Por Marcelo
Fantaccini brito no Trincheiras
Quem lê
cadernos de Economia e Negócios dos jornalões ou periódicos especializados
certamente se deparou com aquelas histórias de países que implementaram
políticas sugeridas por formadores de opinião de direita e que estão tendo
elevadas taxas de crescimento do PIB. Essas histórias são contadas como fábulas
moralistas, como a da cigarra e das formigas.
Entre as
políticas de direita sugeridas estão a redução de impostos e a consequente
redução do gasto público, incluindo o social, a “flexibilização” das leis trabalhistas,
as privatizações, a independência da autoridade monetária e o investimento em
educação voltado ao ensino técnico e às áreas tecnológicas, em detrimento das
humanas, e o fim da gratuidade das universidades públicas.
O que se pode
dizer deste tipo de texto? Bom, …
1. Em algumas, há o cherry
picking de resultados bons. Pega-se o caso de um país que teve políticas
de direita, e selecionam-se apenas os resultados bons para mostrar. E às vezes,
exageram-se os resultados. Um exemplo disso é o México. É um dos poucos países
da América Latina que não entraram na onda populista, como dizem os detratores
desta onda, ou na onda progressista, como dizem os defensores. O México, desde
1988, vem tendo ininterruptamente governos neoliberais, sejam do PRI, sejam do
PAN. Por isso, essa mencionada imprensa tenta vender o México como um caso de
sucesso. Mas nem no PIB isto aconteceu. De 1988 até hoje, o PIB per capita
mexicano cresceu aproximadamente 1,5% ao ano. Não é ruim, mas está longe de ser
um desempenho espetacular.
2. Em algumas, há o cherry
picking de políticas de direita. O Chile, país latino americano com os
melhores indicadores econômicos e sociais, é apontado como um modelo de país
que teria rejeitado o big government. É feito um cherry picking para
ignorar que o Chile só começou a prosperar depois que as políticas radicais dos
Chicago Boys aplicadas nos anos 1970 foram abandonadas nos anos 1980. Que o
Chile foi pragmático suficiente a ponto de manter um controle de capitais. E
que a carga tributária do Chile é apenas aparentemente baixa. Se forem
considerados não apenas impostos, mas também a receita da atividade estatal de
exploração de cobre, a carga tributária do Chile não é baixa.
3. Muitas vezes, é verdade
mesmo. As políticas sugeridas pelas organizações que representam o capital são
mesmo responsáveis por taxas mais elevadas de crescimento do PIB e taxas mais
baixas de desemprego.
Quer dizer que essas
políticas devem ser feitas? Não! Em primeiro lugar, por causa do motivo que
mais gente conhece: PIB não é tudo. Se o crescimento é feito de forma
concentrada, poucas pessoas se beneficiam. E mesmo se o crescimento por
difundido, permitindo todos consumirem mais, não há necessariamente aumento de
qualidade de vida. As pessoas podem comprar mais carros, mas morar em cidades
mais congestionadas e poluídas. O país pode ter desemprego baixo, mas um
emprego muito precário, pior do que a vida com seguro desemprego em outros
países.
Mas este texto destaca o
segundo motivo pelo qual as políticas de direita não são recomendáveis: se um
país implementar individualmente as políticas da direita, sua economia terá
vantagem em comparação com a de outros países. Mas se todos os países
implementarem as políticas de direita, o resultado não será melhor do que se
nenhum implementar. Trata-se de um típico “dilema dos prisioneiros” (quem não
está familiarizado com o termo, clique aqui para
entender melhor), abordado pela Teoria dos Jogos.
A tabela a seguir mostra um
exemplo com dois países, A e B. Cada um deles tem a opção de implementar ou não
as políticas de direita. No lado esquerdo dos parênteses, está o ganho obtido
pelo país A. No lado direito dos parênteses, está o ganho obtido pelo país B.
