Por Marcelo
Fantaccini Brito
Os moderate
heroes são aqueles que pensam que sempre a opinião do meio é a mais
inteligente, um dos perigos dessa forma de pensar ocorre na discussão sobre as
grandes empresas de mídia no Brasil. Há sites de esquerda que dizem que essas
grandes empresas de mídia são de direita, há sites de direita que dizem que
essas grandes empresas de mídia são de esquerda. A visão moderate hero,
portanto, seria a de que as grandes empresas de mídia no Brasil seriam
imparciais ou seriam de centro. Esta visão seria equivocada. Trata-se de uma
situação onde existem duas opiniões apaixonadas opostas, onde uma está certa, a
outra está errada, e a do meio também está errada.
Este
texto não vai abordar todas as grandes empresas de mídia no Brasil, mas apenas
as quatro mais importantes para a formação de opinião. As Organizações Globo,
da família Marinho, que incluem o canal aberto da Globo, as retransmissoras
locais, a Globonews, o jornal O Globo, o portal G1, a revista Época e a rádio
CBN; o Grupo Abril, da família Civita, que inclui as revistas Veja e Exame; o
Estado, da família Mesquita; e a Folha, da família Frias.
Pela
biografia das famílias desses oligopólios, é possível concluir que a orientação
política deles pende para a direita. Estes quatro grupos, pelo menos em algum
momento, apoiaram o regime militar. Os editoriais dos jornais destes grupos
explicitam seu posicionamento político. Atualmente, estes grupos participam
ativamente do Instituto Millenium.
Mas
nem sempre este posicionamento foi tão fechado e monolítico. Houve uma maior
abertura política dentro destes grupos de mídia nas décadas de 1980 e 1990. É
importante lembrar que Wanderley Guilherme dos Santos, Maria Rita Kehl, Luís
Felipe de Alencastro, Maria Aquino, Paulo Moreira Leite e Franklin Martins já
foram colunistas de periódicos destes oligopólios. Porém, ocorreu um retrocesso
em meados da década de 2000. A partir deste período, estes quatro grandes
grupos se tornaram um departamento de relações públicas do PSDB. Não é que a
mídia dos Marinho/Civita/Mesquita/Frias é a favor do PSDB. Na verdade, esta
mídia é um partido próprio, um Tea Party brasileiro. É o PSDB que é a favor da
mídia dos Marinho/Civita/Mesquita/Frias. Se o PSDB um dia der algum sinal de
“recaída” para a social-democracia (algo que certamente não fará em breve),
este Tea Party brasileiro será contra.
A
Folha é um pouco diferente dos demais. Tem colunistas de esquerda como Jânio de
Freitas, Laura Carvalho, Guilherme Boulos, Vladimir Safatle e Gregório
Duvivier. Publica de vez em quando algumas denúncias contra políticos do PSDB.
Mas ainda assim, as posições defendidas nos editoriais são semelhantes às dos
três outros grandes grupos de mídia. E causa preocupação a perda de participação
da Folha no jornal Valor Econômico, que passará a pertencer apenas à Globo.
Provavelmente, haverá perda de pluralidade.
Millor
dizia que “imprensa é oposição, o resto é armazém de secos e molhados”. Diante
do governo Temer e de governos estaduais e municipais de partidos da base
aliada, o que se vê, portanto, não é imprensa, e sim armazém de secos e
molhados. Alguns atritos com o governo Temer aparecem quando há alguns atritos
do PSDB com o governo Temer. E agora neste governo Temer, os quatro grandes oligopólios
de mídia recebem generosas verbas de publicidade, mais do que já recebiam
durante o governo Dilma.
