terça-feira, 25 de abril de 2017

A mídia molda a opinião pública e o chicote molda o asno



Por Dag Vulpi 25/04/2017

O uso de analogia para ilustrar minhas ideias e conceitos mostrou-se eficaz na colaboração para o discernimento dos temas propostos, fator que me motiva a mais uma vez valer-me desta metodologia. E mais uma vez, eu convido o amigo leitor a me acompanhar. Garantindo-lhe que, chegando ao ponto derradeiro desse texto, restarão apenas duas possibilidades: estaremos de acordo, e nesse caso, nossas expectativas convergirão para um único ponto; ou, as nossas opiniões serão diversas, e nesse caso, posso garantir-lhe que, caso seja do seu interesse, poderemos estendê-lo para o espaço democrático dos comentários, o que por certo renderá um bom debate.

Há um punhado de anos passados, quando a energia elétrica e o açúcar cristal, apesar de existirem há séculos, não chegavam aos inacessíveis interiores desse Brasil varonil, meu tio-avô, apesar de contar com um belo patrimônio, era um dos privados desses “luxos”. Mas como um bom e legítimo ítalo-brasileiro, virava-se como podia.

Para adoçar o café de cada dia, meu tio-avô produzia a própria rapadura que era adquirida depois de moer a cana de açúcar e ferver o caldo até que aquele chegasse ao ponto desejado e essencial de fervura, para então conseguir uma rapadura de qualidade. Ocorre que devido à falta de energia elétrica, a única forma de moer a cana era no engenho e através de força motora animal, que no caso, meu tio usava um asno. O asno ficou girando em sentido horário e circular durante anos. No início, era preciso certo incentivo para que o animal fizesse o tal movimento circular; no caso, meu tio usava um chicote. Era só o bicho parar que o chicote estalava no lombo do coitado. Passados alguns dias, bastava meu tio estalar o chicote ao vento para que o animal se empenhasse ainda mais no seu “trabalho”. Depois de mais alguns dias, nem era mais preciso estalar o chicote ao vento; bastava prender o coitado às suas amarras que ele disparava a andar em círculo, só parando de vez em quando para beber um gole d’água ou comer uma espiga de milho.

Passaram-se anos até que finalmente o comerciante mais próximo, que estava a mais de 50 km de distância percorridos numa estrada de terra esburacada, passou a comercializar açúcar cristal. Não demorou para o meu tio-avô perceber que já não fazia sentido produzir tanta rapadura; bastava uma pequena quantidade para fazer os doces, e sem a rapadura seria impossível fabricá-los. Foi aí que ele percebeu que o asno já não seria tão necessário, afinal, produziria uma quantidade muito pequena de rapadura, bastando moer uma pequena quantidade de cana a cada seis meses.

O meu tio-avô resolveu então promover o asno de "engenheiro" para arador, pois ele movimentava o engenho, agora precisando puxar o arado para remover a terra e facilitar a germinação das sementes. No entanto, o asno, quando "engenheiro", precisava andar em círculos e em sentido horário. Agora, com sua nova função, era imprescindível que ele caminhasse em linha reta. Como podem imaginar, por mais que meu tio-avô açoitasse o lombo do infeliz, ele se esforçava mais para andar em círculos e em sentido horário. Assim se seguiu, até que uma das partes desistiu de insistir, felizmente, nesse caso, foi meu tio.

Muito bem, caríssimos leitores. A analogia que proponho hoje está relacionada à mídia e sua influência na formação da opinião pública. Usando o personagem principal da história supracitada, nosso querido asno, e guardadas as devidas proporções, o cidadão brasileiro comum. Durante anos, teve como única fonte de informação o telejornalismo de uma rede de televisão que alcança praticamente 100% do território nacional. Assim como meu tio fez com o asno, essa emissora incutiu diuturnamente nos telespectadores a ideia de informar a verdade com imparcialidade, sem indução ou subterfúgios.

