quarta-feira, 27 de setembro de 2017

As ceroulas do século XIX

Por Antonio Luiz Carlini originalmente em Santa Teresa 17/09/2001 

Duraram poucos anos, mas elas entraram no século XX, fazendo rir até quase meados deste! Quando lentamente foram substituídas por outras peças íntimas, como o “samba canção”, apelido inicial devido o seu largo espaço interno, onde certas coisas podiam dançar samba sem esbarrar em nada. Enquanto para o público feminino, calçolas, cuecas ou um monte de outros apelidos, mas sem nunca perder sua semelhança com o coador de café ou chá, o que lhe rendia outros apelidos, sempre oriundo de gírias e jargões. Mas sempre peça do vestuário que incomodava as mulheres andarem a cavalo, considerando-se mais o interior de nosso território, impróprio para charretes ou carroças, antes da chegada dos automotivos.

Isso causou uma passagem hilária com as filhas de Carlini Giovanni em 1904, quando três delas e uma prima Ziviani, para visitar uma parente que estava puérpera em Sagrada Família do Santa Joana, - Depois Itaguaçu- para lá resolveram ir a cavalo. Aconselhou a mãe delas com a aprovação do pai que além de levarem um burro da tropa, por que este conhecia o melhor do caminho e farejava melhor as onças nas matas do entorno da Itanhanga – Pedra endiabrada- já que recomendado pelo tropeiro que trouxera a carta avisando do nascimento do parente. 

Para viajar a cavalo onde as animálias, sejam equinos ou muares, entre aquelas pedras nas serras e topes da cordilheira que separa as bacias dos Rios Santa Maria e o Santa Joana, as selas para mulheres montarem com as duas pernas para o mesmo lado, seria inapropriado, sendo, portanto, aconselhável usarem selas para homens, o que requeria o uso de calças para isso, pois, senão as ceroulas, aquelas ainda não usavam nada embaixo daquelas das saias que cobriam tornozelos... Que fazer?... Óh! Dúvida cruel!... Até que uma teve a ideia: “providenciariam CALÇOLAS”. Pois, estas mesmo com uma perna cada lado da sela, não as exporiam ao ridículo da vergonha de ter as ceroulas vistas por outra pessoa. Assim fizeram; duas calçolas para cada uma, pois, dois dias de viagem, uma para cada dia e foram. Entretanto mal começavam subir a encosta de acesso ao córrego frio, com suas quatro montarias, sendo dois burros e dois cavalos, as quatro se queixavam do desconforto daquela peça de roupa que mesmo sob anáguas, combinações e saias duplas nos vestidos, pressionavam a genitália mais que era esperado. Uma reclamava que o rifle lhe roçava o joelho, outra que deviam ter dado banho no cavalo, outra que devia ter dado purgante de óleo de rícino para os animais, pois, andando naquela fila indiana, a cada bufa de gazes do animal da frente, a que vinha atrás o respirava. Enquanto outra rezava sugerindo que a acompanhassem. Estando no alto no divisor de águas das duas bacias, pararam e apearam. Uma disse que estava com a “perseguida” já assada, ao que a mais leviana comentou: - Estando ela crua, os homens já se matam por ela, imagine quando todos os rapazes ficarem sabendo que a sua é assada? Com certeza haverá guerra! A mais ajuizada e aí nomeada líder, por isso de posse de um dos rifles-carabina winchester-: - Isso será contado para mamãe quando voltarmos! Retomaram o caminho e observavam a falta de folhas nas matas, lamentavam a seca daquele ano e viram que no outro vale a cor cinza também substituíra o verde de outrora. –Depois entre novembro de 1904 e março de 1905, choveu todos os dias e a vegetação se refez-.

Chegaram à casa do Patriarca Dalmonech, aquele que viria ser sogro de uma delas, onde foram hospedadas para pernoitar e soltar os animais para o descanso. Tiveram permissão para lavarem as peças íntimas que penduraram no varal, esconsas sob peças de tecidos de sacos de algodão vazios, pois, naquela casa estavam alguns rapazes que não podiam de forma nenhuma ver aquelas coisas no varal. Era vergonhoso, mas acima de tudo PECADO, conforme o Frade que as ouvia e orientava no confissionário. Isso por que as moças tomariam de volta aquelas peças, só quando passassem por ali no retorno. Porém, quando chegavam ao destino, dez quilômetros para lá de o atual Itaguaçu, a líder perguntou àquela que mais se queixou: - Porque hoje, você ainda não se queixou da assadura. Talvez a assada agora já esteja calejada? Ouviu como resposta: - Nada disso, hoje ardeu menos, por que a minha calçola esta no picuá! – Quer dizer que você não vestiu aquilo? Bem pensado! Eu também não vesti! - Nem eu! –Nem eu! Nem eu! Ao que a piadista comentou: - Pensei que teríamos mais valorização entre os pretendentes, mas ao que vejo continuaremos cruas! Ouviu: -Mais uma para os ouvidos da Mamma, quando voltarmos! – Nada disso, por que quando ela contar isso ao Frade no dia da Confissão, ela estará pagando este pecado com os movimentos que ele vai fazer! -Mas do que você está falando? – É que quando eu conto estas coisas para o Confessor, ele fica mexendo batina, empurrando uma coisa para dentro do meio das pernas, jogando os cordões para o lado, como se tivesse subido formigas por dentro da roupa! – Eu também vi isso! Falei com a Mamma e ela falou que falar do Padre é pecado. Fez-me rezar três terços, ainda faltam dois!

