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sábado, 8 de abril de 2017

A Personalidade Fascista a partir das reflexões de Adorno e Freud


Por Michel Aires de Souza

      Em suas obras, o filósofo alemão Theodor Adorno diagnosticou que na atual sociedade administrada os controles tecnológicos dissolveram o indivíduo autônomo. A lógica do capital nivela a tudo e a todos aos imperativos da economia. Nada escapa a mão invisível do mercado, que modela não somente os bens e serviços, mas também a alma humana. A opressão do todo se impõe como uma força devastadora, impedindo os indivíduos de realizarem sua plena autonomia e liberdade. Em tal sociedade, “os sujeitos são impedidos de se saberem como sujeitos. A oferta de mercadorias que se abate qual avalanche sobre eles, contribui para isso,  da mesma forma que a indústria cultural e incontáveis mecanismos diretos e indiretos de controle”. (ADORNO apud MAAR, 2009, p.26). Desse modo, o sujeito passa a ser determinado por instâncias heterônomas. A realidade política, econômica e social determina o indivíduo em seu íntimo, naquilo que deveria ser o núcleo de sua autonomia.

      A primeira consequência da organização totalitária do mundo capitalista é o enfraquecimento do indivíduo frente as forças opressoras do todo. Para Adorno (1995), é a partir do enfraquecimento do eu que surge as tendências fascistas na sociedade.  Nesse sentido, a personalidade autoritária não é fomentada por certas ideologias políticas conservadoras, mas ela surge da impotência, da paralisia e da incapacidade do indivíduo reagir frente a racionalidade opressora do mundo administrado. O indivíduo fraco e impotente procura compensar sua fraqueza se identificando com os opressores. Ele busca nas estruturas  do poder uma satisfação imaginária por sua insignificância e  inaptidão à experiência. Na avaliação de Adorno (1995), a sobrevivência da personalidade autoritária deve-se a persistência dos pressupostos sociais objetivos que geraram o fascismo. Esta não é produzido meramente a partir de disposições subjetivas; ao contrário, é produzida pela ordem e organização econômica do mundo, que continuam obrigando a maioria das pessoas a depender de situações dadas em relação as quais são impotentes, bem como a se manter numa situação de não-emancipação. Para sobreviver, elas precisam se conformar e abrir mão daquela subjetividade autônoma, que está ligada a ideia de democracia. É a necessidade de adaptação, de identificação com existente, com o poder enquanto tal, que fomenta a personalidade fascista.

      Na década de 20, o médico e psicanalista Sigmund Freud já havia diagnosticado que o mal-estar na cultura surge de uma enorme repressão aos impulsos e desejos, sacrificando a felicidade humana e libertando os impulsos destrutivos do homem contra a civilização. Apesar desse diagnóstico  desolador,  a  realidade  mudou  muito  no  decorrer  do  século  XX. 

      Hoje vivemos em um mundo de abundância material e intelectual, onde grande parte dos impulsos e desejos humanos podem ser satisfeitos. Apesar disso, o mal-estar não desapareceu, ao contrário, tornou-se mais intenso em nossa época. Adorno (1995b) desvelou, em seus estudos, que a pressão social tornou-se muito mais aguda e os níveis de violência cresceram de forma exponencial desde a época de Freud. Ele percebeu um sentimento de claustrofobia nos indivíduos em relação ao mundo administrado. Como consequência disso,  o mal-estar surge causado por um  sentimento de enclausuramento, que os indivíduos experimentam numa situação cada vez mais socializada, como uma rede densamente conectada. Quanto mais densa é a rede, mais os indivíduos tentariam se libertar. Contudo, essa densidade impede a saída. Isso libera as forças destrutivas contra a civilização, que cada vez mais se torna   irracional e violenta.

      Quando a realidade não cumpre a promessa de felicidade e autonomia, que deveria se assegurada pela reconciliação entre os interesses individuais e o interesse coletivo, os indivíduos tornam se indiferentes a democracia ou passam a odiá-la. Com isso, liberam seus impulsos destrutivos contra a sociedade. Desse modo, a personalidade fascista é reforçada pela insatisfação e pelo ódio, produzido e reproduzido pela própria imposição e adaptação a uma realidade de opressão. A esse respeito, Bueno (2009) explica-nos  que a personalidade fascista, culturalmente semiformada, desvia a hostilidade que deveria voltar-se contra uma sociedade fria, injusta e desigual em direção a própria cultura. A gravidade disso, é que essa hostilidade é orientada aos mais frágeis na hierarquia social: os diferentes, os impotentes, inadaptados ou individuados de toda ordem. Em outras palavras, o ódio, que deveria ter por alvo as estruturas da sociedade, é descarregado contra os desamparados reais ou imaginários. Para Adorno (1995b, p.122). “um esquema sempre confirmado na história das perseguições é a de que a violência contra os fracos se dirige principalmente contra os que são considerados socialmente fracos e ao mesmo tempo – seja isto verdade ou não – felizes.”

      A educação na infância também tem um papel preponderante na formação da personalidade autoritária. É comum crianças que tiveram uma formação disciplinar e violenta tornarem-se personalidades fascistas. Todos os ritos de passagem, hábitos e trotes que existem na escola e que infligem dor física são herdeiros dessas experiências brutais; pois surgiram no seio da família e se tornaram costumes pela força do hábito na educação tradicional. Nessa forma de educação,  a virilidade, a coragem e a capacidade de suportar a dor transformam-se em valores fundamentais. A grande consequência disso é que os indivíduos tornam-se incapazes de desenvolver experiências humanas afetivas, onde se valoriza a confiança, os projetos compartilhados, o cuidado  e o carinho pelo outro. Todos aqueles que tiveram uma educação familiar severa, com pais autoritários, possuem grande probabilidade de se tornarem pessoas frias e indiferentes ao sofrimento humano.  A educação baseada na força e voltada a disciplina pode desenvolver sujeitos sados-masoquistas,  que são indiferentes a dor.  Como escreveu Adorno (1995b), a ideia de virilidade, que está ligada a capacidade de suportar dor,  há muito tempo se converteu em fachada de um masoquismo que – como mostra a psicologia – se identifica com muita facilidade ao sadismo. Por esta razão, todo aquele que é severo consigo mesmo sente-se no direito de ser severo também com os outros, vingando-se da dor cujas manifestações precisou ocultar ou reprimir.

      O desenvolvimento normal da criança não ocorre pela submissão à autoridade paterna, ao contrário, a emancipação do sujeito, como um ser autônomo, só pode se tornar realidade pela sua superação. Na teoria freudiana, a autoridade do pai é fundamental para o desenvolvimento normal da criança. Na primeira infância toda criança se identifica com a figura do pai, portanto, com uma autoridade, interiorizando-a, apropriando-a, para então ficar sabendo, por um processo sempre muito doloroso, que o pai, a figura paterna, não corresponde ao eu ideal que aprenderam dele, libertando-se assim do mesmo, e tornando-se, precisamente por essa via, pessoas emancipadas. (ADORNO, 1995c), O pai na primeira infância serve como um modelo, um princípio a ser seguido. Ao perceber que o pai não é um ser perfeito que poderia guiá-lo e protegê-lo, o indivíduo passa a confrontar seus ideias e valores de infância com a realidade de maneira critica, desse modo,  torna-se um ser consciente de si e do mundo, amadurecendo e podendo seguir seu próprio caminho.