Dessarte, podemos dissertar sobre a influência dos meios de comunicação na formação da opinião pública. A opinião pública expressa as opiniões do público sobre temas de interesse comum, diferenciando-se da opinião publicada, que é a apresentação pública da opinião. Essa distinção foi feita pela primeira vez por Allport (1937) no texto "Toward a Science of Public Opinion", afirmando que tratar opinião pública e publicada como sendo a mesma coisa é uma falácia.

A mídia é um mecanismo de reprodução social que influencia diretamente na formação da opinião pública, legitimando as diversas formas de dominação. Bourdieu e Passeron (1975) desenvolveram conceitos específicos, retirando os fatores econômicos do epicentro das análises da sociedade, e defenderam a não arbitrariedade da produção simbólica na vida social, advertindo para seu caráter efetivamente legitimador das forças dominantes, que se expressam por meio de gostos de classe e estilos de vida, gerando aquilo que ele reconhece como distinção social.

Em meados de 1950, os pensadores da Escola de Frankfurt atribuíram ao então nascente "mundo-mídia" um poder totalizante. Ao longo dessas décadas, o conceito de comunicação foi se transmutando até chegar hoje ao que Albino Rubim, em 2005, define como um conjunto de meios diferentes, cada vez mais refinados tecnologicamente.

Mídia não é tão somente o aparato tecnológico. Há que se compreender mídia como associação de um suporte tecnológico, uma linguagem adequada e uma estratégia de ação precisa e clara (SANTARENO, 2007).

Na década de 1980, o conceito de opinião pública era diversificado, não existindo um consenso nas Ciências Sociais, tanto em relação ao conceito quanto à sua formação. A teoria mais conhecida é a que procura explicar o processo de formação da opinião pública por meio do modelo cascata.

Para Lima (2005), o modelo cascata explica a formação da opinião pública como "resultado de um fluxo linear de informações do topo da pirâmide social até as ditas classes populares".

Às lideranças das elites sociais resta emitir suas opiniões, através dos meios de comunicação, para que as massas ignorantes as absorvam como suas novas verdades. Segundo essa proposta, a opinião pública se formaria a partir de pequenos grupos, situados no topo da pirâmide social, e depois viria "descendo", por degraus, até a base da pirâmide. No primeiro degrau dessa "cascata", estaria o pequeno grupo das elites econômicas e sociais; no segundo grupo, estariam o das elites políticas e, no terceiro, a mídia, seguida pelos chamados formadores de opinião – intelectuais, religiosos, artistas, educadores, líderes empresariais e sindicais, jornalistas – e, finalmente, no último degrau, a grande maioria que constitui a base da população.

Na maioria das vezes, "a literatura elitista apresenta a opinião pública como o resultado de uma série de processos sociais, nos quais há uma interação muito grande de elementos emocionais e manipulativos" (Lippmann, 1997), aliados "à pouca racionalidade" (Le Bon, 1999). No entanto, ao ser considerada um fator relevante para o funcionamento da democracia, a opinião pública foi conceituada por Bobbio (1998) como "pública" em um duplo sentido. Primeiro, "porque ela surge do debate público" e, segundo, "porque seu objeto é qualquer coisa", desde que seja de domínio público. Sendo assim, a opinião pública, para ele, é: (...) uma opinião sobre assuntos que dizem respeito à nação ou a outro agregado social, expressa de maneira livre por homens que estão fora do governo, mas que reclamam o direito de que suas opiniões possam influenciar ou determinar ações governamentais (Bobbio, 1998).

No debate atual sobre a opinião pública, o desempenho dos líderes de opinião reforça a ideia de uma inter-relação entre os meios de comunicação, os indivíduos portadores de características exemplares e o próprio público. É essa complexa relação que possibilita o fornecimento de informações à opinião pública.

