terça-feira, 20 de junho de 2017

O respeito segundo o pátrio poder


Por  Antonio Luiz Carlini

Findava o ano 1947, extenue serenidade na noite de temperatura amena, naquele sábado, mesmo sendo dezembro, quando o calor prevalecia, no nosso amado Vale do Rio Tabocas, talvez uns dois quilômetros distantes da Capela de N.S. Auxiliadora e, idem com a do Sagrado Coração, na Fazenda do Nonno Pierim Rasseli. Fora segundo relataram os avós, um ano de pouca chuva, com muito calor durante o dia e frio durante as madrugadas.

Na residência de um Patriarca italiano, chegaram quarenta, dos cem convidados para um pitoresco baile. Aqueles dos quais, sentem saudades, os que os vivenciaram. Pois, os bailes em residências na área rural, em períodos anteriores a 1975, sempre deixaram saudades em quem os frequentou. Entrementes, muitos primos, vizinhos e eu, íamos a até 35 destes por ano, não nos importando o tempo de caminhada ou cavalgada para chegar até eles, tais como a distância entre Tabocas/Caldeirão e Vinte e Cinco de Julho, onde por três vezes corremos para não apanhar dos xenófobos.

Mas o Patriarca Tabocano, casualmente xará do Nonno Pierim, viu adentrar sua sala, ao menos quinze belas jovens e, dentre elas a que o estimulou na realização do evento. Moças exibindo belos vestidos, alguns muito exóticos ali, por serem a ultima moda pós-guerra, outros modestos, mas também enfeitando as ditas “donzelas”, despercebidas pelo ancião, exceto aquela da família recém-chegada, para como a família dele, ser consorte em uma meia de café noutras fazendas de Tabocas. Esta parecia ter um ímã no corpo, atraindo como pó de minério, os olhos do Piero Anfitrião!

Três sanfoneiros para revezarem-se... Quando o primeiro esboçou cansaço, próximo das 21 horas e outro assumira a animação com outra sanfona. Aquele tocador, meio embebedado como a maioria dos homens ali presentes, naquela hora, somando todos, já eram umas sessenta pessoas. Viu ele que a Sra. Mendes Alvarenga, era a única dama que não dançava. Aparecia sentada a um pesado banco de madeira rústica, numa lateral da sala e resolveu convidá-la, por que com a dança de um xote, o álcool se misturaria, segundo ele, ao sangue. 

Ela que sorvia fumaça de um enorme charuto de palha de milho e fumo artesanal, aceitou a dança, entregando o Cigarro de Palha para um menino de seis anos que a acompanhava, porém, foi para a dança ordenando que o infante não deixasse o seu – PITO - apagar, enquanto ela dançava. Deu-se aí o inicio do primeiro porre daquele Alvarenga, pois, para obedecer a mãe, sorveu fumaça daquilo, tentando manter aceso o pito. Entretanto, antes de terminar aquele xote arrastado, o pobre, magro e barrigudo pequerrucho caiu do banco. Pois, nicotina, alcatrão e sabe-se lá mais o quê, o tonteou, por que lhe criou náuseas e provocou um desmaio, tal uma convulsão epiléptica. O sanfoneiro, preocupado com a saúde do menino quis ir em seu socorro, porém, a Sra. Alvarenga Mendes, obtemperou: -Não se preocupe, ele caiu por que é o primeiro, depois que vomitar, melhora. Vamos terminar a dança!

No intervalo entre músicas irei levo-o lá na fonte e ele melhora! Entrementes, o Sr. Alvarenga, auto- promovido segurança particular, o era muito dedicado ao Garrafão de Cachaça, sobre uma mesa na área de serviço da casa, donde ignorava tudo o que não tinha relação direta com o recipiente, ao qual vigiava e esvaziava, tirando dele o líquido e o guardando no próprio estômago. 

“- Ah! Que saudade daquelas fontes! Água corria livremente, para banho e eteceteras!”

Enquanto isso, Sr. Piero, já com mais de meia dúzia de doses da água que boi não bebe, no seu “cemitério de galinhas” (estômago), ainda mais se interessava pela donzela novata na comunidade! Conseguiu uma dança com ela, depois de convidá-la com o maior respeito, imitando os cavalheiros “gentleman” da corte, pois, aquele pacato cinquentenário, não via que suas três filhas presentes no baile eram apertadas como uvas para o vinho, por que o pacato e tímido agricultor meeiro, ficara lá fora, debaixo da mesa! 

Respeitado, mesmo com aquele bafo e inteligência comprometida pelo álcool, mais e mais ele avançava sobre a moça, apertando-a. Chegou até conseguir ir além da sexta dança, quando um rival mais jovem, mas não anfitrião, fofocou ao pai da moça que ela corria perigo nas mãos do velho lobo! Sim, todas as ações e gentilezas do velho Pietro, a esta altura, já esquecido de Dona Maria e dos nove filhos adultos. Conquanto netos “se correndo” atrás na maior baderna. Atenções voltadas para o cheiro de juventude da bela moça. Confessou posteriormente ter se sentido nas nuvens, ao poder abraçar e apertar aquele corpo com cheiro agradável, mesmo quando do suor dela escorrendo, não pelo esforço com a dança, mas pelo tanto que prendia a respiração enquanto era apertada pelo mal cheiroso ancião.

Foi o pai de ela ter com o casal, quando viu que Piero já exagerava. Sugeriu que ela fosse beber água e ir para o “toillete”. “- Imaginem toillete na área rural em 1947, o que era!” -. A moça foi e, acompanhada da mãe pode desabafar que não mais suportava aquele assédio, tendo inclusive solicitado a permissão para “passar caroço” ou “dar tábua” em Piero. Isto lhe foi negado pelos pais. Pediu para ir embora, retornar a casa e escapar do velho babão. Aquele que em pé na porta da Casa ou sala, aguardava seu retorno, por que já iria ter a próxima dança e, “ele já perigote”, estava que “tava”!

Desta vez, na dança ele foi além, quer seja no aperto daquele corpo jovem, conquanto sua fala no ouvido dela, expressando e revelando suas intenções para com aquela menina. A música parou, ele não a soltou e continuo argumentando quando Dona Maria o puxou avisando que havia mais um lugar vazio lá na manga de porcos, onde ele devia ir. Ele soltou a moça ruborizada, pois, a mesma sabia estar correndo o risco da difamação perante a sociedade, a qual pertencia sua família!

Um pequeno escândalo ocorreu ali, mas como não havia sido desrespeitado o ancião, ficou a moça em risco, conquanto seus pais, haja vista que o respeito pelos mais velhos, especialmente um patriarca e anfitrião, devia ser praticado até as últimas consequências. 

Foram raros, mas quando estes vexames ocorreram, poucos homens foram punidos. Porém, virava alvo de chacotas e fofocas, onde entre um grupinho de rapazes, ao menos um tinha coragem de imitar o berro de um bode ou o rosnar de um porco quando de uma manga com uma fêmea no cio!


O machismo imperou. O respeito ao anfitrião idem. Situação ruim para moças e mulheres, por que recusar uma dança, negando uma solicitação, era falta grave.

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Dag Vulpi

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