e cinco e, a agrura com as necessidades inadiáveis, a cada dia, vestir-se e alimentar-se, tornava-se muito mais penoso, onde algumas famílias sobreviveram à fome, até concorrendo com os porcos, no compartilhamento de banana verde, inhame, mandioca, palmito, por que ao menos chovia mais, o que permitia tê-los no caldeirão de ferro para os suínos e para si, no acompanhamento com o feijão e a polenta, estes que raramente faltaram. Porcos e galinhas, vendiam-nos pelo sal, a vestimenta, material didático, açúcar branco caríssimo, quando a rapadura escasseava na entre safra da cana, também ingrediente na alimentação dos animais, quando não ceifada para a produção do açúcar mascavo, -rapadura- que deixava o café ralo, com gosto horrível, enquanto farinha de trigo sempre artigo de luxo, uma vez por ano, na ocasião de Natal e Ano Novo, três meses depois de ter visto um caminhão de cana ir, para só retornar dez litros de cachaça, - tesouro valioso. – A erradicação dos cafezais, foi como se tivéssemos matado a Galinha dos Ovos de Ouro, ou sacrificado a vaca de leite, outra consequência de má gestão do Governo Federal, combatendo com estupidez, a crise do café, demandando seis anos para recuperar seu preço no mercado internacional!

Lembramos bem que algumas famílias de Várzea Alegre e entorno, depois do monopólio das lavras, onde estavam aquelas jazidas de “Águas Marinhas e as Ametistas”, usufruíam de conforto e comodidade, para nos deixar de “queixo caído”, com as regalias a que se premiavam, no que concerne, ter dinheiro e poder comprar tudo o que para nós só aparecia em sonho! Víamos o ônibus da foto ao lado, passar diante de nossa choupana/tapera, trazendo de Colatina ou Santa Teresa, mercadorias de toda a sorte, das quais só usufruiríamos, quando se completasse nossa magreza, tão extrema, que nos permitiria passar pelo buraco da agulha, rumo ao paraíso, onde os adquirentes daquelas mercadorias não passariam com seus Camelos, conforme a Metáfora da Parábola, professada no Evangelho.

Entrementes, aos quatro de setembro daquele ano fatídico como outros tantos, vimos passar diante de nossa humilde moradia, um automóvel azul, uma Mercedes de Luxo. Seguia na direção de Várzea Alegre, com dois ocupantes, lento pela estrada de terra, mas com velocidade a não nos permitir lavar a poeira de sua fuselagem, com nossa saliva, dado o montante desta, que nos escorreu ao ver tão bela preciosidade. Porém, no dia seguinte, a mando de mamãe fui à Sede do Distrito e novamente vi a Mercedes. Fofoqueiros de porta de Bar informavam que o proprietário da máquina, fizera de um quarto da Pensão da Dona Rosa Badke, um escritório para comprar gemas, priorizando águas marinhas. Que ali já realizara muitas aquisições, mas ainda tinha na mala de dinheiro, quantia para comprar todas as terras em torno do Arraial. Não vi dinheiro, apenas os burburinhos sobre aquela inusitada visita, do homem do Rio de Janeiro, onde o carro era licenciado, que apresentava sotaque turco, não desmerecendo ninguém com o desdém comum aos empresários milionários. Depois reconheci que em minha humilde insignificância aos dez anos, conhecera um joalheiro carioca, de origem sírio libanesa, tratando com sutileza e educação, qualquer maltrapilho cidadão. 

Nada de importante para mim, mas muita negatividade para formação de minha personalidade e a de meus colegas de escola, ao vermos as roupas e os sapatos do filho daquele rico, que o acompanhou na viagem ao interior de nosso Estado. Pois, em sua trivialidade, à qual estava acostumado, ostentava de forma natural, roupa e calçado que jamais veríamos, senão em recortes de Revistas.

Imagem daquilo ficou gravada na memória. Veio o dia sete, feriado nacional, no Rio de Janeiro ou noutras cidades, mas não na roça, onde apenas os dias Santos eram feriados. Mais ou menos quinze horas e aquele automóvel apresenta necessidade de completar o Radiador, tendo o homem, o estacionado em frente do acesso à nossa pinguela sobre o Rio Santa Maria do Rio Doce, ainda com muita água e para nossa salvação, piscoso. 