Uma questão bastante relevante é a fonte que, em qualquer situação de persuasão, seja ela a mídia ou outro indivíduo em uma relação pessoal, "sempre tenta persuadir alguém a adotar determinada posição" (Lane e Sears, 1964). Nesse sentido, seria muito arriscado para a elite política tomar como princípio de sua atuação o atendimento à opinião pública, visto que ela pode ser, através de instrumentos específicos, manipulada para atender a determinados interesses que não são os do bem comum (Lippmann, 1997).

"Há uma proporção muito importante de pessoas que não leem nenhum jornal, que estão dedicadas de corpo e alma à televisão como fonte única de informações" (BOURDIEU, 1983).

Os jornalistas selecionaram categorias de percepção de acordo com suas respectivas visões de mundo. A categoria metafórica utilizada é a dos óculos, fruto da educação histórica deles, porque é "a partir dos quais veem certas coisas e não outras, e veem de certa maneira as coisas que veem. Eles operam uma seleção e uma construção do que é selecionado" (BOURDIEU, 1997).

A TV, segundo Bourdieu, de instrumento de registro torna-se um instrumento de criação de realidade, e assim, caminha-se "cada vez mais rumo a universos em que o mundo social é descrito e prescrito pela TV" (BOURDIEU, 1997). Para Flaubert, apud Bourdieu (1979), o "mundo são ideias aceitas por todo mundo", banais, convencionais comuns, ao ponto que quando aceitas, o problema da recepção não se coloca.

Portanto, é inegável que a mídia é a grande influenciadora na formação de opinião pública. No entanto, cabe aos receptores das informações a capacidade de discernir entre o que é verdade e o que é manipulação. Caso não haja esse discernimento, o cidadão estará, assim como o asno, fadado a andar eternamente em círculos, fazendo o errado com a convicção de que está fazendo a coisa certa.

Não aceite passivamente que o "açoite" recebido antes, influencie nas suas decisões presentes. Por mais que esteja convicto de que o certo é andar em círculos, considere a possibilidade de andar em linha reta, ou para a esquerda ou direita se necessário.

6 comentários:

  1. Estou ficando fã de seus artigos. Gosto muito do que escreves. O contexto geral lembra muito o mito da caverna, uma bela metáfora de Platão que poderia se aplicar aqui.

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    1. Agradeço sua visita e o prestigio que me concedes ao ser um de meus leitores meu caro Waldeck José . Sua proposta de usar o mito da caverna de Platão é muito pertinente e se aplica perfeitamente ao contexto aqui proposto.

      Fraternal abraço

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  2. Hoje os burricos dão voltas hora a direita e hora a esquerda, não conseguem seguir linha reta e vislumbrar os horizontes. Fui infeliz quando sugeri ler os estudo da semiótica, os burricos preferem o açoite para poderem manter sua rotina dando voltas sem sair do lugar. Difícil Dagmar. Aqui no Brasil a mídia é um braço do Estado não a toa é chamado de quarto poder. Ainda comem somente do que dão.

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    1. Boa tarde, meu caro (02).

      Agradeço sua visita ao meu blog e sua participação neste espaço democrático. Seu opinião foi muito importante e coaduna com nossa perspectiva sobre o tema.

      Fico no aguardo de novas visitas e participações.

      Fraterno abraço

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  3. AMIGO DAGMAR , PERDOE-ME PELO COMENTÁRIO MAS , DEPENDENDO DO CASO E DA QUALIDADE DA NOTÍCIA , ESTA TAMBÉM MOLDA O ASNO.

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    1. Boa tarde, meu caro amigo Márcio Peixoto.

      Agradeço sua visita e participação, este é um prestígio que muito me envaidece.

      A ideia do meu texto é o de despertar nos leitores exatamente esse pensamento meu caro. O asno e o engenho foram análogos, fico feliz por perceber que meu texto atingiu seus objetivos.

      Fraterno abraço e no aguardo de novas participações.

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Dag Vulpi

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