segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

Há uma onda reacionária na opinião pública brasileira?


Por Marcelo Fantaccini brito no Trincheiras

Há uma onda reacionária na opinião pública falante brasileira nos dias atuais?

Este tema vem sendo bastante discutido em colunas na imprensa e em postagens nas redes sociais. Já em Janeiro, Vladimir Safatle escreveu uma boa coluna sobre o tema. Ele é dos que consideram que existe mais ou menos.

Outros consideram que existe mais, outros consideram que existe menos.

Dizer que há um tsunami reacionário na opinião pública falante brasileira é um exagero. Isto interessa ao PT por dois motivos. Primeiro porque ajuda a confundir o que é justo na rejeição ao partido com reacionarismo. Segundo porque incentiva a engolir tudo que vem do governo Dilma com base na ideia do “mal menor”. Ainda assim, é possível dizer que há maior presença atualmente de ideias de direita nas conversas das pessoas que a gente conhece e também no ônibus, no metrô e na mesa do nosso lado do que havia há dez anos. Talvez seja possível dizer que há mais do que uma marolinha, que há uma onda. Mas dizer tsunami seria exagero.

Desde quando a definição esquerda e direita foi inventada na França em 1789, existe direita no Brasil e no mundo. É errado dizer que “a direita saiu do armário no Brasil” porque a direita nunca esteve dentro dele. A soma dos votos nas eleições legislativas nos partidos que compunham a Arena (hoje chamados de PP, DEM e PSD) é muito menor atualmente do que era nas décadas de 1980 e 1990, quando estes partidos eram chamados de PDS (que ainda se chamou PPR e PPB antes de virar PP) e PFL. Sim, o PT se descolou da extrema-esquerda para a centro-esquerda (nunca acreditei no extrema tracinho do PT, mas enfim, os cientistas políticos falam isso…), o PSDB se deslocou da centro-esquerda (nunca acreditei no tracinho esquerda do PSDB, mas enfim, os cientistas políticos falam isso…) para a centro-direita. Mas antes da direitização do PSDB, Paulo Maluf e Antônio Carlos Magalhães eram nomes muito fortes na política nacional. Interessante observar o vídeo do debate do segundo turno para governador de São Paulo em 1998, entre Paulo Maluf e Mário Covas, em que ambos os candidatos tentam se apresentar como o melhor candidato conservador. Na década de 1990, não havia colunas políticas do Diogo Mainardi e do Reinaldo Azevedo na grande imprensa, mas havia colunas do Paulo Francis e do Roberto Campos. O programa do Ratinho era sucesso na década de 1990. Há muito tempo, existia no imaginário de algumas pessoas a associação entre defender direitos humanos e defender bandido. Quando Brizola era governador do Rio de Janeiro, falar mal dele na Zona Sul era um esporte praticado com frequência. Os programas de televisão na década de 1980 passavam com muita naturalidade coisas que atualmente são interpretadas como racismo, machismo e homofobia.

Uma pesquisa Datafolha realizada em dezembro de 2015 sobre intenção de voto para 2018 mostrou Aécio Neves com 26%, Lula com 20%, Marina Silva com 19%, Ciro Gomes com 6%, Jair Bolsonaro com 4%, Luciana Genro com 2%, Eduardo Paes com 1%, Eduardo Jorge com 1%, e nenhum/não sabe com 19%.

O 4% do Bolsonaro é assustadoramente alto. Mesmo se fosse 0,4%, já seria muito. Mas ainda assim, se verifica que a direita de verdade (Aécio Neves + Jair Bolsonaro) não soma mais do que 30%. A soma de Marina Silva, Ciro Gomes, Eduardo Jorge e Eduardo Paes é 27%. Ou seja, há aproximadamente um quarto do eleitorado brasileiro que não quer mais nem PT nem PSDB, mas também não quer mais nem extrema esquerda (Genro) nem extrema direita (Bolsonaro).