Aquele sírio libanês sugere ao filho: - Dino desce um pouco, pegue pão e seu Grapete* ou crush*, faça um lanche, aproveite a parada e alimente-se! Apesar de gorduchinho, aquele menino de talvez uns treze anos, depois de descer da Mercedes, respondeu: - Pai, não “extou” com fome! Maix vou ali ver se oix peixex dexte rio goixtam de pão! 

Observação: O menino era carioca e eu capixaba do interior, onde prevalecia o dialeto italiano interiorano, ouvindo um carioca pela primeira vez. Notei que o s do paulista ou do mineiro ali era trocado pelo X.

Uma sacola com muitos pães nas mãos, sapatos caros sobre a pinguela e, sem os migalhar, os atirou ao rio, um a um. Contei vinte e cinco arremessos. Depois de ter os olhos esbugalhados vendo aquele tesouro sendo jogado no Rio, que flutuando era levado na direção da cachoeira, me apavorando com o desperdício, tomei da peneira de banar feijão, enquanto ouvia o homem chamar o Dino para prosseguirem. Entrei no rio, já quase às dezesseis horas e pesquei vinte pães franceses encharcados, prestes a submergir. Cheguei em casa com os pães e minha irmã questionou dizendo que eu havia dito serem vinte e cinco. Retornei lá com a peneira e resgatei os cinco que haviam parado mais acima, encostados na “Cataia*” que avançava rio adentro nos períodos de estiagem, onde o rio tinha uma espécie de mini enseada. 

Aquilo foi o nosso MANÁ! Um presente vindo do céu! Pão francês! Farinha de trigo sem misturas, raríssimo lá em casa! Mamãe os colocou em um tabuleiro de assar BROAS de FUBÁ ou as mironhas* de inhame, aipim ou batata doce. No dia seguinte, ou seja, aos oito de setembro de mil novecentos e sessenta e cinco, tivemos pão torrado com café de rapadura em nosso desjejum, repetindo-se no dia nove!


*Cataia= arbusto de folhas dicotiledôneas e hastes longas que crescem nas margens de rios.
*Crusch= Refrigerante daquela época.
*Grapete= Refrigerante contemporâneo ao Crusch
*Mironha= espécie de bolo/broa a partir de farinhas, contemplando tubérculos como aipim, batata ou inhame, em sua receita.

terça-feira, 20 de junho de 2017

O respeito segundo o pátrio poder


Por  Antonio Luiz Carlini

Findava o ano 1947, extenue serenidade na noite de temperatura amena, naquele sábado, mesmo sendo dezembro, quando o calor prevalecia, no nosso amado Vale do Rio Tabocas, talvez uns dois quilômetros distantes da Capela de N.S. Auxiliadora e, idem com a do Sagrado Coração, na Fazenda do Nonno Pierim Rasseli. Fora segundo relataram os avós, um ano de pouca chuva, com muito calor durante o dia e frio durante as madrugadas.

Na residência de um Patriarca italiano, chegaram quarenta, dos cem convidados para um pitoresco baile. Aqueles dos quais, sentem saudades, os que os vivenciaram. Pois, os bailes em residências na área rural, em períodos anteriores a 1975, sempre deixaram saudades em quem os frequentou. Entrementes, muitos primos, vizinhos e eu, íamos a até 35 destes por ano, não nos importando o tempo de caminhada ou cavalgada para chegar até eles, tais como a distância entre Tabocas/Caldeirão e Vinte e Cinco de Julho, onde por três vezes corremos para não apanhar dos xenófobos.

Mas o Patriarca Tabocano, casualmente xará do Nonno Pierim, viu adentrar sua sala, ao menos quinze belas jovens e, dentre elas a que o estimulou na realização do evento. Moças exibindo belos vestidos, alguns muito exóticos ali, por serem a ultima moda pós-guerra, outros modestos, mas também enfeitando as ditas “donzelas”, despercebidas pelo ancião, exceto aquela da família recém-chegada, para como a família dele, ser consorte em uma meia de café noutras fazendas de Tabocas. Esta parecia ter um ímã no corpo, atraindo como pó de minério, os olhos do Piero Anfitrião!