      A superação da autoridade paterna é o caminho para o desenvolvimento do individuo  maduro e civilizado.  Contudo, no mundo contemporâneo, criou-se as condições propicias para o desenvolvimento da personalidade autoritária. Em nossa atualidade, a família como formadora da individualidade se fragmentou. Os laços familiares se tornaram frágeis por causa das exigências do mundo exterior. Hoje, família não constitui mais um núcleo fixo de produção da individualidade. Com o fim do capitalismo liberal e o advento da sociedade de massas,  a família perdeu sua centralidade e importância, ela não é mais a principal instância formadora do aparato psíquico do indivíduo, que tinha como fundamento a autoridade do pai. Hoje a formação dos jovens acontece de maneiras variadas e contraditórias. A socialização se constitui em contextos sociais múltiplos. Por esta razão, a internalização mal sucedida do superego enfraquece o ego.  Sem a autoridade paterna o Ego torna-se fragilizado, podendo assim ser determinado por instâncias heterônomas. Desse modo, o indivíduo fica enfraquecido frente as forças sociais, tornando-se receptivo a ideologias racistas e etnocêntricas.

      Quando Adorno exilou se nos EUA, fugindo do Nazismo, ele percebeu que indivíduos aparentemente normais apresentavam características fascistas, semelhantes as encontradas na Alemanha. Foi a partir daí que surgiu o estudo sobre “The Authoritariam Personality” (1950). Este trabalho foi desenvolvido em conjunto pelos teóricos de Frankfurt. É um estudo eminentemente empírico, cujo objetivo era analisar a cultura norte-americana, fazendo uma reflexão sobre a personalidade e sua relação com as condições políticas e sociais deste país. Este estudo deu continuidade aos “Estudos sobre Autoridade e Família” desenvolvido em Frankfurt. Tal como aquele, Marx e Freud são os teóricos principais que nortearam a análise da personalidade autoritária.

      Nestes estudos interdisciplinares sobre a personalidade autoritária foi criada uma escala fascista, desenvolvida a partir de questionários, entrevistas e testes psicológicos, cujo objetivo era compreender as opiniões, atitudes e comportamentos autoritários. A ideia era que fatores internos e externos se combinariam para chegar a um comportamento antissemita e de que a escala mediria algo próximo de uma estrutura latente de personalidade, determinante da receptividade do sujeito a ideologias racistas e etnocêntricas. A partir dessa escala se concluiu uma série de traços que comporiam os primeiros traços do caráter autoritário, sendo estes: convencionalismo; submissão acrítica; agressividade autoritária; destruição e cinismo; poder e rudeza; superstição e estereotipia; exteriorização; projeção; e atitudes exageradamente preocupadas do autoritário com relação aos atos da sexualidade (GOMIDE & MACIEL, 2015)

      Uma das grandes descobertas de Adorno, foi a de que todos aqueles que possuem o potencial fascista são seres incapazes de lutar por sua autonomia, são seres conformados, que acreditam no poder e na força do universal para a resolução de todos os problemas da humanidade. “Eles representam a identificação cega com o coletivo”. (ADORNO, 1995b, p. 127) Existe na personalidade autoritária o desejo de uma ordem sustentada por um grande aparato estatal, que governa com mãos de ferro, tendo como função representar o povo frente ao individuo. É nesse sentido que esse tipo de personalidade se coaduna com os valores do nacionalismo. É dai que surge o orgulho nacional e o narcisismo coletivo. É comum a esses indivíduos palavras de ordem, exaltação das forças armadas e o uso de símbolos nacionais O falso sentimento de integração, o calor de estar entre iguais, a satisfação de estar protegido frente ao poder é uma característica desses indivíduos. Desse modo, “a personalidades com tendências autoritárias identificam-se ao poder enquanto tal, independente do seu conteúdo. No fundo dispõe de um eu fraco, necessitando, para se compensarem, da identificação com grandes coletivos e da cobertura proporcionada pelos mesmos” (ADORNO, 1995a, 37)

      Freud (1996), em seu livro “Psicologia de Grupo e Análise do Ego”, de 1921, desvelou, a partir das ideias de Gustave Le Bon, as transformações psicológicas que passa o indivíduo ao fazer parte de uma coletividade, seja um partido político, uma religião, um time de futebol ou um grupo de jovens. Aquele que faz parte de um grupo reproduz sentimentos inconscientes de tempos primordiais da humanidade. Ele  adquire um enorme sentimento de poder, que o leva  a dar vazão aos seus impulsos de forma irracional. Ele sente que seus desejos emocionais podem ser facilmente realizados sem grandes consequências. Surge daí o sentimento de se fazer parte de algo maior que o indivíduo. Nos sentimos queridos e amados e, por estas razões, somos facilmente levados pelas ações e ideias do resto do grupo. Quando se participa de uma coletividade, perdemos mais facilmente a noção de controle e equilíbrio emocional. O autocontrole deixa de existir, nos tornamos mais impetuosos, mais agressivos e mais emocionais. A automotivação  fica mais sujeito as motivações do grupo.

      Na teoria psicanalítica,  o que liga os indivíduos em um grupo é a libido. Eles possuem uma necessidade inconsciente de se pertencer a uma coletividade, de viver em harmonia, ser amado e respeitado. Eles também possuem a necessidade de um líder. Ao analisar a igreja e o exército, Freud chegou a conclusão que o líder é o segundo fator depois de Eros na unificação  do grupo. Por meio dele todos os membros ligam-se uns aos outros por relações de amor (Eros). O líder mantém o grupo unido por um estado de identificação mediante seu amor e através de um catarse sobre os membros, isto é,  agindo hipnoticamente sobre o grupo. O líder personifica o “ideal do Ego”, e assume as funções de auto conservação, consciência moral e repressão. Cabe ao líder, portanto, o controle das consciências da coletividade. Ele une todos  pela  identificação uns com os outros e pela mesma  percepção da realidade.

      Freud escreveu sobre a “Psicologia do grupo e análise do Ego” antes do advento dos regimes totalitários, mas nessa obra já se delineava os motivos inconscientes da personalidade autoritária. Ele já havia diagnosticado que toda coletividade tem a tendência de ser conservadora, ama as tradições e as ilusões que lhe dão força. Os indivíduos são dominados  por uma espécie de inconsciente coletivo. Suas atitudes são sempre conservadoras, daí a perseguição a  judeus, homossexuais, negros, prostitutas e pobres. Eles adotam atitudes extremas em sua conduta ética. Muitos desses indivíduos são bem educados, têm boa formação, contudo, a capacidade intelectual do grupo é bem abaixo de seus membros isoladamente.

