Por
Antonio Luiz Carlini
Estava
frio, era setembro, muitos já sabiam sobre o Concílio Vaticano II, pois, uns
souberam pelo rádio, outros por alguém que leu jornais ou revistas e transmitiu
a informação, onde que a normatização da Santa Sé, ao certo seria mais bem
explicada pelo Padre quando viesse na Comunidade. Conjecturações sobre o que
iria ser, estar em uma MISSA com o Sacerdote lendo ou falando o Ofício Sagrado
em Português e não mais em Latim conforme nossos avós estavam acostumados. A
Igreja seria totalmente diferente, “pecadores” poderiam ler a Bíblia e realizar
cultos substituindo o Padre, diferente da proibição anterior pelos Dogmas
Canônicos.
No
interior desta casa, mais precisamente no anexo, por dentro da varanda, a
cozinha, onde ficava o enorme fogão, este com chapa de ferro contendo seis
buracos, diâmetro com dezoito centímetros de raio. Permitindo caber ali, aquela
panela de ferro gusa para fazer uma polenta de três litros de fubá. Fogão que
passando o dia inteiro aceso, fazia da cozinha, um ambiente aquecido para,
pelos menos por umas duas horas, a família, nunca com menos de dez membros,
ficar reunida ali, todas as tardes, quando não fosse o dia de rezar o terço, o
que era certo, ao menos uma vez por semana. Também contemplava a cozinha, uma
enorme mesa de peroba, pesada igual os seus dois bancos, onde em cada lado,
cabiam no mínimo nove pessoas. Foram muitas as “Béstias” jogadas naquela
mesa de jantar, onde acomodávamos para ouvir os “Nonno” experientes narrarem
histórias. Mencionavam provérbios e suas sempre filosóficas “moral da
história”. Fazendo delas, ferramentas didáticas, para uma formação dos filhos,
netos, sobrinhos netos da vizinhança, feitos parentes, dada a endogâmica
tendência, quando dos matrimônios. O que fazia da comunidade, todos serem
parentes.
Naquela
noite de segunda feira, lá estava Ângelo Sipolatti, na casa dos primos, Ângelo
Scalzer e Augusta Carlini Scalzer. Fazia-se hóspede para pernoite, retornando
de Santo Antônio do Canãa, com destino a Alto Caldeirão, onde residia. Consigo
pesando sobre o cavalo trouxera algumas armas de fogo e certa quantidade de
munição, cujo intuito era negociar, vendendo ou barganhando, com exímia
fidelidade ao que tinha sido seu pai Basílio Sipolatti.
Argumentava
com entusiasmo, entre um “ANTI DIO” e outro, a importância de toda casa ter ao
menos uma garrucha, além das espingardas de caça, pois, sempre havia o perigo
de aparecer algum forasteiro querendo lograr perigo à família. O que com um
revólver, ou uma garrucha 380, carregada de cartuchos recicláveis, poderia ser
prévia defesa em um inoportuno ataque de mau elemento forasteiro, como os que
circulavam pelas estradas. Narrava fatos de ocorrências onde uma arma de cano
curto já havia evitado assaltos, conquanto outros onde um pai de muitas moças, poderia
afugentar um pretenso genro indesejável, tal aqueles mais atrevidos, que se
aproximavam das donzelas sem antes falar com os pais das ditas cujas.
Quando
fomos para a cozinha, abandonando as BELISCAS, por que um primo adolescente
queria ver as armas, estas foram guardadas naquele pacová (picuá, para os
italianos) de lona, também feito alforje, pois, não queriam que tais objetos
perigosos ficassem sob o olhar das crianças, muito menos dos púberes meninos,
atraídos pelo anelo de ostentar posse de uma!
Nonno
e Nonna Scalzer tomaram de um tiçãozinho cada e, acenderam seus cachimbos,
enquanto o Sipolatti, como bom vendedor, agora tentava lhes vender o cavalo,
que já estava em seu pasto, inicialmente para o pernoite, mas que por certa
quantia, poderia ser para sempre. Porém, os Scalzer não queriam cavalo,
argumentando ser mais útil um burro, pois, servia de montaria, além de
cargueiro, quando necessário. Entretanto, um burro e, não uma mula, já que os
adolescentes da comunidade poderiam criar historinhas sobre a fêmea de muar,
com seus hormônios efervescentes! Muitas gargalhadas sucederam ao comentário,
mas nós, infantes inocentes, não entendemos o porquê daquele riso!