Três sanfoneiros para revezarem-se... Quando o primeiro esboçou cansaço, próximo das 21 horas e outro assumira a animação com outra sanfona. Aquele tocador, meio embebedado como a maioria dos homens ali presentes, naquela hora, somando todos, já eram umas sessenta pessoas. Viu ele que a Sra. Mendes Alvarenga, era a única dama que não dançava. Aparecia sentada a um pesado banco de madeira rústica, numa lateral da sala e resolveu convidá-la, por que com a dança de um xote, o álcool se misturaria, segundo ele, ao sangue. 

Ela que sorvia fumaça de um enorme charuto de palha de milho e fumo artesanal, aceitou a dança, entregando o Cigarro de Palha para um menino de seis anos que a acompanhava, porém, foi para a dança ordenando que o infante não deixasse o seu – PITO - apagar, enquanto ela dançava. Deu-se aí o inicio do primeiro porre daquele Alvarenga, pois, para obedecer a mãe, sorveu fumaça daquilo, tentando manter aceso o pito. Entretanto, antes de terminar aquele xote arrastado, o pobre, magro e barrigudo pequerrucho caiu do banco. Pois, nicotina, alcatrão e sabe-se lá mais o quê, o tonteou, por que lhe criou náuseas e provocou um desmaio, tal uma convulsão epiléptica. O sanfoneiro, preocupado com a saúde do menino quis ir em seu socorro, porém, a Sra. Alvarenga Mendes, obtemperou: -Não se preocupe, ele caiu por que é o primeiro, depois que vomitar, melhora. Vamos terminar a dança!

No intervalo entre músicas irei levo-o lá na fonte e ele melhora! Entrementes, o Sr. Alvarenga, auto- promovido segurança particular, o era muito dedicado ao Garrafão de Cachaça, sobre uma mesa na área de serviço da casa, donde ignorava tudo o que não tinha relação direta com o recipiente, ao qual vigiava e esvaziava, tirando dele o líquido e o guardando no próprio estômago. 

“- Ah! Que saudade daquelas fontes! Água corria livremente, para banho e eteceteras!”

Enquanto isso, Sr. Piero, já com mais de meia dúzia de doses da água que boi não bebe, no seu “cemitério de galinhas” (estômago), ainda mais se interessava pela donzela novata na comunidade! Conseguiu uma dança com ela, depois de convidá-la com o maior respeito, imitando os cavalheiros “gentleman” da corte, pois, aquele pacato cinquentenário, não via que suas três filhas presentes no baile eram apertadas como uvas para o vinho, por que o pacato e tímido agricultor meeiro, ficara lá fora, debaixo da mesa! 

Respeitado, mesmo com aquele bafo e inteligência comprometida pelo álcool, mais e mais ele avançava sobre a moça, apertando-a. Chegou até conseguir ir além da sexta dança, quando um rival mais jovem, mas não anfitrião, fofocou ao pai da moça que ela corria perigo nas mãos do velho lobo! Sim, todas as ações e gentilezas do velho Pietro, a esta altura, já esquecido de Dona Maria e dos nove filhos adultos. Conquanto netos “se correndo” atrás na maior baderna. Atenções voltadas para o cheiro de juventude da bela moça. Confessou posteriormente ter se sentido nas nuvens, ao poder abraçar e apertar aquele corpo com cheiro agradável, mesmo quando do suor dela escorrendo, não pelo esforço com a dança, mas pelo tanto que prendia a respiração enquanto era apertada pelo mal cheiroso ancião.

Foi o pai de ela ter com o casal, quando viu que Piero já exagerava. Sugeriu que ela fosse beber água e ir para o “toillete”. “- Imaginem toillete na área rural em 1947, o que era!” -. A moça foi e, acompanhada da mãe pode desabafar que não mais suportava aquele assédio, tendo inclusive solicitado a permissão para “passar caroço” ou “dar tábua” em Piero. Isto lhe foi negado pelos pais. Pediu para ir embora, retornar a casa e escapar do velho babão. Aquele que em pé na porta da Casa ou sala, aguardava seu retorno, por que já iria ter a próxima dança e, “ele já perigote”, estava que “tava”!

