sexta-feira, 11 de agosto de 2017

Percalço da informação velada


Por Antonio Luiz Carlini - Santa Teresa ES 25/07/2017

Já ia completar uma década, desde que aquele filho de italianos, deserdado de intelecto, para a malícia, a percepção de que era alvo de comentários entre seus consortes étnicos, sempre com certo teor de menosprezo pelo seu QI, incapaz para se ajustar ao meio, onde vivia sem ser informado, que por uma questão antropológica de discriminação, não foi integrado ao mais íntimo do seio, para uma convivência igualitária. Pois, ele não percebia que seu respeito pelas famílias, pelos bons costumes, tendo ele ficado órfão de pai e mãe, não foi aceito para morar com irmãos, cunhados e cunhadas, tendo que com a força dos braços, ir viver trabalhando em outras casas de famílias, em troca de alguns tostões, alimentação e vestuário.

Passava muito além do segundo “enta”, ou seja, quase sessenta anos, quando naquela família, onde já era um esteio no trabalho braçal, com os dez anos por ali, embora quase sexagenário, depois que por cinco anos, o chefe, acometido de doença incurável veio a óbito, deixando uma viúva com sete crianças e, ele, os braços trabalhadores, além de um inquestionável dirigente na educação para o labor com as roças, docente para os três filhos mais velhos, órfãos do italiano que fora vitimado pela doença. Pois, nosso protagonista, teve fundamental desempenho em estimular naquelas crianças de treze, onze e nove, o interesse e a valorização do trabalho, já que há muito o pai deles esteve ausente, devido à doença.

Nosso protagonista chorou muito a morte do Italiano que o acolheu. Porém, sentia-se agora mais responsável que nunca. Continuo com o trabalho, capinando o cafezal, o arrozal, o feijoal, o milharal, depois de ordenhar as vacas enquanto os três meninos, cuidavam dos porcos, das galinhas e um deles conduzia as vacas para pastos separados, antes de irem para as roças, em uma rotina de vida na roça, onde a agricultura familiar funcionava em ritmo assaz laborioso. Não questionou nenhuma vez quem iria o remunerar pelo trabalho, quando vencesse o mês. O que por outro lado era uma preocupação atormentadora, por parte da viúva, já que além de terem gasto seus recursos com aquela doença, ainda estava endividada. Isto a levou a uma reação, para ver o que poderia fazer: “Chamou seu herdado trabalhador auxiliar, ali considerado CAMARADA”. Indagou-lhe sobre suas expectativas, tais como, quando e como queria receber, etc... Depois de informá-lo sobre a situação financeira ainda ruim, consequência de cinco anos gastando além do que arrecadavam.

Havia passado apenas um mês desde aquele óbito. Mas a situação precisava ser esclarecida, seja da parte dela, com a preocupação do ônus, seja por parte dele, cuja expectativa em receber poderia aumentar os problemas da viúva, surpreendida pelas palavras do CAMARADA:

-Não tenho ORDENADO (assim chamavam a remuneração), para receber, aliás, não preciso de dinheiro agora, sei que só entrará dinheiro depois das colheitas e para isso falta pouco, agora sei também que só faltam doze dias para aquela nossa conversa séria lá em seu quarto, depois que eu tomar um bom banho e vestir minha roupa de Domingo. Quanto a dinheiro, pagamento, etc..., doravante não existirá, por que tudo será nosso, como era entre você e o finado antes de ele ir. Estou aqui para substituí-lo. Só não falei antes, por que pensei que você já sabia do que é de fato: “REI MORTO, NOVO REI NO POSTO”. Estava eu, esperando passar sua quarentena, aqueles quarenta e dois dias de resguardo que uma viúva precisa... Tratam-me como BOBO, mas eu não sou. Desde meus quinze anos sei que “VIUVA É IGUAL LENHA VERDE, CHORA, MAS PEGA FOGO”. É claro que até completarem-se os dois anos da viuvez, para não gerar falatórios, continuaremos só como noivos, antes de nos casarmos. Entretanto, morando na mesma casa e os seus sete filhos dormindo, os vizinhos não verão e não saberão... Entendeu? É por isso que não preciso de ordenado, meu pagamento maior será você, mas vou esperar pacientemente pelo fim de sua quarentena!

A essa declaração do homem de inteligência diminuta, ficou estupefata. Era ela, portadora de convicção de que uma vez casada, não importava se o marido morrera, estaria eternamente casada, por que em sua mente o “Até que a morte os separe”, tinha um sentido único e além do mais, aquele rejeitado da sociedade jamais poderia vir a ser seu marido em qualquer circunstância. Ficou pensativa por duas horas e decidiu pedir ajuda para a sogra, residente um pouco distante, mas onde seus filhos poderiam chegar a pé acompanhando-a. Lá diante da Sogra, uma daquelas admiráveis MATRONAS, capaz de enfrentar até o mais valente pistoleiro se sentisse sua concepção de domínio territorial ameaçado, relatou a intenção do CAMARADA que agora aspirava o “noivado” e posterior casamento. Aquela sogra, que se via na obrigação de proteger a Nora e considerava aquele cidadão desmerecedor de espaço no seio da família, onde os retardados não tinham ingresso, não pensou duas vezes.  Tomou do winchester 44, tirou os tamancos de embaúba e restos de couro velho, calçou alpargatas e sem outras palavras perguntou: - Onde posso encontrar aquele pervertido, retardado, que não se enxerga? Está lá na roça de feijão, Nonna! Disse um menino!

Partiu apressada. Foi acompanhada pelos demais a quem deixou para trás, dada a pressa que empreendeu. Encontrou o infeliz arrancando pés de feijão. Chamou-o às falas. Mostrou a habilidade com o Winchester e ouviu dele a confirmação das intenções. Engatilhou a arma e lhe ordenou ir para a casa. Aquela anciã esperta em seus passos, praticamente o empurrava com a ponta do rifle. Ele com a mala e ferramentas pessoais nas mãos, recebeu dela o que poderia ter de vencimentos pelo trabalho e foi.

Dez quilômetros de lá encontrou outra casa, onde ficou nas mesmas condições em que esteve na anterior. Porém, passou outro decênio trabalhando para sobreviver, mas fazia qualquer coisa para não ouvir falar o nome daquela viúva e ainda menos da sogra dela, até que quase aos setenta, foi reconhecido pela previdência social como merecedor de meio salário mínimo.

Se alguém mencionasse o assunto, ele antes de pronunciar uma saraivada de palavrões e blasfêmias, tal o italiano que era, argumentava: - Passei mais de cinquenta anos, sem saber segredos sobre mim mesmo. Precisou aquela velha braba me ameaçar com a CARABINA e falar aquelas coisas, para que visse o quanto que um homem precisa saber sobre si mesmo!

Ninguém sabe tudo o que aquela anciã lhe disse, mas fez tardiamente, o que a família devia ter feito ainda na infância dele, ou seja, dialogar!

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Sua visita foi muito importante. Faça um comentário que terei prazaer em responde-lo!

Abração

Dag Vulpi

Sobre o Blog

Este é um blog de ideias e notícias. Mas também de literatura, música, humor, boas histórias, bons personagens, boa comida e alguma memória. Este e um canal democrático e apartidário. Não se fundamenta em viés políticos, sejam direcionados para a Esquerda, Centro ou Direita.

Os conteúdos dos textos aqui publicados são de responsabilidade de seus autores, e nem sempre traduzem com fidelidade a forma como o autor do blog interpreta aquele tema.

Dag Vulpi

Seguir No Facebook