Feitas as ressalvas, é possível notar ainda assim que a direita está mais falante.
Embora os Marinhos, os Civitas, os Mesquitas e os Frias sempre tenham sido de direita, havia mais jornalistas que não concordavam com eles (ou seja, que eram de esquerda) escrevendo em seus periódicos nas décadas de 1980 e 1990. Lembrem-se de que Wanderley Guilherme dos Santos e Maria Rita Kehl já foram colunistas da Época. Ao longo da década de 2000, o espaço da esquerda nessa imprensa diminuiu, o espaço da extrema-direita, que sempre existiu, aumentou. Apareceu a safra dos colunistas influenciados pela “obra” do “filósofo” Olavo de Carvalho. Não apenas a imprensa influencia a opinião de seus leitores, mas a opinião de seus leitores também influencia a imprensa. A maior presença de opinião de direita na imprensa pode ser resultado dos jornais e revistas publicarem o que seus assinantes e compradores querem ler. Podemos perceber o aumento do direitismo na opinião pública brasileira até mesmo pelas conversas que ouvimos ao nosso redor.

Este texto foi escrito para discutir possíveis causas dessa onda. Como este texto não é científico, não pretende dar respostas definitivas. Pretende apenas levantar pontos de discussão. As possíveis causas são enumeradas a seguir:

1. Geralmente, oposição grita mais alto do que situação. Existe o desgaste natural de quem está há muito tempo no governo, no caso, do PT. Não adianta falar que o governo Dilma não é de esquerda porque tem a Kátia Abreu, o Gilberto Kassab, o Marcelo Castro e uma base de apoio de partidos não esquerdistas no Congresso, uma vez que Dilma, assim como Lula, foi eleita com o apoio de forças políticas identificadas com a esquerda, como sindicatos e movimentos sociais. Da mesma forma que não adianta falar que o governo Fernando Henrique Cardoso não era de direita, uma vez que foi eleito com o apoio de forças políticas identificadas com a direita, como associações empresariais e grande mídia. Até quem diz que o governo Dilma não é de esquerda apertou o 13 crítico no segundo turno. Principalmente em períodos de crise política e econômica, oposição faz mais barulho do que situação. Por isso, os momentos em que a opinião mais falante no Brasil foi a de direita ocorreram durante os governos de João Goulart, e agora durante o governo de Dilma Rousseff. Os momentos em que a opinião mais falante no Brasil foi a de esquerda ocorreram durante os governos de João Batista Figueiredo e o segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso.

2. Além do desgaste natural por causa do tempo em que ficou no governo, o PT ficou queimado por causa dos escândalos de corrupção. Como no esquema da Petrobras, segundo os delatores dizem, o PT não apenas repassou dinheiro ao PMDB e ao PP (o que já é muito ruim), mas também ficou com uma parte, foi derrubada a desculpa da governabilidade, aquela que diz que é inevitável utilizar práticas pouco ortodoxas para formar uma base de apoio no Congresso. O tempo de permanência do PT no governo também impede a continuidade do argumento do “sempre foi assim, todo mundo fez, é que agora está sendo mais investigado”. Outros partidos também têm seus esquemas de corrupção, mas o PT, nos muitos anos que antecederam à chegada de Lula à presidência, tinha uma fama de partido honesto, fama na qual até quem não gostava do partido por outros motivos acreditava. Aí quando se viu que não era bem assim, a raiva ficou ainda maior. A postura do PT em relação à investigação e julgamento de seus quadros envolvidos em escândalos ajudou a queimar ainda mais o partido.