Percebemos
como estes grandes oligopólios de mídia se comportam como departamentos de
relações públicas do PSDB quando percebemos grandes semelhanças das colunas e
dos editoriais com os discursos dos políticos do PSDB e com as propagandas
eleitorais deste partido. Frequentemente, encontramos a expressão “projeto de
poder do PT”. Ou a afirmação de que “o PT divide o Brasil em nós e eles”. Quem
faz esta afirmação não percebe que ao fazê-la, já está também criando uma
divisão entre nós e eles. Colunistas desses grupos de mídia frequentemente
apontam o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso como lindo e maravilhoso,
ignorando as muitas crises econômicas e a crise energética que ocorreram em seu
governo. Verifica-se também os dois pesos e as duas medidas na cobertura da
Satiagraha e da Lava Jato. Na Satiagraha, prevaleceu o garantismo, em parceria
com Gilmar Mendes. Na Lava Jato, prevaleceu o punitivismo. Importante lembrar:
a Satiagraha ocorreu em 2008. O principal alvo era o Daniel Dantas. Sua irmã
Verônica, teve uma empresa em paraíso fiscal em parceria com a filha de José
Serra, também chamada Verônica. José Serra seria candidato a presidente do
Brasil em 2010.
Não
apenas a parte de opinião, mas a hierarquização das notícias mostra o
partidarismo da mídia dos Marinho/Civita/Mesquita/Frias. Na campanha eleitoral
de 2010, foi dado um destaque desproporcional a sua importância ao fato de
petistas terem um dossiê contra José Serra que continha algumas violações de
sigilo de imposto de renda. Ora, quem não sabia que em campanhas eleitorais os
candidatos têm equipes para encontrar informações negativas sobre adversários
provavelmente vai deixar de comemorar o Natal ao descobrir que Papai Noel não
existe. Porém, o partidarismo neste episódio foi inútil. Serviu apenas para
reforçar as convicções de quem já iria votar no José Serra. Durante o período
em que o assunto dossiê esteve em maior destaque na mídia, a intenção de voto
no Serra oscilou para baixo.
Alguns
eleitores indecisos podem ter pensado não “esses petistas são uns desgraçados
porque fazem dossiê” e sim “o que será que tinha naquele dossiê?”.
As
reportagens produzidas pelas empresas dos Marinho/Civita/Mesquita/Frias contam
com as aspas dos especialistas de sempre. Os especialistas de sempre são
aquelas figuras bem conhecidas de quem lê jornais, revistas e sites, são do
meio acadêmico, têm opiniões semelhantes às dos donos das empresas de mídia, e
essas empresas sempre recorre a estes especialistas para mostrar respaldo de
suas opiniões no meio acadêmico. Um alien que só conhece o Brasil através de
Globo/Abril/Estado/Folha provavelmente pensará que Raul Veloso é o único
brasileiro que entende de finanças públicas, que Fábio Giambiagi é o único
brasileiro que entende de previdência, que Amadeo e Pastore são os únicos
brasileiros que entendem de mercado de trabalho, que Cláudio Moura de Castro e
Gustavo Ioschpe são os únicos brasileiros que entendem de educação, que
Demétrio Magnolli continua sendo geógrafo, e não ativista político de direita,
que Marco Antônio Villa continua sendo historiador, e não ativista político de
direita, que Denis Lehrer Rosenfield continua sendo filósofo, e não ativista
político de direita, e que Bolívar Lamounier continua sendo cientista político,
e não ativista político de direita.
Quem
são as maiores vítimas da partidarização dos quatro grandes oligopólios de
mídia? O PT? Os demais partidos de esquerda? Não. As maiores vítimas são a
democracia brasileira, os cidadãos que querem ser bem informados, a qualidade
da informação. O PT até que soube usar a seu favor a partidarização dos quatro
grandes oligopólios de mídia. Há uma rede de sites pró PT formados por
jornalistas que antes faziam parte dos oligopólios de mídia. Diferente de
Globo/Abril/Estado/Folha, estes sites assumem ser partidários e voltados para o
público que procuram opinião. Porém, alguns destes sites também tiveram algumas
posições que merecem ser criticadas. Houve um site destes que criticou o
Joaquim Barbosa pelo fato dele ter esposa branca. Ás vezes vemos alguns destes
sites desconfiarem que o Ibope e o Datafolha estão subestimando a votação do
PT. Muitas vezes, estes dois institutos acabam subestimando a direita. Quando
ao resultado da votação do impeachment no plenário da Câmara de Deputados, os
oligopólios de mídia acertaram mais do que os sites favoráveis ao PT.
