Por Luis Nassif na Agencia Congresso
Peça 1 – o fator Espírito Santo
Trava-se no Espírito Santo a primeira grande
batalha de desmonte do estado brasileiro. O governador Paulo Hartung é o
candidato ao teste piloto.
A crise fiscal do Estado não é de sua
responsabilidade, mas da política econômica que começou com o pacote Joaquim
Levy e foi agravada pelo boicote pré-impeachment e pela política econômica de
Michel Temer, uma política suicida que não tem como objetivo a superação da
crise, mas o uso da crise para o desmonte do Estado.
Posto ante o dilema da crise fiscal, a fórmula
Hartung segue apenas o mainstream do Congresso, mídia e governo Temer.
Foi incensado como exemplo do governante
responsável poucos dias antes de consumado o desastre. Sua estratégia consistiu
em:
· Precarização dos
serviços públicos e dos direitos sociais;
· políticas de
incentivos à atração de empresas sem avaliação custo-benefício.
· nenhum diálogo com
os setores afetados e despreocupação em amenizar os efeitos dos desmanches.
Hartung tornou-se um projeto piloto, um Michel
Temer de laboratório. Se for derrotado pela PM o movimento se alastrará por
todo o país.
A rebelião da Polícia Militar é apenas o ensaio
perigoso -- porque em uma corporação armada – das reações do funcionalismo
público.
Por outro lado, é um governante autoritário, pouco
propenso ao diálogo e com um histórico de truculência que chegou ao ponto de,
na primeira gestão, adquirir um equipamento Guardião para grampear telefones de
um jornal local, buscando identificar informações delicadas contra ele.
Por isso, a saída previsível é a do confronto
total, tentar impor uma rendição incondicional à PM, uma irresponsabilidade
mesmo em caso de vitória: será deixar a segurança do estado a mercê de uma
corporação humilhada e exposta a contatos com organizações criminosas.
O usual seria a Presidência decretar intervenção
federal. Mas Temer evitará devido ao artigo 60 da Constituição Federal
Art. 60. (...)
§ 1º A Constituição não poderá ser emendada na
vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio.
Ou seja, intervindo no Espírito Santo, teriam que
ser interrompidas todas as votações de emendas constitucionais.
Criou-se, então, uma gambiarra, com as Forças
Armadas assumindo provisoriamente a segurança do Estado sabe-se lá até quando,
um quadro complexo que as joga no epicentro político do país.
Por outro lado, Hartung monta um jogo de cena com
uma proposta fake de acordo, cuja intenção foi rapidamente captada pela PM:
dividir a corporação, fazê-la voltar às ruas, mas mantendo a denúncia contra
700 PMs e, depois de vencida a etapa, inquéritos contra os revoltosos. Ou seja,
criminalização de qualquer reação contra o desmanche.
Peça 2 – o padrão de gestão Hartung-Temer
Não se cometa a injustiça de comparar o nível de
Paulo Hartung com o de Temer. Este representa o pensamento do baixo clero, uma
espécie de chefe do bas-fond.
Já Hartung pertence a uma geração que, nos anos 90,
representou um avanço relativo na gestão pública, com a compreensão da
importância da criação do ambiente econômico para a atração de empresas e a
adoção de algumas ferramentas novas para a gestão pública.
Mas não avançou além disso.
Aliás, esta é uma das facetas da maldição do
subdesenvolvimento. O sujeito consegue um upgrade mínimo sobre o momento
anterior, e estratifica, apega-se a slogans, a simplificações ideológicas, a
desenhos de país estático a manuais de empresas privadas, trocando o trabalho
político pelo padrão sargentão de repartição.
Hartung não conseguiu compreender as diferenças
entre gestor público e privado, nem soube utilizar adequadamente as ferramentas
de análise de investimentos para o objetivo final da gestão pública: a melhoria
das condições de vida e de elevação do IDH do estado.
Enquanto arrochava o salário dos servidores, montou
uma agressiva política de subsídios visando atrair empresas para o Estado, mas
com base em análises frágeis da relação custo-benefício.
Para um gestor público responsável, o princípio
básico a nortear uma política de subsídios responsável deveria ser:
1. Se a empresa não se
instalar no Estado, não haverá tributos a serem recolhidos. Por isso mesmo, é
indevido o exercício de considerar como perda o tributo que deixou de ser pago
na fase de incentivo.
2. No entanto, há que se
efetuar um levantamento minucioso das externalidades positivas e negativas.
Dentre as negativas, há os serviços de infraestrutura bancados pelo Estado e os
gastos públicos decorrentes da operação da empresa. Por exemplo, exigências de
investimento em infraestrutura, saneamento visando o tratamento do lixo industrial,
gastos para minimizar impactos ambientais, os impactos na segurança etc. Dentre
as positivas, a geração de empregos e a criação de uma cadeia de fornecedores.
Tudo isso tem que ser previsto no papel,
devidamente pesado, as despesas, as contrapartidas até que o fluxo de tributos
seja recomposto e o Estado comece a receber.
Hartung passou ao largo dessas análises.