3. Apesar da miséria e da desigualdade terem reduzido e o emprego formal ter aumentado desde 2002, a educação, a saúde e a segurança pública continuam horríveis. Não adianta falar que a responsabilidade por esses serviços é de governos estaduais e municipais. Se esses serviços são ruins em todos os estados e municípios, é sinal de que o governo federal também está falhando na sua parte. Um fator adicional de desgaste foi a política econômica do primeiro mandato da Dilma. A política econômica do primeiro mandato do Lula, liderada pelo Ministro da Fazenda Antônio Palocci, por seu Secretário do Tesouro Joaquim Levy e pelo presidente do Banco Central Henrique Meirelles era mais elogiada pela oposição de direita do que pelo próprio PT. Aí havia uma apólice de seguro para o PT: se não desse certo, era só falar que “não é comigo”. A Dilma, por sua vez, fez no primeiro mandato aquilo que importantes vozes de esquerda lamentavam que Lula não tinha feito: políticas fiscal e monetária expansionistas, tolerância com inflação maior e uso de instrumentos de mão visível, como controle de preços de energia e de combustíveis, para não permitir aumento ainda maior da inflação. O resultado não saiu conforme o desejado. Esta política do primeiro mandato da Dilma não é de esquerda, é uma política que já foi praticada no Brasil por governos do passado, como Figueiredo e Sarney. Mas como foi sugerida por vozes de esquerda, o desgaste é inevitável.

4. Mesmo com a crise do PT, o crescimento da oposição de esquerda, composta por PSOL, PCB e PSTU, foi modesto. A oposição de esquerda não vem conseguindo fazer um discurso compreensível para a parcela não muito politizada da população. A oposição de direita é mais pragmática, e por isso consegue virar maior referência para os insatisfeitos com o PT, incluindo aqueles que não são ricos.

5. Criminalidade muito alta assusta a população e favorece o discurso pró linha dura. Para piorar, algumas vozes de esquerda fazem um discurso muito ruim sobre o problema. Exemplo mais notável é o texto do Férrez sobre o assalto ao Luciano Huck em 2007. Observar os determinantes sociais da criminalidade não pode ser confundido com tolerar a criminalidade, que assusta não apenas a classe média (e mesmo se assim fosse…), mas a população como um todo. Exemplo disso é o entorno da Central do Brasil, repleto de delinquentes, local onde se situa “apenas” a Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro. Quem mais circula por aquele local e está sujeito a ser vítima de assaltos não é burguês. Ter a vida ameaçada é uma experiência traumatizante, e qualquer discurso que passa pano em quem ameaçou tirar uma vida gera repulsa. Não é toda a esquerda que endossa esse discurso passa pano, mas algumas vozes barulhentas fazem isso, e quem cala consente. Tal discurso confunde e atrapalha a defesa de pautas importantes, como o combate à tortura e às execuções, a humanização de presídios e a desmilitarização da polícia.

Provavelmente, os motivos enumerados de 1 a 5 são os mais importantes, mas ainda há outros a ser considerados.

6. Na década de 2000, houve o fenômeno da nova classe média (eita nome ruim). Pessoas que antes eram invisíveis passaram a ser visíveis. E essa nova classe média (mais uma vez, eita nome ruim) é, em geral, mais conservadora do que a antiga classe média em questões de religião, sexo e segurança pública. Ainda assim, dentro desta nova classe média, há mais gente que vota no PT do que dentro da antiga classe média. Isto porque não são questões de religião, sexo e segurança pública as que mais polarizam eleições. Essa nova classe média votou majoritariamente no Lula em 2006 (mas não tanto quando os muito pobres), ficou dividida em 2010 e compôs o grande contingente de eleitores da Marina no primeiro turno e Aécio no segundo turno em 2014, mas ainda assim não foi tão aecista quanto a antiga classe média.

7. Um item razoavelmente ligado ao item anterior: a expansão do ensino superior privado para fins lucrativos ajudou a difundir ideias conservadoras no Brasil. Antes, grande parte das famílias com poder aquisitivo razoável, potencialmente conservadoras por causa disso, tinha pelo menos um membro formado em universidade pública, o que poderia neutralizar um pouco este potencial conservador. Um chefe de família de classe média alta, formado em Engenharia na Poli-USP, passou cinco anos da vida dele não muito distante fisicamente da FFLCH. Muito provavelmente não incorporou as ideias da maioria dos estudantes dazumanas, mas uma coisa ou outra pode ter acabado entrando no cérebro sem querer. A expansão do ensino superior privado ajudou a criar uma classe de consumidores que nunca viveu perto de polo irradiador de cultura bicho grilo.