      No diagnóstico de Adorno, as pessoas que cegamente se enquadram em grupos ou coletivos convertem-se a si próprios em objetos. Eles são facilmente autodeterminados. Por esta razão, possuem um “caráter manipulador”, possuem disposições para tratar os outros como coisas. Ele identificou esse traço de personalidade em lideres nazistas,  como Himmler, Hoss e Eichman. Esses lideres também se distinguiam “pela fúria organizativa, pela incapacidade total de levar a cabo experiências humanas diretas, por um certo tipo de ausência de emoções, por um realismo exagerado” (ADORNO, 1995b, 129). As pesquisas de adorno demonstraram que, em países democráticos, essas características também são encontradas em indivíduos aparentemente normais. O que caracteriza esses indivíduos é a “consciência coisificada”.  Em um primeiro momento, eles são manipulados como objetos a serviço de qualquer forma de poder, mas logo  se tornam manipuladores e tratam  os outros como coisas. No fundo são incapazes de fazer experiências, por isso mesmo  revelam traços de incomunicabilidade. Assim, se identificam com os doentes mentais ou personalidades psicóticas. (ADORNO, 1995b)

      O indivíduo fascista carece de consciência, é o sujeito semiformado, que é permeável a manipulação antidemocrática. Por esta razão, os regimes totalitários sempre fizeram uso dos meios de comunicação para inculcar seus valores políticos e estéticos no imaginário do povo alemão. Quando Hitler tomou o poder, uma das primeiras medidas foi criar em 13 de março de 1933 o Ministério da Propaganda, cujo diretor nomeado era Joseph Goebbels. Ele foi o grande responsável pela introdução da saudação, “Heil Hitler”, considerado uma de suas maiores realizações no campo da propaganda. Com Goebbels, a propaganda nazista atingiu todas as esferas da vida social:  nas ruas, escolas, fabricas, estádios e prédios circulavam mensagens, slogans e símbolos do partido. Ele também criou os grandes espetáculos públicos difundindo a estetização da política, universalizando os ideais hitleristas.

      Em seu ensaio sobre “Televisão e Formação”, Adorno (1995d) mostrou-nos que a indústria cultural gera modelos ideais: o modelo ideal de família, de saúde, de bom comportamento, de bom trabalhador, de boa dona de casa, de bom marido. Ela cria uma falsa imagem do que seja a vida verdadeira. Assim,  a falsa consciência é gerada na medida em que a harmonização  e deformação da vida são imperceptíveis para as pessoas. Foi desse forma que o regime totalitário na Alemanha conseguiu cooptar os cidadãos para a barbárie. A fim de reforçar seu ideário político na mentalidade da população,  fez  da propaganda no radio, na televisão e no cinema sua expressão mais influente. Através destes meios  houve a propagação de ideais como o embelezamento da vida,  rituais de limpeza,  culto ao corpo belo, forte e saudável, e a apologia da identidade nacional do povo ariano. Através da propaganda, o nacionalismo, o patriotismo, o heroismo, a xenofobia e o antissemitismo foram disseminados pela indústria cultural. Em consequência disso, levou seis milhões de judeus à morte. Desde aquela época, os meios de comunicação tornaram-se instrumentos de regressão psíquica gerando a perda da consciência crítica e tornando-se um grande incentivador da personalidade autoritária.

      Hoje, no Brasil,  os meios de comunicação de massa têm colaborado para fomentar a personalidade autoritária. Em programas sensacionalistas,  onde é explicito a violência do dia a dia, jornalistas são responsáveis por criar um tipo subjetivo, que tem conservado as formas de domínio social e têm mantido as elites conservadoras no poder. Esses programas produzem o típico cidadão conservador, semiformado, consumidor dos produtos padronizados da indústria cultural. Mas não se trata do indivíduo sem educação, mas do cidadão médio, com nível universitário, em uma dessas carreiras técnicas. Esses programas incentivam a violência, disseminam o medo,  exaltam o autoritarismo e a força policial; criam estereótipos, desenvolvem o machismo, a homofobia, o racismo e todo tipo de preconceito. Todos aqueles que não se encaixam na ideia de cidadão de bem e no sistema mental de explicações pré-determinadas pelas formas de domínio social devem ser excluídos.

      A resposta de Adorno para a resolução do problema do fascismo é a educação. A primeira exigência da educação para o Frankfutiano  é que “Auschwitz não se repita”. (ADORNO, 1995b, p. 119) Qualquer debate sobre educação,  que não leve em consideração esse princípio, não tem sentido, carece de importância. Cabe aos estabelecimentos de ensino, portanto, desvelar os mecanismos que levam as pessoas a cometerem tais atrocidade. É necessário uma consciência geral acerca desses mecanismos. Desse ponto de vista, a educação deve desenvolver  uma sensibilidade contrária a violência,  e sensível aos oprimidos,  que desvele os mecanismos de opressão da sociedade administrada, e que pense a violência e barbárie cometidas pelo mundo ocidental. A educação também deve se voltar para a crítica da ideologia, disseminada pela indústria cultural. O que se torna relevante para Adorno é que os indivíduos sejam capazes de julgar a sociedade contemporânea. Para isso, devem ter a capacidade de informação e entendimento para uma análise e avaliação das sociedades em que vivem. Assim, é através da escola que se deve fomentar a prática política que leve a cabo desenvolver  nos sujeitos a consciência das possibilidades transcendentes de liberdade. Desse modo, a educação em Adorno é uma “pedagogia do esclarecimento” onde “a educação política é levada a sério e não como simples obrigação inoportuna” (ADORNO, 1995a, p.45).

BIBLIOGRAFIA

ADORNO, Theodor e HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento. Rio de janeiro: Jorge Zahar, 1985

________. Educação e emancipação.  São Paulo: Paz e Terra, 1995.
________. O que significa elaborar o passado. In: Educação e emancipação.  São Paulo: Paz e Terra, 1995a
_______.  Educação após Auschwitz. In: Educação e emancipação.  São Paulo: Paz e Terra, 1995b
_______. Educação e Emancipação. In: Educação e emancipação.  São Paulo: Paz e Terra, 1995c
_______. Televisão e Formação. In: Educação e emancipação.  São Paulo: Paz e Terra, 1995d
 ________. Teoria da Semicultura. In: Revista Educação e Sociedade. Campinas: n. 56, ano XVII, dezembro de 1996, pág. 388-411.

BUENO, Sinésio F. Da dialética do esclarecimento à dialética da educação.  In: Revista Educação, Coleção Especial: Biblioteca do Professor, Adorno pensa a Educação. São Paulo: Editora Segmento, ano 2, n. 10, p.36-45, 2009.