Chegaram ao destino, conheceram o sobrinho, compartilharam em grande mesa muitas canjas. Fizeram outra remessa de roscas para engrossar os caldos de galinha que concorriam com a polenta, queijo e linguiça naquela mesa italiana que nos deixa com fome! Repararam que o cunhado e irmãos, cochichavam sobre as selas, um mais novo até cheirou o assento da sela da moça mais nova. Riram dele, mas um confessou que também estava tentado!

Depois de dormirem duas noites naquela Casa onde tinha ido morar a irmã, pela manhã reiniciaram o retorno, depois de terem combinado que aquelas peças íntimas só seriam vestidas em eventual necessidade, pois, era desconfortante. A falta de costume pesa no bem estar quando sentadas naquelas selas com animais andando por trilha, cheia de sobe e desce.

Na tarde daquele dia, quando chegaram à casa dos Dalmonech, onde passariam a noite, tendo sido avisado que chegavam, pelos vira-latas que mais serviam para avisar com seu grunhidos e medo, a presença de onça perto dos chiqueiros e do curral, lá estava na entrada do terreiro da casa, o patriarca Dalmonech, fitando-as e rindo... Não entenderam nada, mas ele resmungava palavras em um dialeto italiano, desconhecido por elas e ria, ria copiosamente, até que a Matriarca da família apareceu em uma janela e ordenou que ele parasse com aquilo. Aquela senhora exibiu para o marido “A CANARÓLLA”-pau de espalhar massa de trigo- estes sempre muito pesados de madeira rija. As moças nada entendiam, mas viram que aquela comadre de sua mãe, ali era uma verdadeira “MATRONA”. Pois, fez aquele homem forte sair dali, como um cãozinho enxotado.

Acomodadas na casa onde pernoitariam, sentiam uma ansiedade com o clima do ambiente que as recebeu. Todas desconfiadas deixaram por falta de experiência, aquela matriarca que viria ser sogra de uma delas, perceber o desconforto das moças, assim ela tomou as falas e disse, depois de ouvir notícias da parente puérpera lá em Itaguaçu: - Vocês deixaram as calçolas no arame debaixo das toalhas, onde o Velho nunca mexe, mas enquanto fui lá nos Demuner, onde tem uma doente, ele foi apanhar a toalha e derrubou uma das peças, pegou na mão, ficou admirando, igual um menino com um passarinho que acabou de prender. “As toalhas quase sempre eram feitas de sacos de açúcar ou trigo”. Cheguei e encontrei-o curioso e admirando o objeto. Perguntou-me o que era e para que servia. Quando informei, jogou a peça na minha cara e caiu na gargalhada. Fazia mais de trinta e seis horas que estava rindo. Só parou agora, por que não que vocês contem lá no Caldeirão e Tabocas, que minha “CANAROLLA”. Ele é homem, muito homem, mas um belo pau de macarrão na minha mão, o faz ser igual os meninos, a quem proibi que ele falasse ou mostrasse as peças íntimas de vocês...

ÓH! Céus! Que vergonha! Até quando aquele velho gozador e piadista ia guardar segredo! Enquanto elas, agora estavam correndo risco, pois, um homem tinha visto as Calçolas de ao menos uma delas, sendo que até um joelho, para aquela época teria sido desastroso!

No Dia seguinte, sem comentários, mas vendo nos olhos daquele velho, o desejo incontrolável de comentar o assunto, as moças estenderam-lhe a mão, esticando o braço ao máximo, como se rezassem para que aquele braço, ali naquela hora, tivesse ao menos mais uns metros. Pois, aquela mão tinha tocado em uma das peças. No caminho entre Itanhanga – Pedra Alegre- aquelas moças rezaram o tempo, pedindo ao Ser Supremo que o assunto não fosse a público.

Relataram o ocorrido para a Mãe que lhes aconselhou rezar, rezar, orar, fazer novenas, etc...


Naquele mesmo ano um noivado entre uma das moças e um dos rapazes Dalmonech, foi marcado pelos pais Carlini e Dalmonech. Depois de alguns anos, outro. Sendo portanto dois Dalmonech casados com filhas de Carlini Giovanni. 

Aos meus oito anos, em 1962, quando João Carlini Filho, esteve acamado, os cunhados Dalmonech o vieram visitar na casa de onde saíram as moças. O ocorrido narrado aqui, já com acréscimos, por parte dos dois, foi contado para animar o acamado, depois daquela tradicional reza no quarto de um moribundo, que viveu ainda dois meses. O pior desta história foi que entrou em meus ouvidos, ouvindo-a em uma versão de um Dalmonech, acrescida de detalhes do irmão ali presente!

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