8. A rápida evidência alcançada por movimentos de grupos oprimidos, introduzindo termos até então desconhecidos como vivência, protagonismo, privilégio do homem cis hétero branco, lugar de fala e apropriação cultural, encontrou os não oprimidos despreparados para a discussão de algumas questões. Houve estranhamento não apenas por parte do homem cis hétero branco. Também há mulher branca hétero que não entende os movimentos negro e LGBTT, homem negro hétero que não entende os movimentos feminista e LGBTT, e homem branco gay que não entende os movimentos feminista e negro. A incompreensão desses movimentos gera terreno fértil para o vitimismo das “maiorias”, a choradeira sobre a “patrulha do politicamente correto”, e o surgimento do “politicamente incorreto” que embora pelo nome pareça rebeldia e contestação, na prática não passa de defesa das ideias do tempo dos nossos bisavós. Há exageros nestes movimentos, assim como há em qualquer outro movimento, e também há alguns problemas levantados por esses movimentos que parecem exagero para quem não pertence ao grupo oprimido porque quem não sente na pele tem mais dificuldade de perceber o problema . Muitos fenômenos que ocorrem na sociedade podem ser explicados pela analogia do pêndulo. Quando uma bola fica presa em um dos lados do pêndulo e finalmente é solta, a tendência não é parar imediatamente na posição de repouso, e sim continuar sua trajetória até o outro lado. Podemos desejar que a bola pare na posição de repouso, que não vá para o outro lado. Mas isto não pode ser pretexto para desejar que a bola fique para sempre presa no lado original. Alguns oportunistas utilizam o medo da bola ir para o outro lado não para defender a posição de repouso, e sim para que ela fique presa no lado original sempre. O politicamente incorreto de Danilo Gentili, Reinaldo Azevedo e afins não era tão forte no passado, não porque a sociedade no passado era mais progressista, e sim porque os movimentos de oprimidos, pejorativamente conhecidos como politicamente corretos, não tinham qualquer evidência. Vale a pena ver o vídeo do Pirula sobre o tema (escrevi sobre ele na minha coluna anterior)

9. Depois que Lula chegou ao poder, a esquerda brasileira descuidou da guerra cultural. Enquanto a esquerda governista se focou apenas em defender o governo, a esquerda oposicionista se focou em defender demandas corporativistas, que podem ser justas, mas sem outras formas de militância, quem não faz parte dos grupos defendidos não vai entender porque as demandas são justas. Enquanto isso, a direita foi ganhando a batalha pela hegemonia cultural, publicando livros de fácil leitura sobre papel do Estado na economia, sobre História, sobre raça, sobre religião. Não houve escritor de esquerda que escreveu livros fáceis para rebater Ali Kamel, Leandro Narloch, Luís Felipe Pondé, Paulo Rabello de Castro. Os melhores livros progressistas de fácil leitura são estrangeiros: o 23 coisas que não nos contaram sobre o capitalismo, do Chang, o A Consciência de um Liberal, do Paul Krugman, o Doutrina do Choque, de Naomi Klein. Muitos sites brasileiros de esquerda pregam apenas para os já convertidos. O momento em que a esquerda brasileira melhor soube fazer a guerra cultural ocorreu nos períodos mais abertos da ditadura militar, que foram entre os anos de 1964 e 1968, e entre os anos de 1979 a 1985. Parece que por volta de 2014, a esquerda brasileira percebeu esta falha. Uma nova geração de colunistas, como Leonardo Sakamoto, Gregório Duvivier, Matheus Pichonelli, Laura Capriglione e o não tão novo Vladimir Safatle estão se esforçando para compensar o atraso. Meu propósito de escrever neste site é entrar nesta disputa.

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