FREUD, S. Psicologia de Grupo e a Análise do Ego. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

GOMIDE, Ana P. A & MACIEL, Ruth Marques. (2015) O legado da pesquisa The Authoritarian Personality para o campo da psicologia social. Disponível em < http://www.seer.ufu.br/index.php/perspectivasempsicologia/article/view/30854/16836> Acesso em Abril de 2016.

MAAR, Wolfgang. L. A formação da sociedade pela indústria cultural. In: Revista Educação, Coleção Especial: Biblioteca do Professor, Adorno pensa a Educação. São Paulo: Editora Segmento, ano 2, n. 10, p.26-35, 2009.

quinta-feira, 6 de abril de 2017

Educação e Emancipação em Adorno


Por Michel Aires de Souza

         Adorno detectou que a formação no mundo contemporâneo  reproduz os valores, o imaginário e as condições sociais dominantes do sistema cultural.  Na falta de uma consciência crítica a realidade política, econômica e social determina o indivíduo em seu íntimo, naquilo que deveria ser o núcleo de sua autonomia.  Desse modo, o sujeito passa a ser determinado por instâncias heterônomas, não possui liberdade para deliberar sua vontade com absoluta autonomia.  No seu artigo “Educação e Emancipação”, Adorno diagnosticou que nossa época carece de esclarecimento, uma vez que existe uma “pressão inimaginável exercida sobre as pessoas, seja simplesmente pela própria organização do mundo, seja num sentido mais amplo, pelo controle planificado até mesmo de toda a realidade interior pela indústria cultural.” (ADORNO, 1995, p. 181) As pessoas são formadas pela sociedade mediante várias instâncias mediadoras, de tal modo que tudo absorvem e aceitam em termos desta configuração alienada. Desse modo, a formação dos sujeitos se confunde cada vez mais com um adestramento, com uma adaptação aos mecanismos que regulam a produção e que se disseminam para todo o âmbito da vida. (MAIA, 2007)

        Em suas obras, Adorno refletiu profundamente sobre a dissolução do sujeito autônomo.  No ensaio Sociedade, ele afirma que de maneira planejada “os sujeitos são impedidos de saberem como sujeitos. A oferta de mercadorias que se abate qual avalanche sobre eles contribui para isto,  da mesma forma que a indústria cultural e incontáveis mecanismos diretos e indiretos de controle”.  (ADORNO apud MAAR, 2009, p.26).   Os meios de comunicação, em nossa época, representaram a degradação da formação cultura e, em consequência disso, a perda da autonomia dos sujeitos. No ensaio “Teoria da Semicultura” (1996), Adorno mostrou que  a  formação cultural converteu-se em semiformação, entendida como uma espécie de semicultura, cuja característica é ser  unidimensional e  limitada. A semiformação é uma formação “definida a priori”, que se tornou “forma dominante da consciência”, convertendo-se em “semiformação socializada”,  sob a determinação da indústria cultural.   Todos os produtos e as criações da indústria cultural estão voltados e adaptados ao consumo de massa. Os produtos são criados com o fim da rentabilidade econômica, de integração e adaptação dos indivíduos a sociedade do consumo. Se a formação cultural da burguesia exigiu certo esforço intelectual, concentração espiritual e sensorial, a semiformação, ao contrário,  simplificou os elementos complexos, adaptando-os e tornando-os desprovidos de qualquer conteúdo espiritual. Os conteúdos críticos, negativos e emancipadores foram neutralizados, perdendo suas características transcendentes.  A cultura converteu-se, assim, num valor, tornou-se adaptação ao conformar os indivíduos a vida real.  Em consequência disso, a autonomia do homem enquanto indivíduo, a sua capacidade de opor resistência ao crescente mecanismo de manipulação da massa, o seu poder de imaginação e o seu juízo independente sofreram  uma redução. O avanço dos recursos técnicos de informação se acompanha de um processo de desumanização. Assim, o progresso acabou por anular a ideia do homem. (HORKHEIMER, 1976)

         Com o advento da indústria cultural, os sujeitos têm sua formação mediada por imagens. Nas sociedades pré-capitalistas a civilização ocidental valorizava as palavras, o discurso. Já no século XX, com a difusão dos meios de comunicação de massa,  a tradição escrita foi abalada. As imagens tornaram-se mais importantes que a escrita.  Elas ganharam grande poder ideológico, pois modificaram a realidade e adulteram-na em benefício dos interesses de classe. Segundo Sontag (1981),  uma sociedade torna-se moderna quando uma de suas principais atividades passa a ser a produção e o consumo de imagens, quando as imagens passam a determinar nossas exigências com respeito à realidade e são elas mesmas substitutas cobiçadas da experiência autêntica, tornam-se indispensáveis a boa saúde da economia, à estabilidade política e à busca da felicidade individual. Quando Adorno e Horkheimer pensaram  a ideia de esquematismo Kantiano, no ensaio Indústria Cultural,  eles estavam entendendo que os meios de comunicação de massa produzem uma engenharia do real. Ela constrói a realidade como representação com o ampara da técnica e do capital, impedindo os indivíduos de atingirem a verdadeira consciência da realidade.  A função que o esquematismo kantiano ainda atribuía ao sujeito, a saber, de referir de antemão a multiplicidade sensível aos conceitos fundamentais, é tomada ao sujeito pela indústria cultural. O esquematismo é o primeiro serviço prestado por ela ao cliente. (ADORNO, 1985)

         Na avaliação de Adorno (1995), a organização social ao qual vivemos continua sendo heterônoma, uma vez que ninguém mais pode existir na sociedade atual conforme suas próprias determinações. Por esta razão, ele pensa que somente a educação pode emancipar os sujeitos. Mas, para isso, é imprescindível uma educação política, que desenvolva nos sujeitos a consciência de que os homens são enganados de modo permanente. Ele acredita que se todos ganhassem consciência em relação a essas questões, isso poderia resultar em uma critica imanente da sociedade.

         No pensamento de Adorno, “a teoria social é na realidade uma abordagem formativa, e a reflexão educacional constitui uma focalização político-social. Uma educação política”. (MAAR, 1995, p.15) Em seus textos sobre educação, ele demonstrou seu otimismo em relação  ao homem  para se aperfeiçoar, se instruir,  superando as crenças, as superstições e toda forma de tutela,  tornando o senhor de si mesmo.   O sujeito esclarecido é aquele que se serve de seu próprio entendimento sem a tutela de outro indivíduo.  Do ponto de vista do Esclarecimento,  a liberdade exige a autonomia plena da razão perante lógicas externas, heterônomas a ela. Nesse sentido, a educação, segundo o frankfurtiano, deve visar à autonomia e  à emancipação.  É necessário que se volte às contradições sociais e não tente negar sua existência, para isso, deve ser sobretudo educação política. A educação também deve se voltar para a crítica da ideologia, disseminada pela indústria cultural. Adorno sugere que o filme, o jornal, o livro, na escola, sejam alvos de análise por professores para a explicitação dos mecanismos utilizados nesses produtos, que visam a captar o consumidor, e o levam a manter desejos infantis. (CROCHIK,2007) Assim, o processo pedagógico deve desenvolver a capacidade de informação e entendimento para uma análise e avaliação da sociedade em que vivemos. Ela deve preparar os sujeitos para a não aceitação, a manifestação, o afrontamento e a revolta, pois nos ensina a romper com as maneiras de ver, sentir e compreender as coisas.