País A / País B
|
Implementa
|
Não implementa
|
Implementa
|
(1,1)
|
(3,0)
|
Não implementa
|
(0,3)
|
(2,2)
|
Ou seja, independentemente da
decisão do outro país, implementar é vantajoso. Mas se os dois não
implementarem, o resultado será melhor do que se implementarem. Esta situação
pode até ser ilustrada por uma anedota em que havia dois caipiras andando na roça,
quando um deles viu um cocô de vaca no chão e falou “aposta 100 reais que eu
como um pouco da merda?”, o outro concordou. O caipira que propôs cumpriu a
promessa e ganhou 100 reais. O outro, para não ficar no prejuízo, propôs a
mesma aposta, cumpriu e ganhou os 100 reais de volta. Aí um deles concluiu “cê
repareu que comemos merda de graça?”.
Como isto ocorre na prática?
Se um país cobra impostos
muito elevados dos ricos, eles se mudam para outro país. Se um país deseja
manter uma grande rede de proteção social, necessita de impostos. E se não pode
cobrar impostos altos de renda e patrimônio pelo motivo anteriormente
mencionado, tem que optar pelo imposto sobre circulação de mercadorias. Aí
surge outro problema: encarece seus produtos em comparação com os estrangeiros.
Se um país tem sindicatos fortes e uma legislação que protege muito os
trabalhadores, as empresas procuram investir em outro país. Além disso, os
custos mais altos do trabalho gerados também encarecem seus produtos em
comparação com os estrangeiros. O mesmo ocorre se um país tem uma legislação
ambiental muito rígida. E se um país oferece vagas gratuitas nas universidades,
suas universidades serão mais pobres e não se posicionarão muito bem em
rankings internacionais. Se um país investe dinheiro em ciências sociais e
filosofia, fica tecnologicamente “para trás” em comparação com o país que
investe mais em engenharias e em ensino técnico.
O que ocorreria se o mundo
tivesse um único governo? Cobrar uma alíquota marginal de imposto de renda
próxima de 100% para rendas muito elevadas continuaria sendo problemático
porque desestimularia a geração de renda e a poupança. Mas uma alíquota
marginal de 70% para rendas anuais superiores a um milhão de dólares seria
perfeitamente possível. Os países desenvolvidos têm alíquota marginal máxima de
imposto de renda por volta de 45%. Países são desestimulados a individualmente
elevar a alíquota máxima de imposto de renda para mais de 50% não pelo risco
desestimular o trabalho dos milionários, mas sim pelo risco de gerar êxodo de
milionários. O progresso técnico, com o decorrente aumento de produtividade,
permitiria diminuir a jornada de trabalho. Seria o lema “trabalhar menos para
todos trabalharem”. Mas o que ocorre é que quando um país tenta individualmente
reduzir a jornada para um patamar inferior ao de 40 horas semanais, o
desemprego aumenta ao invés de diminuir, porque o custo do trabalho se torna
maior. É difícil para um país individualmente utilizar políticas fiscal e
monetária expansionistas para combater uma recessão, porque grande parte da
demanda estimulada é direcionada para produtos importados. Quando líderes
socialistas chegam ao poder, como ocorreu na França em 2012 e na Grécia em
2015, eles são obrigados a recuar, porque não têm margem para fazer políticas
progressistas sozinhos. Há uma guerra fiscal internacional, uma race to
the bottom. O “socialismo em um só país” é difícil de ser implementado não
apenas em sua versão marxista-leninista, mas até mesmo em sua versão social
democrata, como se pode ver na França, na Grécia e até mesmo no Brasil.