Todos
já ouviram na infância a fábula do mentiroso. Aquela que diz que havia um
menino que sempre mentia. Um dia ele disse uma verdade, ninguém acreditou nele
por causa de sua fama, e o resultado foi trágico. O mesmo vale para a mídia
Globo/Abril/Estado/Folha. Essa mídia exerce um partidarismo tão forte pró-PSDB,
que mesmo em algumas vezes em que notícias favoráveis ao PSDB e contrárias ao
PT são verdadeiras, haverá um pequeno público leitor de sites pró-PT que não
acreditará nessas notícias. Algumas vezes, sites pró-PT consideram que
determinado escândalo de corrupção envolvendo políticos do PT é equivalente a
algum escândalo de corrupção envolvendo políticos do PSDB. Estes sites criticam
os quatro grandes oligopólios de mídia por não dar cobertura do mesmo tamanho
aos diferentes escândalos, por dar mais espaço ao escândalo envolvendo o PT. A
mídia Globo/Abril/Estado/Folha algumas vezes pode alegar que os escândalos não
são equivalentes e não merecem o mesmo tamanho de cobertura porque há diferença
de dinheiro envolvido, de quantidade de provas… Essa mídia pode até estar certa
em alguns casos. Mas como no geral apresenta um grande partidarismo pró-PSDB,
haverá o pequeno grupo de leitores dos sites pró-PT que não acreditará.
De
acordo com a narrativa petista, a AP 470 teve como objetivo eliminar o maior
partido de esquerda do Brasil, para viabilizar a chegada da direita ao poder,
que dificilmente ocorreria em situações normais. Não gosto desta narrativa
porque parece defesa da impunidade de políticos que fizeram coisas erradas pelo
“bem maior”. Mas alguns órgãos de mídia, ao fazer pressão para que o julgamento
ocorresse em período de campanha eleitoral, forneceram combustível para esta
narrativa. O fato de Merval Pereira, colunista com orientação ideológica
claramente definida, ter escrito o livro sobre o julgamento, também forneceu
combustível para esta narrativa.
Quando
colunistas ou mesmo donos destes quatro grandes oligopólios de mídia resolvem
refutar a afirmativa de que eles são departamento de relações públicas do PSDB,
a maneira através da qual eles fazem isso contribui mais para confirmar a
afirmativa do que para refutar.
Há
consequências muito ruins para a democracia quando existe a percepção
generalizada de que a mídia que transmite notícias não é confiável. Mas como a
mídia que transmite notícias realmente não é confiável, infelizmente é
necessário que exista essa percepção. Como consequência da descrença na grande
mídia, existe a abertura de grande espaço para picaretagens. Sites de esquerda
críticos da grande mídia não são isentos de picaretagem. É importante lembrar
também que existem sites de direita, páginas de direita no Facebook que também
criticam a grande mídia brasileira e que mostram “coisas que a mídia não
mostra”. Difundem aberrações como a de que todas as famílias de presidiários
recebem auxílio-reclusão, que as vacinas foram causadoras da microcefalia, que
a Dilma ganhou porque as urnas eletrônicas estavam violadas, que o aquecimento
global é uma invenção esquerdista. Apesar da grande mídia brasileira pender
para a direita, essas aberrações não apareceram na grande mídia e sim em sites
e páginas de direita de acham que a grande mídia é de esquerda.