         A primeira exigência da educação para Adorno (1995) é que “Auschwitz não se repita”. Qualquer debate sobre educação que não leve em consideração esse princípio não tem sentido, carece de importância. Cabe aos estabelecimentos de ensino, portanto, desvelar os mecanismos que levam as pessoas a cometerem tais atrocidades.  É necessária uma consciência geral acerca desses mecanismos. Desse ponto de vista, a educação deve desenvolver  uma sensibilidade contrária a violência, e sensível aos oprimidos, carentes e necessitados; que desvele os mecanismos de opressão da sociedade administrada, e que pense a violência e barbárie cometidas pelo mundo ocidental. Assim, “a única concretização efetiva da emancipação consiste em que aquelas poucas pessoas interessadas nesta direção orientem toda a sua energia para que a educação seja uma educação para a contestação e para a resistência.” (ADORNO,  1995, p. 183)

         Para que os indivíduos se emancipem, é necessário que eles compreendam os mecanismos que produzem a consciência alienada.  Em Mínima Moralia, Adorno (1993) afirma que quem quiser saber a verdade acerca da vida imediata tem que investigar sua configuração alienada, investigar os poderes objetivos que determinam a vida individual. Ou seja, para se compreender o mundo em que vivemos é necessário o esclarecimento sobre os mecanismos pela qual a cultura se converte em  mercadoria, e a sociedade, em seu processo de reprodução material, torna-se reificação, determinando as condições objetivas da subjetividade. Assim, a emancipação como “conscientização”‘ é a reflexão racional pela qual o que parece ordem natural, essencial na sociedade cultural, decifra-se como ordem socialmente determinada em dadas condições de produção real efetiva da sociedade. (MAAR,  2003)

         O que se torna relevante é que os indivíduos sejam capazes de julgar a sociedade contemporânea. Para isso, devem ter a capacidade de informação e entendimento para uma análise e avaliação das sociedades em que vivem. Assim, é através da escola que se deve fomentar a prática política que leve a cabo desenvolver nos sujeitos a consciência das possibilidades transcendentes de liberdade. Desse modo, a educação em Adorno é uma “pedagogia do esclarecimento”, onde “a educação política é levada a sério e não como simples obrigação inoportuna” (ADORNO, 1995, p.45). Nesse sentido, a emancipação só pode se tornar possível a partir do desvelamento dos fundamentos ocultos da dominação.  Desse modo, será possível uma mudança na percepção do mundo capitalista por parte dos sujeitos, expondo publicamente as ideologias, os interesses de classe, a manipulação dos fatos, a relatividade da ordem e dos valores.  A educação é herdeira da ilustração, uma vez que sua tarefa é esclarecer, é explicar como as coisas são, como as coisas funcionam. O individuo educado amplia seus horizontes, alarga sua mente, desafia o que está dado e constituído.  Mesmo sendo sujeitos singulares, com vontades e interesses particulares, devem transcender a mera subjetividade. Com isso, amadureceriam e compreenderiam as forças históricas que poderiam transformar a sociedade em uma verdadeira universalidade. Em função disso, surgiriam novos valores morais, estéticos e intelectuais, que apontariam para a construção de uma existência pacificada.

Afinal, qual é o problema da educação brasileira?


Por Michel Aires de Souza no Filosofonet

O governo culpa os professores pela má qualidade do ensino, mas não enxerga o verdadeiro problema e tenta resolvê-lo com receitas prontas e acabadas. Em São Paulo o governo criou  a progressão continuada, os ciclos, a avaliação contínua, a recuperação paralela, deu um novo sentido ao conceito de escola (a escola aprendente), deu também um novo sentido ao papel do coordenador. Contudo, nenhuma dessas ações surtiu efeito. As avaliações externas como Saresp, Saeb, Prova Brasil demonstram resultados pífios. O governo se exime da culpa e diz que o problema está na formação dos professores.  Desde então,  tem feito esforços para dar uma melhor formação aos professores através de cursos e de uma prática reflexiva nas HTPCs. Para o governo, os problemas educacionais são constantemente reduzidos a questões que podem ser resolvidas no âmbito do indivíduo, do esforço pessoal do professor. O professor é visto como o Messias da educação; é um ser dotado de inesgotável força de vontade que deve estar permanente disposto a se superar no cumprimento de sua missão. O importante é que cada um faça sua parte para que a educação melhore. O que o governo ainda não enxergou, por miopia, é que os problemas da educação são problemas políticos, sociais e culturais. São vários os fatores que levam o aluno a um déficit de aprendizagem. Citaremos apenas alguns deles:

Primeiro, é um problema de política pedagógica, pois institui a progressão continuada, que em termos práticos torna-se progressão automática. O aluno perde a motivação para aprender, pois sabe que não precisará fazer esforços para passar de ano. O professor torna-se impotente diante dessa situação e perde sua autoridade, pois a nota que ele aufere do aluno não tem valor Em conseqüência disso, a indisciplina se institucionaliza. A escola torna-se o local do encontro, da amizade, do namoro, da sociabilidade, mas quase nunca do ensino. Outro problema ligado à progressão continuada é fato de as crianças chegarem ao final do primeiro ciclo sem saber ler e escrever ou chegar ao ensino médio analfabetos funcionais, sendo incapazes de interpretar um texto.  Isso ocorre porque o aluno não consegue  aprender novas competências por causa de déficits de aprendizagem em séries anteriores. O aluno sente dificuldade de desenvolver novos esquemas mentais e conhecimentos  necessários exigidos. Dessa forma, ele não consegue assimilar os conteúdos e habilidades necessários para seguir em frente.

Segundo, o problema da educação é também um problema estrutural. A escola pública no Brasil tem um modelo arquitetônico prisional. Michel Foucault, filósofo Francês, já havia estudados os males que este tipo de arquitetura causa ao indivíduo. Para ele, este tipo de arquitetura é uma arquitetura de esquadrinhamento, da observação, da disciplina, do controle, cujo único objetivo e controlar os indivíduos criando seres dóceis e serviçais ao mercado de trabalho. O aluno  da escola pública vive numa prisão. A falta de comprometimento  nos estudos,  a desmotivação, a falta de interesse do aluno é em boa parte criada por esta estrutura prisional, onde as aulas tornam-se monótonas e chatas. Falta  a escola pública  uma estrutura material para que o aluno goste de estudar, como áreas verdes, quadras, equipamentos, salas de estudo, salas de teatro, salas de vídeo, salas de ginástica, biblioteca, materiais para uso em sala de aula, etc.  Um ambiente agradável com uma estrutura impecável é imprescindível para que o aluno aprenda.