Se houvesse um único governo,
não haveria a competição entre governos para precarizar seus mercados de
trabalho nacionais, visando atrair empresas através do custo baixo do trabalho,
e colocar mercadorias baratas no mercado mundial. O mesmo se aplica para
legislação ambiental. Se não houvesse a competição internacional, o
investimento em ensino superior poderia ser balanceado entre os objetivos de
tornar a sociedade mais culta, aumentar a tecnologia, tornar o ensino acessível
a quem estivesse mais interessado e dedicado, independente de origem social. O
investimento poderia ser balanceado entre tecnologia, ciências naturais e
ciências sociais. Com a competição internacional, os países preferem dar
enfoque à tecnologia, ao conhecimento aplicado naquilo que pode virar novos
produtos comercializáveis e novos processos produtivos, em detrimento da
pesquisa básica em ciências naturais, e das ciências sociais. Progresso
tecnológico é muito bom. Mas é questionável os governos alegarem que não podem
investir muito em sociologia, antropologia, história e filosofia porque precisa
aplicar os recursos escassos em áreas que permitam produzir telefones celulares
e lap tops cada vez mais sofisticados. Não precisamos de toda essa
sofisticação. O lap top que estou usando para escrever este texto não é de
última geração, e mesmo se fosse mais antiquado do que realmente é, seria útil
para esta tarefa do mesmo jeito. Mas nós não podemos ficar para trás em
tecnologia…
A mistificação das políticas
de direita ganhou força com a contra-revolução conservadora que ocorreu na
década de 1980 no Reino Unido, com Margaret Thatcher, e nos Estados Unidos, com
Ronald Reagan. Outros países desenvolvidos também tiveram governos de direita
no período, mas as mudanças não foram impactantes. As duas potências
anglo-saxãs tinham, no imediato pós-guerra (1945-1980), alíquotas superiores de
imposto de renda maiores do que as dos países europeus continentais. A
concentração de renda dos Estados Unidos e do Reino Unido era semelhante à da
França e da República Federal da Alemanha. Depois da guinada da década de 1980,
os Estados Unidos e o Reino Unido passaram a ter alíquota máxima de imposto de
renda inferior à dos países europeus continentais, mesmo tendo a destes
decrescido também. Os anglo-saxões também tiveram crescimento da concentração
de renda, enquanto esta variável permaneceu razoavelmente estável na Europa
Continental. O Reino Unido ainda fez um grande programa de privatizações. Os
Estados Unidos já não tinham muito o que privatizar. Entre 1945 e 1980, os
Estados Unidos e o Reino Unido tinham as mais baixas taxas de crescimento do
PIB entre os países desenvolvidos. A partir de 1980, passaram a ter taxas de
crescimento do PIB acima da média dos países desenvolvidos. A guinada
conservadora foi vista por alguns como a responsável pela recuperação do mundo
anglo-saxão.
Mas isto deve ser visto com
cautela. Os Estados Unidos tiveram taxas de crescimento do PIB mais elevadas,
mas também tiveram crescimento populacional mais elevado. Considerando o PIB
per capita, os Estados Unidos tiveram entre 1980 e 2014 um crescimento anual
médio de 1,7%. O Reino Unido, teve 1,9%. A França teve 1,3%, A Itália teve
0,9%. A Alemanha teve 1,5%. A Suécia teve 1,7%. A Finlândia teve 1,6%. Ou seja,
a diferença de crescimento dos anglo-saxões com alguns europeus continentais
nem tão grande assim foram. E parte do crescimento superior dos anglo-saxões
foi causada por crescimento do número de horas trabalhadas, e não por
crescimento de produtividade. Ou seja, a população aumenta o consumo, mas
também aumenta o trabalho. Ganha qualidade de vida por um lado, mas perde em
outro.
Mas ainda assim, continua
sendo verdade a afirmação de que antes da contra-revolução conservadora, os
Estados Unidos e o Reino Unido tinham taxas de crescimento do PIB per capita
inferiores à da média dos países desenvolvidos, e depois passaram a ter taxas
superiores. Porém, os dois anglo-saxões não tiveram taxas de crescimento
superiores depois de 1980 do que antes dessa data. Foram os outros países
desenvolvidos que tiveram declínio do crescimento.
Na América Latina, os good
boys dos conservadores são o México, a Colômbia, o Peru e o Chile. Os problemas
de mencionar o México e o Chile já foram mencionados no início do texto. As
monarquias árabes são as favoritas dos conservadores. Na Europa da década de
2000, a Alemanha entrou na onda conservadora, primeiro com o social democrata
Gehrard Schröder e depois com a democrata cristã Angela Merkel. Houve uma
política de austeridade fiscal, mantida mesmo com inflação próxima de zero, e
políticas deliberadas para reduzir salários. O resultado é que o desemprego
caiu e o PIB, estagnado nos anos 1990, voltou a crescer. Isto ocorreu em
detrimento de países do sul da Europa, que tiveram que passar por recessão
muito grande para poder ter custos baixos de trabalho iguais aos da Alemanha.
