
Por
Michel Aires de Souza
Adorno detectou que a formação no mundo
contemporâneo reproduz os valores, o imaginário e as condições sociais
dominantes do sistema cultural. Na falta de uma consciência crítica a
realidade política, econômica e social determina o indivíduo em seu íntimo,
naquilo que deveria ser o núcleo de sua autonomia. Desse modo, o sujeito
passa a ser determinado por instâncias heterônomas, não possui liberdade para
deliberar sua vontade com absoluta autonomia. No seu artigo “Educação e Emancipação”, Adorno
diagnosticou que nossa época carece de esclarecimento, uma vez que existe uma “pressão inimaginável exercida sobre as
pessoas, seja simplesmente pela própria organização do mundo, seja num sentido
mais amplo, pelo controle planificado até mesmo de toda a realidade interior
pela indústria cultural.” (ADORNO, 1995, p. 181) As pessoas são formadas
pela sociedade mediante várias instâncias mediadoras, de tal modo que tudo
absorvem e aceitam em termos desta configuração alienada. Desse modo, a
formação dos sujeitos se confunde cada vez mais com um adestramento, com uma
adaptação aos mecanismos que regulam a produção e que se disseminam para todo o
âmbito da vida. (MAIA, 2007)
Em
suas obras, Adorno refletiu profundamente sobre a dissolução do sujeito
autônomo. No ensaio Sociedade, ele afirma que de maneira planejada “os sujeitos são impedidos de saberem como
sujeitos. A oferta de mercadorias que se abate qual avalanche sobre eles contribui
para isto, da mesma forma que a indústria cultural e incontáveis
mecanismos diretos e indiretos de controle”. (ADORNO apud MAAR, 2009,
p.26). Os meios de comunicação, em nossa época, representaram a
degradação da formação cultura e, em consequência disso, a perda da
autonomia dos sujeitos. No ensaio “Teoria
da Semicultura” (1996), Adorno mostrou que a formação cultural
converteu-se em semiformação, entendida como uma espécie de semicultura, cuja
característica é ser unidimensional e limitada. A semiformação é
uma formação “definida a priori”, que se tornou “forma dominante da consciência”, convertendo-se em “semiformação socializada”, sob a
determinação da indústria cultural. Todos os produtos e as criações
da indústria cultural estão voltados e adaptados ao consumo de massa. Os
produtos são criados com o fim da rentabilidade econômica, de integração e
adaptação dos indivíduos a sociedade do consumo. Se a formação cultural da
burguesia exigiu certo esforço intelectual, concentração espiritual e
sensorial, a semiformação, ao contrário, simplificou os elementos
complexos, adaptando-os e tornando-os desprovidos de qualquer conteúdo
espiritual. Os conteúdos críticos, negativos e emancipadores foram
neutralizados, perdendo suas características transcendentes. A cultura
converteu-se, assim, num valor, tornou-se adaptação ao conformar os indivíduos
a vida real. Em consequência disso, a autonomia do homem enquanto
indivíduo, a sua capacidade de opor resistência ao crescente mecanismo de
manipulação da massa, o seu poder de imaginação e o seu juízo independente
sofreram uma redução. O avanço dos recursos técnicos de informação se
acompanha de um processo de desumanização. Assim, o progresso acabou por anular
a ideia do homem. (HORKHEIMER, 1976)
Com o advento da indústria cultural, os
sujeitos têm sua formação mediada por imagens. Nas sociedades pré-capitalistas a
civilização ocidental valorizava as palavras, o discurso. Já no século XX, com
a difusão dos meios de comunicação de massa, a tradição escrita foi
abalada. As imagens tornaram-se mais importantes que a escrita. Elas
ganharam grande poder ideológico, pois modificaram a realidade e adulteram-na
em benefício dos interesses de classe. Segundo Sontag (1981), uma
sociedade torna-se moderna quando uma de suas principais atividades passa a ser
a produção e o consumo de imagens, quando as imagens passam a determinar nossas
exigências com respeito à realidade e são elas mesmas substitutas cobiçadas da
experiência autêntica, tornam-se indispensáveis a boa saúde da economia, à
estabilidade política e à busca da felicidade individual. Quando Adorno e
Horkheimer pensaram a ideia de esquematismo Kantiano, no ensaio Indústria
Cultural, eles estavam entendendo que os meios de comunicação de massa
produzem uma engenharia do real. Ela constrói a realidade como representação
com o ampara da técnica e do capital, impedindo os indivíduos de atingirem a
verdadeira consciência da realidade. A função que o esquematismo
kantiano ainda atribuía ao sujeito, a saber, de referir de antemão a
multiplicidade sensível aos conceitos fundamentais, é tomada ao sujeito pela
indústria cultural. O esquematismo é o primeiro serviço prestado por ela ao
cliente. (ADORNO, 1985)
Na avaliação de Adorno (1995), a
organização social ao qual vivemos continua sendo heterônoma, uma vez que
ninguém mais pode existir na sociedade atual conforme suas próprias
determinações. Por esta razão, ele pensa que somente a educação pode emancipar
os sujeitos. Mas, para isso, é imprescindível uma educação política, que
desenvolva nos sujeitos a consciência de que os homens são enganados de modo
permanente. Ele acredita que se todos ganhassem consciência em relação a essas
questões, isso poderia resultar em uma critica imanente da sociedade.