No Portal de Transparência do Estado, escondeu os
dados que permitiriam uma análise mais apurada dos subsídios concedidos. Não se
trata de uma esbórnia, tipo Sérgio Cabral, mas de uma falta de visão sistêmica
e de responsabilidade como gestor público, como se a única função do governante
fosse criar condições para novos investimentos, independentemente dos custos
que recaem sobre o Estado. Se isso for exemplo de sucesso de gestão, Deus que
salve o país dos supostos bons gestores.
Peça 3 – os simulacros de CEOs
O estilo Paulo Hartung não se resume a isso.
Ao longo de sua vida política, notabilizou-se pelo
padrão de déspota esclarecido, cujo guru maior foi José Serra que, em cargos
relevantes – prefeito e governador de São Paulo – jamais logrou uma política
criativa sequer.
Vendia-se a ideia de que qualquer benefício ao contribuinte
ou a grupos sociais vulneráveis era sinal de fraqueza.
E
que os governantes seriam dotados da sabedoria divina, linha direta com Deus,
não precisando de conselhos.
Grande
governante era o que se dedicasse exclusivamente a impor sacrifícios à
população, transformando a responsabilidade fiscal em valor absoluto, um
anacronismo resultante da visão incorreta do papel do gestor público.
Mais
que isso, as políticas sociais se resumem a obras de pequeno alcance, visando
apenas o impacto midiático – não nos indicadores gerais. São projetos pilotos
permanentes, pela falta de compromisso com a universalização dos avanços.
Foi
assim com o projeto de escola integral, modelo de alcance restrito, enquanto a
maioria das escolas é submetida ao esgarçamento orçamentário.
A
blindagem a Hartung é tão forte nas Organizações Globo – com exceção do grupo
Gazeta, que a representa no Espírito Santo – que, na ânsia de sacralizar
Hartung, cometem-se paradoxos explícitos.
Por
exemplo, atribui-se a ele a grande vitória contra o crime organizado no
Espírito Santo. No entanto, para desqualificar a greve da PM, começam a ser
atribuídos a supostos esquadrões da morte, grupos de PMs acumpliciados com o
crime organizado, parte significativa da matança registrada nesses dias de
greve.
Posto
assim, o crime organizado continua mais ativo do que nunca e incrustrado no
aparelho policial. O que teria ocorrido seria apenas um pacto de não-agressão,
tipo o que o PCC fechou com o governo de São Paulo.
Peça 4 – o tsunami a caminho
A
Globo é um brontossauro, com muito músculo e pouco cérebro. Seu papel de principal
agente político do país esbarra na absoluta incapacidade de avaliar a gravidade
da situação, como se ela própria acreditasse no mundo virtual criado por seus
telejornais e pela parcialidade gritante da Globonews.
Longe
do mundo ideal criado pela Rede Globo, a situação do Espírito Santo é a
seguinte, segundo a visão de A Gazeta:
“(...) Turbinado pela propaganda do governo, o nosso humilde
Estado vinha sendo cantado em prosa e verso, como espécie de paraíso de
prosperidade, responsabilidade fiscal, ordem social e qualidade na prestação
dos serviços públicos. Bem, o castelo desmoronou, a ilusão se desfez, e essa
crise sem precedentes na segurança pública estadual desvelou, de uma maneira
brutal, o que esse discurso propagandeado aos quatro cantos tinha de fantasioso
e artificial. A realidade é bem mais dura.
(...) Alguns desses óbvios problemas foram descortinados da
pior e mais traumática forma por essa onda de violência:
· Uma
insatisfação latente do funcionalismo público estadual, que se sente sacrificado
pelo arrocho fiscal implementado (panela de pressão que estava a ponto de
explodir a qualquer momento);
· A
fragilidade e a suscetibilidade de instituições fundamentais à ordem pública,
como a PMES; o sucateamento e a precarização de serviços públicos essenciais
(hoje o grito foi dos servidores da Segurança, amanhã poderá ser os da Saúde e
os da Educação, se não se prestar atenção);
· A
dificuldade, a letargia e a demora da equipe de governo em reagir a uma crise
de tal gravidade, que pôs a população de joelhos e entregue a um estado de
calamidade pública;
· (...)
A vulnerabilidade, enfim, desse pacto social tão frágil sobre o qual se
sustenta a nossa vida cotidiana, em qualquer parte do mundo.
A
cegueira da chamada elite brasileira é inédita entre países com a dimensão do
Brasil. Posturas críticas racionais, como a da Gazeta, inexistem nos órgãos da
chamada grande imprensa do eixo Rio-SãoPaulo, principal avalizadora desse
suicídio soberano cometido pela política econômica.
Há
um claro desmonte social, uma acelerada perda de legitimidade e de autoridade
nos mais diversos escalões da sociedade. A persistência dessa política
restritiva, mais os efeitos da PEC 55, agravarão ainda mais a crise.
A
falta de limites da camarilha de Temer, a maneira como está atuando no Supremo
Tribunal Federal (STF) e no Congresso acelerarão ainda mais a desagregação
social e política.
O
fundo do poço ainda está distante. E a cada dia fica mais nítido que a
gambiarra Temer não terá condições de resistir ao tsunami.
Tratem
de aprimorar o golpe!
*Luis Nassif é jornalista