Desta vez, na dança ele foi além, quer seja no aperto daquele corpo jovem, conquanto sua fala no ouvido dela, expressando e revelando suas intenções para com aquela menina. A música parou, ele não a soltou e continuo argumentando quando Dona Maria o puxou avisando que havia mais um lugar vazio lá na manga de porcos, onde ele devia ir. Ele soltou a moça ruborizada, pois, a mesma sabia estar correndo o risco da difamação perante a sociedade, a qual pertencia sua família!

Um pequeno escândalo ocorreu ali, mas como não havia sido desrespeitado o ancião, ficou a moça em risco, conquanto seus pais, haja vista que o respeito pelos mais velhos, especialmente um patriarca e anfitrião, devia ser praticado até as últimas consequências. 

Foram raros, mas quando estes vexames ocorreram, poucos homens foram punidos. Porém, virava alvo de chacotas e fofocas, onde entre um grupinho de rapazes, ao menos um tinha coragem de imitar o berro de um bode ou o rosnar de um porco quando de uma manga com uma fêmea no cio!


O machismo imperou. O respeito ao anfitrião idem. Situação ruim para moças e mulheres, por que recusar uma dança, negando uma solicitação, era falta grave.

segunda-feira, 12 de junho de 2017

Barroso & Marmelo


Por Antônio Luiz Carlini 

Os dois substantivos, por décadas, inicio do século XX, foram usados para denominar nomes de bois que compunham JUNTAS de BOIS. Tendo o cuidado que o de cornos menores fosse o BARROSO. Ainda além destes, apareceram muitos DIAMANTES, BEIJA-FLOR, CANARIO, BEM-TE-VI, RIO BRANCO, ETC. formando dupla com um BARROSO, dentro dos domínios de terras, das Famílias dele, ou descendentes de Giovanni Carlini. 

Entrementes, década mil novecentos e quarenta, João Pedro Carlini, segundo filho homem de João Carlini Filho, neto de Giovanni Carlini, fora mandado para o Serviço Militar Obrigatório, tendo ficado lá na Cidade Grande por mais de um ano. Onde com a convivência e as informações de outro mundo, alhures, em costumes, hábitos, vocábulos e dinâmica muito diferente no modo de falar o Português, já que seu Italiano doméstico, no Exercito era proibido, bem como o alemão, o japonês e por vai.

No exército lhe fora proibido pronunciar CARO para designar veículo, “CARRO”,BARO para designar BARRO, FERERA, para designar o nome do Sargento no comando de seu batalhão, pois, tinha que pronunciar “FERREIRA”. Não podia dizer que os aliados Japão, Itália e Alemanha eram TERÍVEIS, por que para o exército eles eram “TE RR ÍVEIS”. Assim sendo nosso tio, aprendeu que para manter sua face livre das tapas do Sargento, socos de Tenentes, ou cacetadas maiores na solitária, tinha que esquecer seu precioso sotaque e inserir em seu linguajar “suas falas”, aquele modo de falar dos urbanos ou os mestiços de Minas, de quem tinha rido lá na fazenda ao ouvir os migrantes falar:” Terra rruim – terra rocha – carro à óleo, etc. Bem diferente dos ítalos descendentes que diriam: Téra runha – téra roja – cáro di olho- báro bianco- etc. Foi um início difícil, mas como era jovem, aprendeu e passou a falar como os demais brasileiros, embora sentia-se um ítalo e, não um carioca ou mineiro.

Finda a prestação do Serviço Militar. Dispensado, retorna à fazenda. Sabia lá no fundo que um outro recomeço o aguardava, como um aprendizado com o idioma. Não podia, na fazenda, falar como o fez nos últimos meses na cidade. Relatou à Madrasta Serafina Loss Carlini, a quem sem cerimônia, chamava mãe, que estava com muito medo daquela retomada de vida ali em Caldeirão. Pois, temia que na distração pudesse pronunciar algum vocábulo estrangeiro, forasteiro ali e, além da bronca do pai muito severo, ainda arrecadaria apelidos por parte dos irmãos e primos da vizinhança. Ficou muito arredio com os irmãos, primos e vizinhos, para não se trair e falar com o LUXO dos pecadores urbanos!