No pensamento de Adorno, “a teoria social é na realidade uma abordagem
formativa, e a reflexão educacional constitui uma focalização político-social.
Uma educação política”. (MAAR, 1995, p.15) Em seus textos sobre educação,
ele demonstrou seu otimismo em relação ao homem para se
aperfeiçoar, se instruir, superando as crenças, as superstições e toda
forma de tutela, tornando o senhor de si mesmo. O sujeito
esclarecido é aquele que se serve de seu próprio entendimento sem a tutela de
outro indivíduo. Do ponto de vista do Esclarecimento, a liberdade
exige a autonomia plena da razão perante lógicas externas, heterônomas a ela.
Nesse sentido, a educação, segundo o frankfurtiano, deve visar à autonomia
e à emancipação. É necessário que se volte às contradições sociais
e não tente negar sua existência, para isso, deve ser sobretudo educação
política. A educação também deve se voltar para a crítica da ideologia,
disseminada pela indústria cultural. Adorno sugere que o filme, o jornal, o
livro, na escola, sejam alvos de análise por professores para a explicitação
dos mecanismos utilizados nesses produtos, que visam a captar o consumidor, e o
levam a manter desejos infantis. (CROCHIK,2007) Assim, o processo pedagógico
deve desenvolver a capacidade de informação e entendimento para uma análise e
avaliação da sociedade em que vivemos. Ela deve preparar os sujeitos para a não
aceitação, a manifestação, o afrontamento e a revolta, pois nos ensina a romper
com as maneiras de ver, sentir e compreender as coisas.
A primeira exigência da educação para
Adorno (1995) é que “Auschwitz não se
repita”. Qualquer debate sobre educação que não leve em consideração esse
princípio não tem sentido, carece de importância. Cabe aos estabelecimentos de
ensino, portanto, desvelar os mecanismos que levam as pessoas a cometerem tais
atrocidades. É necessária uma consciência geral acerca desses mecanismos.
Desse ponto de vista, a educação deve desenvolver uma sensibilidade
contrária a violência, e sensível aos oprimidos, carentes e necessitados; que
desvele os mecanismos de opressão da sociedade administrada, e que pense a
violência e barbárie cometidas pelo mundo ocidental. Assim, “a única concretização efetiva da emancipação
consiste em que aquelas poucas pessoas interessadas nesta direção orientem toda
a sua energia para que a educação seja uma educação para a contestação e para a
resistência.” (ADORNO, 1995, p. 183)
Para que os indivíduos se emancipem, é
necessário que eles compreendam os mecanismos que produzem a consciência
alienada. Em Mínima Moralia, Adorno (1993) afirma que quem quiser saber a
verdade acerca da vida imediata tem que investigar sua configuração alienada,
investigar os poderes objetivos que determinam a vida individual. Ou seja, para
se compreender o mundo em que vivemos é necessário o esclarecimento sobre os
mecanismos pela qual a cultura se converte em mercadoria, e a sociedade,
em seu processo de reprodução material, torna-se reificação, determinando as
condições objetivas da subjetividade. Assim, a emancipação como “conscientização”‘ é a reflexão racional
pela qual o que parece ordem natural, essencial na sociedade cultural,
decifra-se como ordem socialmente determinada em dadas condições de produção
real efetiva da sociedade. (MAAR, 2003)
O que se torna relevante é que os
indivíduos sejam capazes de julgar a sociedade contemporânea. Para isso, devem
ter a capacidade de informação e entendimento para uma análise e avaliação das
sociedades em que vivem. Assim, é através da escola que se deve fomentar a
prática política que leve a cabo desenvolver nos sujeitos a consciência das
possibilidades transcendentes de liberdade. Desse modo, a educação em Adorno é
uma “pedagogia do esclarecimento”,
onde “a educação política é levada a
sério e não como simples obrigação inoportuna” (ADORNO, 1995, p.45). Nesse
sentido, a emancipação só pode se tornar possível a partir do desvelamento dos
fundamentos ocultos da dominação. Desse modo, será possível uma mudança
na percepção do mundo capitalista por parte dos sujeitos, expondo publicamente
as ideologias, os interesses de classe, a manipulação dos fatos, a relatividade
da ordem e dos valores. A educação é herdeira da ilustração, uma vez que
sua tarefa é esclarecer, é explicar como as coisas são, como as coisas
funcionam. O individuo educado amplia seus horizontes, alarga sua mente,
desafia o que está dado e constituído. Mesmo sendo sujeitos singulares,
com vontades e interesses particulares, devem transcender a mera subjetividade.
Com isso, amadureceriam e compreenderiam as forças históricas que poderiam
transformar a sociedade em uma verdadeira universalidade. Em função disso,
surgiriam novos valores morais, estéticos e intelectuais, que apontariam para a
construção de uma existência pacificada.
E o maior obstáculo desse país seja justamente a educação onde nos encontramos, infelizmente, entre os últimos já que a prioridade nesse “estado-nação” seja formar analfabetos e alineados “braçais e funcionais” incapazes de reivindicar o direito mas básico em um regime democrático, o de escolher já que alguém já fez essa escolha por ele; Uma educação que se tornou uma mera mercadoria tendo o seu valor no quanto ele paga assim como na cultura que se destaca pela frivolidade passada através dos veículos monopolizados de comunicação e consequentemente uma situação social-cultural fragmentado a se lamentar….
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