Terceiro, o problema da educação é também social. Os problemas educacionais refletem as contradições da própria sociedade. Na base da educação há uma família geralmente carente material e intelectualmente. Pobreza, fome,  falta de trabalho e falta de perspectiva são fatores que minam a educação. O Brasil é um das dez maiores economias do mundo, mas em indicadores sociais ela está ao lado de Botsuana e Moçambique: 30 milhões vivem em estado de miséria; 80 milhões não conseguem consumir as 2240 calorias mínimas exigidas para uma vida normal; 60% dos trabalhadores no Brasil ganham até um salário mínimo. 50% da riqueza concentram-se nas mãos de 10% da população que ganham mais de dez salários. São Paulo, a cidade mais rica do Brasil, não foge a estes dados. O subemprego é uma realidade da grande maioria das famílias paulistas: faxineiras, camelos, lavadores de carro, pedreiros, pintores, eletricistas ocasionais são comuns. Tais pessoas apresentam baixo nível de consumo e renda e baixo nível educacional sendo incapazes de acompanhar seus filhos e dar uma boa assistência a eles.

Quarto, é um problema de política salarial e de valorização do professor. Os baixos salários, o descaso, o desrespeito, a imposição de políticas pedagógicas; tudo isso somado têm reflexos na educação. Os bons salários de alguns grupos de funcionários públicos, como os de juízes, promotores e políticos é provocado pelo subdesenvolvimento de outros grupos, como o de professores. Para que alguns grupos possam receber melhores salários e acumular patrimônios outros grupos necessitam ser explorados e sacrificados. O acesso aos benefícios está desigualmente repartido. Em consequência dos baixos salários e dos descasos com a classe, o professor perde a motivação, não tem prazer em dar aulas, resigna-se, não fazendo um bom trabalho.

Quinto, é um problema cultural, pois a sociedade não faz cobranças à escola. Nas escolas públicas não há colegiados, não há conselhos, não há grêmios escolares. As desvalorizações por parte da sociedade brasileira em relação ao saber e ao conhecimento têm reflexos em toda estrutura educacional. Uma sociedade que não valoriza o conhecimento é uma sociedade sem história, sem memória. A participação da sociedade como um todo nas questões educacionais deve ser o cimento que constrói a nossa cultura, que defende as sociedades locais, que preserve nossa memória e consciência contra as ameaças de grupos , de ideologias e de interesses políticos. A participação da comunidade na escola é imprescindível para melhorar a qualidade do ensino e para gerar a consciência política e reflexiva sobre os fatos.

Como vimos, O problema da  educação não pode se resolvido no âmbito do microcosmo da escola e do esforço individual de cada um. O governo reduz o problema da educação em termos operacionais, ao voluntarismo. “Escola da família”, “amigo da escola”, “escola para todos” são termos que nos mostram que cabe a comunidade e as professores resolver os problemas da educação. As ideias vinculadas à TV de um professor esforçado, voluntarioso, feliz, decidido a resolver os problemas da educação, não condiz com a realidade. Educação não é autoajuda Os problemas educacionais não podem ser resolvidos apenas no âmbito do individuo, da comunidade e do esforço pessoal do professor. O problema da educação é antes de tudo um problema político e social.

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Alfabetização entre crianças mais ricas é até 6 vezes maior que entre as pobres


Agência Brasil
As desigualdades na qualidade da educação começam cedo no Brasil, e crianças de famílias com nível socioeconômico mais alto têm desempenho considerado adequado desde a alfabetização. Entre aquelas com nível socioeconômico mais baixo, o percentual das que têm aprendizado adequado chega a ser seis vezes menor.

Os dados são de levantamento feito pelo movimento Todos pela Educação (TPE), com base nos resultados da Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA) de 2014. Entre as crianças que pertencem a camadas mais pobres da população, ou seja, cuja família tem renda de até um salário mínimo (R$ 937), apenas 45,4% têm o nível adequado, estabelecido pelo Ministério da Educação (MEC) em leitura; 24,9%, em escrita; e 14,3%, em matemática.

Entre as crianças de famílias mais ricas, com renda familiar acima de sete salários mínimos (R$ 6.559), os percentuais aumentam: 98,3% têm nível considerado adequado em leitura; 95,4%, em escrita, e 85,9%, em matemática. O levantamento do TPE levou em consideração o Indicador de Nível Socioeconômico (Inse) do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), que além de renda, inclui outros dados, como a escolaridade dos pais ou responsáveis.

"O que preocupa é notar que as desigualdades começam muito cedo", diz o gerente de Conteúdo do Todos pela Educação, Ricardo Falzetta. "Se tivesse um sistema funcionando muito bem, todos teriam as mesmas oportunidades, independentemente de raça, cor, religião, localidade. As condições socioeconômicas não mudam a capacidade da criança de aprender. Se tiver educação de qualidade, ela vai ter a mesma aprendizagem que qualquer outra criança."

A ANA é uma prova aplicada em todo o país para alunos do 3º ano do ensino fundamental, etapa em que se completa o ciclo de alfabetização. Pelos critérios do MEC, um desempenho adequado significa tirar pelo menos 500 pontos na prova escrita; mais de 425 em leitura; mais de 525 em matemática. No total, 2,5 milhões fizeram as provas em 2014. Desses, 1,4 milhão não têm aprendizagem adequada em matemática, 865 mil não têm em escrita e 558 mil não têm em leitura.

Esses estudantes não são capazes, por exemplo, de localizar informações em um texto ou de entender a sua finalidade. Em matemática, não são capazes de comparar quantidades ou de dividir pela metade.

Alfabetização obrigatória

"Essas crianças estão avançando nas séries sem o devido desenvolvimento. O domínio da língua passa a ser cada vez mais fundamental para avançar em todas as áreas", diz Falzetta. Ele ressalta, no entanto, que não é possível desistir dessas gerações. "Não adianta dizer que a culpa é de quem não alfabetizou direito. Tem que entender que vai haver crianças em turmas heterogêneas e que é preciso ter estratégias para cada grupo."

Ele reforça que ter uma escola bem preparada, com infraestrutura básica, acervo de livros disponível e que seja usado pelos professores, uma boa formação dos professores e participação dos pais, colabora para uma educação de qualidade, não apenas nos anos iniciais, mas em toda a escolarização.

Além disso, atenção maior deve ser dada aos grupos mais vulneráveis, para que avancem juntos. Os dados mostram que as desigualdades existem entre aqueles que moram na cidade e no campo e entre as regiões do país. A diferença no percentual de crianças com alfabetização adequada entre a área urbana e a rural chega a 14 pontos percentuais em leitura; 20,6 pontos, em escrita; e 17,5 pontos, em matemática, sendo que aqueles que moram na cidade têm melhor desempenho.