Vários dias se passaram com ele se policiando no hábito com a língua, evitando com perfeição, pronunciar qualquer vocábulo, com o fonema RR, tal o teve que fazer no exército. Porém, quando se distraiu daquele cuidado, ocorreu em uma tarefa realizada, arando terra, junto com os irmãos Domingos Salvador Carlini e Geraldo Alcebíades Carlini, os dois adolescentes. Aravam terra com O BARROSO e O MARMELO, estes puxando o arado, guiado por João Pedro, Domingos guiando os bois e Geraldo segurando o chicote que estimulava os bois a continuar prosseguindo na obrigação imposta, de seguir o Domingos que segurando uma corda de tiras de couro, chamada laço, presa na cabeça dos bovinos, caminhava no sulco para os bois não se desviarem da linha. 

Fizeram pausa para o café, onde em uma espécie de Pique Nique, beberam e se alimentaram, onde ocorreu uma prosa de muitos minutos. Geraldo deu restolhos de milho para os bois, enquanto ele e Domingos, boquiabertos ouviam de João Pedro coisas da cidade. Tais como os banhos de mar em Copacabana, do calor infernal em São Cristóvão e Realengo. Do esplendor panorâmico possível à visão, uma vez estando no Cristo Redentor no Corcovado. O Brasil poderia melhorar, se todos os planos de Getúlio Vargas se concretizassem, porque com as novas leis, como o Código Penal, o código civil e a Constituição, o Brasil não teria mais, uma Polícia Militar composta de analfabetos ignorantes. Doravante cumprida a lei nos Estados e Municípios, as mulheres poderiam votar, mas o melhor de tudo era o Salário Mínimo Obrigatório, este com poder de compra, para que um trabalhador vivesse com dignidade. Com as novas reformas no sistema monetário, a nova moeda, equiparava-se ao dólar, cujo poder de compra, assustava os países europeus. 

Domingos e Geraldo, com muito menos de vinte anos e tendo sempre vivido ali, tinham ao menos mil perguntas para todas aquelas informações, já que ignoravam quase tudo o que João Pedro dissera. Especialmente aquelas mulheres jovens, mas corajosas de Copacabana, usando apenas um maiô, ao qual teve que descrever em detalhes. Porém, mudou de assunto quando percebeu que a avidez dos dois pelos corpos dentro daqueles maiôs e totalmente fora dos vestidos a que estavam acostumados ver, lhes interessava mais que tudo. Percebeu que a imaginação correra solta na utopia comum aos adolescentes cheios de hormônios fervilhantes!

João Pedro os conclama à retomada do serviço. Movimentam-se para reiniciar o andar dos bois, que naquela parada, mastigando e ruminando entraram em uma espécie de letargia, precisando de estímulos com gritos de ordem e até talvez, chicote para retomar o passo em acompanhar o Domingos que os puxava pelo laço de couro. Bois sonolentos. João Pedro os tange com palavras de ordem. E distraidamente pronuncia aquela frase com o luxo da cidade:

- Vamos lá Marmelo e BARROSO! Aqui tem muita TERRA para arar! Foi o caos para João Pedro! Pois, Barroso ao invés de Baroso e terra ao invés de téra! Os adolescentes ouviram e assistiram os bois virarem-se para trás, como que assustado com aquela língua diferente. 

Domingos soltou a corda, Geraldo soltou o chicote. Perderam as forças com o organismo em gargalhadas! Riam do irmão. Riam muito. Irritado Pedro toma do chicote e os chicoteia, mas não sentia dor, por que em seus relatos posteriores, tentavam descrever a surpresa estampada na cara dos bois, em ver que João Pedro era bilíngue. 

João Pedro reclama com o pai João Carlini filho, que o admoesta, acusando que Domingos e Geraldo deviam chicoteá-lo e não o contrário. Daquela hora em diante, lá no trabalho, depois do incidente, onde ouve intervenção do patriarca, três Carlini eram mudos. Mas em qualquer troca de olhar entre os dois, lá por trás do arado, outro chicote, chicoteava o ar! 

João Pedro teve muito trabalho ameaçando irmãos por meses, já que os dois, impossibilitados de irem à Copacabana verem aqueles maiôs. Como paliativo, provocavam o irmão! 


 Sabendo dessa minha curiosidade, sobre o MODUS VIVENDI, deles quando jovens, meus tios Domingos e Geraldo, relataram a mim, esta passagem de um longo prazo, em que Tio João Pedro foi o pivô e virou vítima da gozação!

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Dag Vulpi

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