É
uma ingenuidade achar que existem muitas pessoas de direita somente porque a
grande mídia é de direita. Pessoas de direita existiriam de qualquer maneira, e
existe um público, com poder de consumir produtos que fazem publicidade, que
quer conteúdo de direita. Pablo Ortellado mostrou um estudo interessante, que
mostra que o número de matérias da grande mídia sobre a Lava Jato não declinou
depois da votação do impeachment no plenário da Câmara no dia 17 de abril, mas
o número de compartilhamentos no Facebook de matérias sobre a Lava Jato depois
deste dia caiu bruscamente. Isto mostra que não é só a grande mídia que quer
instrumentalizar o combate à corrupção no Brasil com o objetivo único de ter um
governo de direita, e que os leitores da mídia seriam simplesmente manipulados
coitados. Na verdade, uma grande parcela da população brasileira deseja
deliberadamente instrumentalizar o combate à corrupção no Brasil com o objetivo
único de ter um governo de direita.
Antes
de concluir, é importante lembrar que este posicionamento ideológico da grande
mídia não se restringe ao Brasil. É certo que no Brasil isto é mais acentuado.
Basta ver a diferença de posicionamento entre a grande mídia brasileira e a
grande mídia estrangeira sobre o impeachment da Dilma. Isto pode ser visto já
em 2009, com a diferença de cobertura sobre a deposição de Zelaya em Honduras.
A grande mídia de primeiro mundo teve uma visão bem mais crítica do que a
grande mídia brasileira e hondurenha. Ainda assim, no mundo todo, para fornecer
notícias é preciso ter muito dinheiro, afinal, o custo não é pequeno, e,
portanto, quem fornece notícias tem orientação ideológica de quem tem muito
dinheiro. Quem não tem dinheiro, como os criadores deste site que você está
lendo neste exato momento, só pode produzir opinião.
O
que fazer? Censura? Nem fodendo! Todos os governos devem ser fiscalizados,
incluindo os governos progressistas. Mas governos que não tem orientação
ideológica semelhante à das grandes empresas de mídia poderiam ser menos
generosos com verbas de publicidade. Além disso, uma lei anti-oligopólio
semelhante a dos Estados Unidos poderia ser pensada para o Brasil. É um absurdo
que as Organizações Globo seja um grupo que tenha canal de televisão aberta,
canais de televisão por assinatura, comercialização de pacotes de televisão por
assinatura, portal de notícias de Internet, estação de rádio, jornais,
revistas, estúdio de cinema, gravadora e editora de livros escolares. Este
grupo empresarial poderia ser compulsoriamente repartido em três ou até mais.
Organizações
de extrema-direita, alegando que existe doutrinação esquerdista nas escolas (o
que não é verdade), querem criar o Escola Sem Partido, para estabelecer censura
na atividade docente. O criador do movimento argumenta que professor não
deveria ter liberdade de expressão porque sua audiência é cativa, ou seja,
jovens são obrigados a ir para a escola. Baseado neste argumento, organizações
de esquerda, alegando que existe doutrinação direitista na imprensa (o que é
verdade), poderiam tentar criar o Imprensa Sem Partido. Assim como a escola, os
jornais, os sites e os canais de televisão que transmitem notícias têm
audiência cativa. É necessário estar bem informado para conseguir emprego e
sobreviver. Eu gosto de sites alternativos e de perfis alternativos nas redes
sociais que criticam a grande mídia porque eu gosto de diversidade de opinião.
Eu inclusive colaboro com um site alternativo de opinião, este que você está
lendo agora. Mas mesmo sendo muito crítico, não tenho como escapar da grande
mídia para saber as notícias.
É
óbvio, não sugiro a criação de uma Imprensa Sem Partido para não dar
legitimidade a uma Escola Sem Partido. Nenhuma forma de censura deve ser
aceita. Mas poderiam ser pensadas leis para obrigar quem fornece notícias a
fornecer opiniões diversas, não apenas as dos donos dos veículos.
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