Entre as regiões, o Norte e o Nordeste registram os menores percentuais de crianças com alfabetização adequada. A diferença dessas regiões para as de melhor desempenho – Sudeste em leitura e matemática, e Sul em escrita – chega a 32 pontos percentuais em matemática 38,6 em escrita e 23,7 em leitura.

Fundado em 2006, o movimento Todos pela Educação estabelece cinco metas para que, até 2022, o Brasil garanta a todas as crianças e jovens o direito à educação de qualidade. Entre as metas está a de ter toda criança plenamente alfabetizada até os 8 anos. Por lei, pelo Plano Nacional de Educação (PNE), sancionado em 2014, o Brasil deve, até 2024, alfabetizar todas as crianças até o 3º ano do ensino fundamental.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

Piso dos professores tem reajuste de 7,64% e vai para R$ 2.298


O piso salarial dos professores em 2017 terá um reajuste de 7,64%. Com isso, o menor salário a ser pago a professores da educação básica da rede pública deve passar dos atuais R$ 2.135,64 para 2.298,80. O anúncio foi feito hoje (12) pelo Ministério da Educação (MEC).

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O piso salarial dos docentes é reajustado anualmente, seguindo aa regras da Lei 11.738/2008, a chamada Lei do Piso, que define o mínimo a ser pago a profissionais em início de carreira, com formação de nível médio e carga horária de 40 horas semanais.

O ajuste deste ano é menor que o do ano passado, que foi de 11,36%. O valor representa um aumento real, acima da inflação de 2016, que fechou em 6,29%. O novo valor começa a valer a partir deste mês.

"Significa um reajuste acima da inflação, cumprindo a legislação", disse o ministro da Educação, Mendonça Filho. "É algo importante porque significa, na prática, a valorização do papel do professor, que é central na garantia de uma boa qualidade da educação. Não se pode ter uma educação de qualidade se não tivermos professores bem remunerados e motivados", acrescenta.

A lei vincula o aumento à variação ocorrida no valor anual mínimo por aluno definido no Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). Pela lei, os demais níveis da carreira não recebem necessariamente o mesmo aumento, o que é negociado em cada unidade federativa.

Aumento de R$ 5,083 bilhões nos gastos municipais
Em um cenário de crise, o reajuste preocupa estados e municípios. Estudo divulgado pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM) mostra que o reajuste do piso salarial dos professores vai gerar um aumento de R$ 5,083 bilhões nos gastos municipais.

De acordo com a CNM, de 2009 a 2016 os gastos com a folha de magistério tiveram uma expansão de R$ 41,829
bilhões. O valor já cresceu 241,9%, muito acima da inflação relativa ao período e maior do que o próprio aumento das receitas do Fundeb.

O Fundeb é formado, na quase totalidade, por recursos provenientes dos impostos e transferências dos estados, Distrito Federal e municípios, vinculados à educação. Além desses recursos, ainda compõe o Fundeb, a título de complementação, uma parcela de recursos federais. Pelo menos 60% desses recursos devem ser destinados a pagamento de pessoal.

Segundo a CNM, atualmente, os municípios comprometem, em média, 78,4% dos recursos do Fundeb apenas com a folha de pagamento desses profissionais, de acordo com dados do Sistema de Informação sobre Orçamentos Públicos em Educação (Siope).

Em 2015, mais de 70 Municípios já comprometiam 100% desses recursos.

O ministro da Educação ressaltou que, ao final do ano passado, o governo antecipou o repasse de R$ 1,25 bilhão do Fundeb. "O pagamento foi honrado ainda dentro do exercício de 2016, o que não ocorria. O prazo para que o repasse fosse feito é até abril do ano subsequente", disse.

Ele acrescenta que, em 2017, os repasses aos estados e municípios serão mensais, "o que vai totalizar R$ 1,3 bilhão e ajudará o fôlego dos estados e municípios e suas respectivas folhas", finalizou.


Da Agencia Brasil

Piso salarial dos professores terá reajuste de cerca de 7,5%, calculam entidades


Agência Brasil
O Ministério da Educação (MEC) deve anunciar amanhã (12) o índice de reajuste do piso salarial dos professores de 2017 que, de acordo com cálculos de entidades educacionais, deverá ser de aproximadamente 7,5%. Com isso, o menor salário a ser pago a professores da educação básica da rede pública deve passar dos atuais R$ 2.135,64 para um valor entre R$ 2.285 a R$ 2.298. Uma reunião com com representantes dos estados, municípios e trabalhadores para discutir o assunto está marcada para amanhã. O encontro chegou a ser cancelado, mas foi confirmado na noite de hoje (11).

O piso salarial dos docentes é reajustado anualmente, seguindo aa regras da Lei 11.738/2008, a chamada Lei do Piso, que define o mínimo a ser pago a profissionais em início de carreira, com formação de nível médio e carga horária de 40 horas semanais. Pela lei, o anúncio do reajuste deve ser feito sempre em janeiro. O ajuste deste ano deverá ficar 1,2 ponto percentual acima da inflação de 2016, que fechou em 6,29%.

A reunião é a primeira do ano do Fórum Permanente para Acompanhamento da Atualização Progressiva do Valor do Piso Salarial Nacional, criado em 2015 com o objetivo de discurtir formas mais sustentáveis de pagar os professores. O Fórum é composto por representantes do MEC e por entidades como o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE).

Crise
Para estados e municípios, em um contexto de crise orçamentária, o reajuste vai pesar nas contas. “Hoje, no Brasil, a grande dificuldade dos estados é conseguir responder às obrigações correntes. Temos pelo menos 15 estados que estão apresentando dificuldade para pagar os salários correntes, alguns precisam de renegociação de dívida com o governo federal”, afirma o diretor institucional do Consed, Antônio Neto. “Os estados estão apresentando dificuldade a qualquer tipo de reajuste do servidor público. Essa questão está diretamente ligada à dificuldade na arrecadação”.

Nos municípios, a situação é semelhante. “Nos dois últimos anos essa questão foi bastante complicada para os gestores municipais. O piso tem crescido, desde a criação, em velocidade maior que a inflação e maior que o crescimento real do Fundeb [Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação]”, diz o presidente da Undime, Alessio Costa Lima. Segundo ele, os municípios deverão apostar na gestão e reorganização das redes de ensino para cumprir o pagamento mínimo. 

Para a CNTE, é preciso um esforço dos entes para garantir a qualidade da educação. “Precisa de muita determinação e muito compromisso com a educação por parte dos gestores públicos para entender que não vai ter educação de qualidade se não tiver professores e funcionários trabalhando com um salário decente. O reajuste deve ocorrer mesmo com toda a crise que possa estar acontecendo”, defende o presidente da confederação, Roberto Franklin de Leão.

Novas regras
Nem estados e nem municípios negam a importância do reajuste a da valorização dos professores, fundamentais para a melhoria da qualidade da educação. Os gestores defendem, no entanto, uma revisão da lei do piso, para que haja critérios de reajuste "mais factíveis" aos entes e que permitam um reajuste também para o restante da carreira.