Mesmo para a Alemanha, é possível criticar estes “efeitos positivos”. O
desemprego foi trocado por emprego pouco protegido para alguns trabalhadores. A
concentração de renda na Alemanha, que já foi uma das mais baixas do mundo, vem
aumentando.
Entre 1945 e 1980, os países
desenvolvidos tiveram políticas que hoje seriam consideradas de esquerda, mas
que naquele tempo em que o capitalismo precisava mostrar que poderia ser melhor
para os trabalhadores do que o comunismo, tanto esquerda, quanto direita
aceitavam. Entre estas políticas, se incluem a elevação do salário mínimo
acompanhando a elevação da produtividade, a elevada taxa de sindicalização, o
controle do fluxo de capitais, o uso de políticas anticíclicas de
estabilização, e um elevado imposto de renda para os muito ricos. E foi o
período em que os países desenvolvidos tiveram o maior crescimento do PIB per
capita de sua história. Não é possível atribuir tudo à reconstrução do
pós-guerra, porque este crescimento elevado prosseguiu para além do tempo da
reconstrução. Só terminou em 1974, com o primeiro choque do petróleo. Foi
possível conciliar crescimento acelerado com políticas não concentradoras de
renda, porque todos os países fizeram isso junto.
Como resolver este problema e
tornar possível ocorrer novamente no mundo o que ocorreu com os países
desenvolvidos entre 1945 e 1973? Como parar de comer cocô de graça?
Um governo mundial seria uma
ideia irrealista. Mas poderíamos pensar em uma coordenação internacional para
implementar políticas progressistas. Se já existe coordenação para diminuir
barreiras comerciais, via OMC e acordos regionais, poderia haver uma
coordenação para ser criado um piso de imposto de renda. Poderia ser combinado,
por exemplo, que nenhum país poderia ter alíquota marginal de imposto de renda
menor do que 60% para rendas superiores a dois milhões de dólares por ano.
Assim, seria impossível os milionários procurarem país que cobra imposto baixo.
Poderia haver um piso de legislação trabalhista. Nenhum país poderia ter um
mercado de trabalho mais “flexível” do que o permitido pelo piso. Assim, as
empresas não poderiam mais procurar países com mercado de trabalho mais precário.
O mesmo valeria para legislação ambiental. Em caso de desaceleração econômica
mundial, poderiam ser feitas políticas expansionistas coordenadas, uma vez que
políticas expansionistas individuais, como ocorreram no Brasil entre 2010 e
2014, são inócuas. Desde 2008, o mundo tem superprodução industrial e falta de
demanda para o que é produzido.
Observação: mesmo eu tendo
concordado que com uma economia global e com estados nacionais agindo sem
coordenação, políticas conservadoras podem sim ser melhores para o crescimento,
mais uma ressalva, além das apresentadas no texto, deve ser feita. O Brasil tem
uma economia patinando há seis anos. É comum ver na grande mídia os pundits
dizerem que isto ocorre porque o Brasil é um país social democrata demais. Isto
é cherry picking. É verdade que o Brasil tem um gasto em educação, saúde,
previdência e transferência de renda como proporção do PIB maior do que o de
países com PIB per capita semelhante. Mas o Brasil também tem um sistema
tributário composto em sua maior parte por impostos sobre consumo, que pesam
mais no bolso do pobre, como os conservadores desejam. A alíquota marginal
máxima de imposto de renda de pessoa física, de 27,5%, é uma das mais baixas do
mundo, inferior não apenas à de países desenvolvidos, como inferior à do Chile
também. O salário mínimo do Brasil é bem menor do que o salário médio, ou seja,
há pouca regulação governamental sobre fixação de salários. O atual salário
mínimo brasileiro equivale a aproximadamente um euro por hora. O atual salário mínimo
francês é de onze euros por hora. E a França tem PIB per capita que é apenas
três vezes o do Brasil. Uma parcela não desprezível dos brasileiros utiliza
serviços privados de educação e saúde (o autor deste texto inclusive). O
Imposto de Renda até incentiva. Em poucas palavras: o Brasil tem muitas coisas
que conservadores gostam, e mesmo assim não tem economia bombando.