Por
Michel Aires de Souza no Filosofonet
O
governo culpa os professores pela má qualidade do ensino, mas não enxerga o
verdadeiro problema e tenta resolvê-lo com receitas prontas e acabadas. Em São
Paulo o governo criou a progressão continuada, os ciclos, a avaliação
contínua, a recuperação paralela, deu um novo sentido ao conceito de escola (a
escola aprendente), deu também um novo sentido ao papel do coordenador.
Contudo, nenhuma dessas ações surtiu efeito. As avaliações externas como
Saresp, Saeb, Prova Brasil demonstram resultados pífios. O governo se exime da
culpa e diz que o problema está na formação dos professores. Desde então,
tem feito esforços para dar uma melhor formação aos professores através
de cursos e de uma prática reflexiva nas HTPCs. Para o governo, os problemas
educacionais são constantemente reduzidos a questões que podem ser resolvidas
no âmbito do indivíduo, do esforço pessoal do professor. O professor é visto
como o Messias da educação; é um ser dotado de inesgotável força de vontade que
deve estar permanente disposto a se superar no cumprimento de sua missão. O
importante é que cada um faça sua parte para que a educação melhore. O que o
governo ainda não enxergou, por miopia, é que os problemas da educação são
problemas políticos, sociais e culturais. São vários os fatores que levam o
aluno a um déficit de aprendizagem. Citaremos apenas alguns deles:
Primeiro, é um problema de política pedagógica, pois
institui a progressão continuada, que em termos práticos torna-se progressão
automática. O aluno perde a motivação para aprender, pois sabe que não
precisará fazer esforços para passar de ano. O professor torna-se impotente
diante dessa situação e perde sua autoridade, pois a nota que ele aufere do
aluno não tem valor Em conseqüência disso, a indisciplina se institucionaliza.
A escola torna-se o local do encontro, da amizade, do namoro, da sociabilidade,
mas quase nunca do ensino. Outro problema ligado à progressão continuada é
fato de as crianças chegarem ao final do primeiro ciclo sem saber ler e escrever
ou chegar ao ensino médio analfabetos funcionais, sendo incapazes de
interpretar um texto. Isso ocorre porque o aluno não consegue
aprender novas competências por causa de déficits de aprendizagem em séries
anteriores. O aluno sente dificuldade de desenvolver novos esquemas mentais e
conhecimentos necessários exigidos. Dessa forma, ele não consegue
assimilar os conteúdos e habilidades necessários para seguir em frente.
Segundo, o problema da educação é também um problema
estrutural. A escola pública no Brasil tem um modelo arquitetônico prisional.
Michel Foucault, filósofo Francês, já havia estudados os males que este tipo de
arquitetura causa ao indivíduo. Para ele, este tipo de arquitetura é uma
arquitetura de esquadrinhamento, da observação, da disciplina, do controle,
cujo único objetivo e controlar os indivíduos criando seres dóceis e serviçais
ao mercado de trabalho. O aluno da escola pública vive numa prisão. A
falta de comprometimento nos estudos, a desmotivação, a falta de
interesse do aluno é em boa parte criada por esta estrutura prisional, onde as
aulas tornam-se monótonas e chatas. Falta a escola pública uma
estrutura material para que o aluno goste de estudar, como áreas verdes,
quadras, equipamentos, salas de estudo, salas de teatro, salas de vídeo, salas
de ginástica, biblioteca, materiais para uso em sala de aula, etc. Um
ambiente agradável com uma estrutura impecável é imprescindível para que o
aluno aprenda.
Terceiro, o problema da educação é também social. Os
problemas educacionais refletem as contradições da própria sociedade. Na base
da educação há uma família geralmente carente material e intelectualmente.
Pobreza, fome, falta de trabalho e falta de perspectiva são fatores que
minam a educação. O Brasil é um das dez maiores economias do mundo, mas em
indicadores sociais ela está ao lado de Botsuana e Moçambique: 30 milhões vivem
em estado de miséria; 80 milhões não conseguem consumir as 2240 calorias
mínimas exigidas para uma vida normal; 60% dos trabalhadores no Brasil ganham
até um salário mínimo. 50% da riqueza concentram-se nas mãos de 10% da
população que ganham mais de dez salários. São Paulo, a cidade mais rica do
Brasil, não foge a estes dados. O subemprego é uma realidade da grande maioria
das famílias paulistas: faxineiras, camelos, lavadores de carro, pedreiros,
pintores, eletricistas ocasionais são comuns. Tais pessoas apresentam baixo
nível de consumo e renda e baixo nível educacional sendo incapazes de
acompanhar seus filhos e dar uma boa assistência a eles.
Quarto, é um problema de política salarial e de
valorização do professor. Os baixos salários, o descaso, o desrespeito, a
imposição de políticas pedagógicas; tudo isso somado têm reflexos na educação.
Os bons salários de alguns grupos de funcionários públicos, como os de juízes,
promotores e políticos é provocado pelo subdesenvolvimento de outros grupos,
como o de professores. Para que alguns grupos possam receber melhores salários
e acumular patrimônios outros grupos necessitam ser explorados e sacrificados.
O acesso aos benefícios está desigualmente repartido. Em consequência dos
baixos salários e dos descasos com a classe, o professor perde a motivação, não
tem prazer em dar aulas, resigna-se, não fazendo um bom trabalho.
Quinto, é um problema cultural, pois a sociedade não
faz cobranças à escola. Nas escolas públicas não há colegiados, não há
conselhos, não há grêmios escolares. As desvalorizações por parte da sociedade
brasileira em relação ao saber e ao conhecimento têm reflexos em toda estrutura
educacional. Uma sociedade que não valoriza o conhecimento é uma sociedade sem
história, sem memória. A participação da sociedade como um todo nas questões
educacionais deve ser o cimento que constrói a nossa cultura, que defende as
sociedades locais, que preserve nossa memória e consciência contra as ameaças
de grupos , de ideologias e de interesses políticos. A participação da
comunidade na escola é imprescindível para melhorar a qualidade do ensino e
para gerar a consciência política e reflexiva sobre os fatos.
Como
vimos, O problema da educação não pode se resolvido no âmbito do
microcosmo da escola e do esforço individual de cada um. O governo reduz o
problema da educação em termos operacionais, ao voluntarismo. “Escola da
família”, “amigo da escola”, “escola para todos” são termos que nos mostram que
cabe a comunidade e as professores resolver os problemas da educação. As ideias
vinculadas à TV de um professor esforçado, voluntarioso, feliz, decidido a
resolver os problemas da educação, não condiz com a realidade. Educação não é autoajuda
Os problemas educacionais não podem ser resolvidos apenas no âmbito do
individuo, da comunidade e do esforço pessoal do professor. O problema da
educação é antes de tudo um problema político e social.
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