A lei vincula o aumento à variação ocorrida no valor anual mínimo por aluno definido no Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). Pela lei, os demais níveis da carreira não recebem necessariamente o mesmo aumento. Isso é negociado em cada ente federativo.

“Defendemos o piso nacional, mas defendemos um mecanismo que seja compatível e tenha sustentabilidade financeira. Algumas possibilidades foram discutidas, mas o cenário econômico é outro e requer sentar à mesa e chegar a um reajuste compatível com a economia”, diz Lima. “Se não estabelecermos fontes claras de financiamento para que possamos organizar a educação do Brasil poderemos perder o bonde da história”, acrescenta Neto.

Já a CNTE defende a manutenção das regras atuais, que favorecem ganhos reais aos professores e a valorização desses profissionais. "De jeito nenhum vamos levar à reunião alguma proposta de mudança da lei”, diz Leão.

Valorização dos professores
Em 2009, quando a Lei do Piso entrou em vigor, o pagamento mínimo para professores passou de R$ 950 para R$ 1.024,67, em 2010, e chegou a R$ 1.187,14 em 2011. No ano seguinte, o piso passou a ser R$ 1.451. Em 2013, subiu para R$ 1.567 e, em 2014, foi reajustado para R$ 1.697. Em 2015, o valor era R$ R$ 1.917,78. Na série histórica, o maior reajuste do piso foi registrado em 2012, com 22,22%. No ano passado, o reajuste foi de 11,36%.

Apesar do crescimento, atualmente, os professores recebem o equivalente a 54,5% do salário das demais carreiras com escolaridade equivalente. A melhoria da remuneração dos professores faz parte do Plano Nacional de Educação (PNE), lei que prevê metas para a educação até 2024. Até 2020, os docentes terão que ter rendimento equiparado ao dos demais profissionais com escolaridade equivalente.

Falta de dados
Não há oficialmente um levantamento que mostre com exatidão o valor da remuneração dos professores da rede pública no país, tanto nos estados, quanto nos municípios. No ano passado, a CNTE divulgou um levantamento no qual mostra que mais da metade dos estados brasileiros não cumpre o salário estipulado na Lei do Piso. Eram 14 os estados que pagam aos professores menos do que os R$ 2.135,64 por mês.

Para buscar mais transparência, o Ministério Público Federal assinou um acordo com o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) para disponibilizar um sistema que estados e municípios possam informar o salário de cada professor. O cronograma para a implementação desse sistema vai até agosto de 2017.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Doutrinação comunista? Não! Educação libertadora

Por Wesley Sousa

De onde veio essa ideia da “doutrinação marxista”? Ao que parece, essa picuinha começou em 2007 quando o Ali Kamel, um dos diretores executivos da Globo começou a encher o saco por causa dos livros Nova Historia Crítica do Mario Schmit, acusando de fazer propaganda comunista, mas também, pode ser advinda do pseudo-pensador, astrólogo e diarreico mental Olavo de Carvalho, conhecido por suas posições “de direita”, normalmente vinculadas à cultura “letrada” ao qual forma-se uma legião de zumbis com repulsa ao “fantasma vermelho” – comunismo.

O que Olavo se esqueceu de dizer é que a educação é, e sempre foi, um ato político. Não foram os “esquerdistas”, ou Paulo Freire, que inventaram isso. Ensinar é um ato político, a despeito de se ter ou não consciência disso. Não apenas os conteúdos que ensinamos, mas forma pela qual o fazemos.

Acho que as pessoas têm todo o direito de não gostar de Marx ou de Paulo Freire, e de fato há um forte vínculo entre os dois. Mas o legado de Freire vai muito além do marxismo. Aliás, reduzi-lo a ideias comunistas ou doutrinantes é um delírio de quem vê inimigos vermelhos por toda parte. Paulo Freire é uma das grandes referências (se não a maior) da educação brasileira no exterior.

Deixo aqui algumas frases de Paulo Freire para salientar que, de “doutrinação marxista”, a educação libertadora posposta por ele não é, nem longe, uma espécie de rédeas psicológicas ou limitações ideológicas:

“Educação não transforma o mundo. Educação muda pessoas. Pessoas transformam o mundo.”

“Quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser o opressor”.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

Publicada lei que repassa encargos do Fies para instituições de ensino


Agência Brasil
A lei que modifica as regras de acesso ao Programa de Financiamento Estudantil (Fies) foi publicada hoje no Diário Oficial da União. Com isso, a União transfere parte dos encargos do Fies para as instituições de ensino superior privadas que participam do programa. A alteração foi feita por meio de medida provisória aprovada no mês passado pelo Congresso Nacional. 

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Com a entrada em vigor da nova lei, as instituições privadas de ensino superior deverão assumir a responsabilidade pelo pagamento, aos bancos, dos encargos decorrentes da concessão do financiamento estudantil. De acordo com a MP, a remuneração será de 2% sobre o valor dos encargos educacionais liberados.

Antes da medida, o pagamento dos encargos era bancado pela União. A lei que criou o Fies estabeleceu a remuneração de 2% aos bancos sobre o valor dos encargos educacionais liberados. Para o governo, a instituição de um modelo de financiamento estudantil com maior participação das instituições de ensino, beneficiadas no custeio do programa, irá fortalecer o fundo.

Neste ano, o atraso no pagamento desses encargos, por falta de dinheiro da União, levou ao congelamento das renovações das matrículas dos estudantes. Geralmente, eles fazem o aditamento do Fies no início do semestre. Isso só pode ser feito no final de outubro, após a aprovação de recursos extras.

Consequências
A mudança vai gerar, segundo o Ministério da Educação, uma economia de cerca de R$ 400 milhões com o programa este ano. Com a medida, a União deixará de pagar ao Banco do Brasil e à Caixa Econômica Federal as taxas administrativas de 2% dos encargos educacionais liberados para as instituições de ensino.

De acordo com o Sindicato das Mantenedoras de Ensino Superior (Semesp), as instituições, no entanto, terão uma elevação de gastos que, junto com outras despesas que têm que arcar do Fies, totalizarão o equivalente a 13,24% das mensalidades. Repassar essas despesas para os estudantes significaria uma elevação nas mensalidades de 0,5%, além da inflação para o ano que vem. A entidade, no entanto, acredita que esse custo não será repassado aos estudantes devido às dificuldades financeiras que muitos deles enfrentam.

Sobre o Blog

Este é um blog de ideias e notícias. Mas também de literatura, música, humor, boas histórias, bons personagens, boa comida e alguma memória. Este e um canal democrático e apartidário. Não se fundamenta em viés políticos, sejam direcionados para a Esquerda, Centro ou Direita.

Os conteúdos dos textos aqui publicados são de responsabilidade de seus autores, e nem sempre traduzem com fidelidade a forma como o autor do blog interpreta aquele tema.

Dag Vulpi

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