Nonno
Ângelo Scalzer, com a palavra, argumenta, perante uma assembleia de crianças e
adolescentes curiosos, que uma arma em casa nem sempre evita uma tragédia, se a
sorte, junto com o devido treinamento, não for possível de serem colocados em
prática... Narrou:
-
Lá para as bandas de Vinte e Cinco, quando eu era criança em Nova Valsugana,
onde nasci, um dono de terras, muitas terras, morador de uma linda casa de
fazenda, com muitos quartos e obviamente, muitas janelas, por muitas vezes,
estas ficavam abertas à noite, já que nem sempre havia tempo ou lembrança de
fechar todas. Em um daqueles inúmeros quartos, tinha aquele fazendeiro,
escrivaninha importada e baú com joias e outros objetos de valor, além de estar
sempre ali, quando estivesse em casa, seu alforje contendo sempre muito
dinheiro, seja para pagar empregados, seja para aquisição de mais animais ou
terras. Porém, aquele quarto era muito longe da cozinha, na qual ele e esposa
cuidavam do bebê, enquanto os outros filhos, já dormiam em outros quartos longe
daquele da escrivaninha, também depositário das armas da fazenda, inclusive
winchester e mosquete, (cravinocci para os italianos) além de revolver e
garrucha. Da cozinha ouviram um barulho lá no quarto dos valores. Ela
tomou o bebê nos braços e ele, sem levar lamparina ou lampião, correu corredor
adentro, na direção daquele quarto. Chegou até lá e viu um vulto de homem
mulato já escalando a janela para fugir. Percebeu não haver tempo de pegar em
armas, então agarrou o ladrão pelo meio, para evitar sua fuga, enquanto gritava
para a esposa tomar de um revólver e chegar para atirar à queima roupa no
invasor que passava o alforje surrupiado para a mão esquerda. Ele mais pesado e
com os dedos entrelaçados, com os braços, circundando o abdome do assaltante, o
impedia de sair. Da porta, com o bebê no colo, a claridade da janela permitia a
mulher ver a cena e o ladrão pedindo aos gritos: - Me largue óchent! Me solte
óchent! Me largue, cabra da peste! Ô homi pesado da gôta! Trinta segundos
de terror, para aquela mulher, sucedidos por outros piores, depois que viu seu
marido caindo ao chão, aquele vulto saindo pela janela, levando o alforje com o
dinheiro e um revolver. Saiu ela correndo, indo buscar o lampião para tentar
entender o que se passara.
Na
casa dos Scalzer, da janela da cozinha, por onde se alcançava a pia, (foto),
por uma fresta entrou uma pequena barata d’água que entrou em minha boca. Esta
que estava aberta, pois, olhava eu, para aquele patriarca, com uma expectativa
neurótica pelo desfecho da estória. Teve alvoroço no ambiente com meu escândalo
para evitar engolir a barata, uma daquelas comuns nos córregos, mas vítima da
luz, quando foge dos morcegos em sua tentativa de deslocar-se para mais longe
nos córregos em que vivem. Muitos vieram em meu socorro. Ângelo Sipolatti me
deu uma tapa nas costas que dói até hoje. Cuspi a barata depois de abrir a
porta do lado oposto da casa e, cobrava o fim da narrativa do Tio Nonno
Angelim, quando Ida Rochesso, a nora dos Nonno, comentou que uma de suas
meninas, havia derramado água onde esteve sentada no chão. Entretanto a menina
confessou dizendo que ao final da estória, iria ao quarto trocar a calcinha,
porque o líquido no chão não era água, outrossim, emoção com a narrativa...
Alguns riram da emoção, enquanto eu cobrava a conclusão, pois, sabia que aos
meus oito anos, eu iria para casa passar mais uma noite de pesadelos, só que
desta vez, com personagens diferentes, pois, em minha cabeça havia entrado a
informação de que algum “cangaceiro”, personagem dos livretos de “Literatura de
Cordel”, poderia estar zanzando em nosso Município. - Exato! Bem pensado!
Aos oito anos já tinha lido ao menos quatro impressos da Literatura do Sertão
Nordestino! -. Mesmo com medo dos pesadelos, quis o final da estória. Cobrei,
outros cobraram. Portanto, aquele ancião calmo, que seria excelente GRIÔ, se
vivesse em cidade histórica com turistas. Encantava-nos com seus rodeios e
preâmbulos, ilustrando em nossos pensamentos, até a mais fabulosa das possíveis
estórias!
-
Então, meninos e meninas, a mulher chegou ao quarto com o lampião, enquanto o
bebê, deixado lá na cozinha chorava muito alto, ele viu o marido agonizante.
Muito sangue no chão do quarto. – Mas como seria possível, se nenhum tiro foi
disparado? Entre um e outro grito daquela mulher, a dita cuja ouviu o homem
balbuciar suas últimas frases em vida: - Cuide das crianças! Venda tudo e se
mude para longe! O ladrão me esfaqueooooou! Desfaleceu! Fez a passagem,
golpeado por uma faca dentro de um quarto onde havia várias armas de fogo!
“Não
vos esqueceis, meus filhos, netos e sobrinhos que a melhor arma é a fé, por que
armas de fogo servem para atacar o semelhante, mas muito pouco servem, para nos
defender do ataque, proveniente de um semelhante desprovido da fé no Ser
Supremo!”
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Dag Vulpi