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quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Entenda o julgamento do TCU e as pedaladas fiscais


Tribunal recomendou a rejeição das contas de 2014 do governo e a oposição tentará alimentar o impeachment. Entenda o que vem a seguir

por Redação — publicado 07/10/2015 03h01
Tribunal de Contas da União (TCU) recomendou por unanimidade nesta quarta-feira 7 a rejeição das contas de 2014 do governo Dilma Rousseff. A ação, aprovada por unanimidade pelos ministros, que seguiram o voto do relator Augusto Nardes, segue agora para o Congresso, que é quem pode efetivamente aprovar ou não as contas. Pesou na análise as chamadas "pedaladas fiscais".

Nardes destacou que houve “afronta de princípios objetivos de comportamentos preconizados pela Lei de Responsabilidade Fiscal, caracterizando um cenário de desgovernança fiscal”. Ele também afirmou que o governo criou “uma irreal condição”, que permitiu um gasto adicional de forma indevida.

Na última semana, a Advocacia-Geral da União pediu o afastamento de Nardes da relatoria, após o ministro adiantar-se ao julgamento e afirmar à imprensa que rejeitaria as contas. Além da violação a Lei Orgânica de Magistratura, o ministro surge também como suspeito nas investigações da Operação Zelotes. Ele teria recebido aproximadamente 1,8 milhões de reais da SGR Consultoria por um suposto envolvimento com o esquema fraudulento de anulação de dívidas fiscais. 

Entenda melhor os principais temas ligados ao julgamento:

O que são as pedaladas fiscais?

"Pedalada fiscal" é o nome dado à prática do Tesouro Nacional de atrasar de forma proposital o repasse de dinheiro para bancos (públicos e privados) financiadores de despesas do governo com benefícios sociais e previdenciários como o Bolsa Família, abono salariais e o seguro-desemprego.

Esses atrasos ajudam a fechar as contas de um determinado mês ou até de um ano fiscal, uma vez que joga a conta para o período seguinte. As "pedaladas" também podem acontecer com autarquias, como o INSS. Segundo o TCU, cerca de 40 bilhões de reais estiveram envolvidos nessas manobras entre 2012 e 2014.

Para quê servem as tais pedaladas?

As "pedaladas" ajudam a maquiar as contas do governo, podendo ser usadas para aumentar o superávit primário (economia feita para pagar os juros da dívida pública) ou impedir um déficit primário maior (quando as despesas são maiores que as receitas).

Ao atrasar os repasses aos bancos, o governo apresentava indicadores econômicos melhores do que realmente eram e, assim, confundia o mercado financeiro e especialistas em contas públicas.

Por que o governo fez isso?

O ano de 2014 foi especialmente ruim para as contas do governo. Por ser ano eleitoral, a União aumentou seus gastos ao mesmo tempo em que teve de socorrer o setor energético e viu sua arrecadação despencar devido à desaceleração econômica e às novas desonerações de impostos para alguns setores econômicos.

Uso então as "pedaladas" para tentar cumprir a meta fiscal apresentada no início do ano. Mesmo com as manobras fiscais, a conta do governo não fechou e o Planalto foi obrigado a enviar um projeto de lei ao Congresso Nacional para alterar os objetivos antes propostos.

Dilma foi a primeira presidente a fazer as pedaladas?

Não. Segundo a Advocacia Geral da União (AGU), esta prática ocorre desde 2000. Ou seja, desde o segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), passando pelos dois mandatos do ex-presidente Lula (PT) e o primeiro de Dilma. 

Qual o caminho das contas a partir de agora?

O TCU recomendou por unanimidade a rejeição das contas 2014. Quem pode rejeitá-las de fato é o Congresso Nacional, a única instituição com esse poder. No entanto, o julgamento político dos parlamentares deve ser influenciado pelo parecer do tribunal.

O parecer do TCU é encaminhado para a Comissão Mista de Orçamento, formada por deputados e senadores, que decidirá se as "pedaladas fiscais" ferem a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Após a avaliação da comissão, o texto segue para o plenário da Câmara e do Senado, onde acontece o julgamento político do governo. Caso as contas do governo realmente sejam rejeitadas, a presidenta Dilma Rousseff pode ser alvo de um processo de impeachment.

Alguma prestação de contas de outro presidente já foi rejeitada?

Nunca. O presidente que mais próximo esteve de ter as contas de seu governo rejeitadas foi Getúlio Vargas. Em 1937, durante a ditadura Vargas, o ministro do TCU Carlos Thompson Flores apresentou parecer pedindo a rejeição das contas do governo do ano anterior. No entanto, o plenário da corte não seguiu a orientação do relator e aprovou as contas de Vargas.

Há um risco real de impeachment?

Em tese sim, mas derrubar um presidente não é algo tão simples, e o governo reforçou sua base parlamentar após a recente reforma ministerial. Com a recomendação de rejeição do TCU, é o momento de o Planalto testar sua “nova” maioria no Congresso.

O problema é que o primeiro teste de fidelidade da base governista após a reforma ministerial, decepcionou o governo. Ao anunciar que votaria os vetos presidenciais, conhecidos como "pauta-bomba", o governo viu o Congresso esvaziado e sem o quórum mínimo necessário para deliberar sobre a questão.

A votação acabou adiada pela terceira vez. A disputa pode também ir parar no Supremo Tribunal Federal (STF). Segundo o entendimento do ex-ministro do STF, Ayres Britto, a análise das contas de 2014 pelo TCU pode tornar Dilma inelegível no futuro, mas não provocar seu impeachment porque não houve crime de responsabilidade no atual mandato.

Por que a AGU pediu o afastamento do relator, Augusto Nardes, e o que isso tem a ver com este caso?
A Advocacia-Geral da União argumenta que Augusto Nardes cometeu uma irregularidade ao manifestar sua opinião e antecipar publicamente seu voto sobre as "pedaladas fiscais". Na visão do ministro Luís Inácio Adams, chefe da AGU, o regimento interno do TCU e a Lei Orgânica da Magistratura proíbem os juízes de emitir opinião sobre processos que estão conduzindo. 

Segundo o ministro da Secretaria de Comunicação Social (Secom), Edinho Silva (PT-SP), a ação da AGU contra Nardes é "um grito de alerta" sobre a "partidarização das instituições".

Quem é Augusto Nardes? 

Augusto Nardes é um dos seis ministros do Tribunal de Contas da União (TCU) e foi ex-deputado federal pelo Partido Progressista (PP) do Rio Grande do Sul. Em 2005, o então líder da bancada de deputados federais do PP e um dos articuladores do esquema investigado pela Operação Lava Jato, o falecido José Janene, indicou o nome de Nardes para o TCU. Recentemente, o nome de Nardes foi mencionado durante as investigações da Operação Zelotes, que apura um esquema de corrupção destinado a anular a cobrança de bilhões em tributos federais.

O que é o TCU e para que ele serve?

A Constituição Federal de 1988 conferiu ao TCU o papel de auxiliar o Congresso no exercício do controle externo. Em resumo, cabe ao tribunal apreciar as contas, despesas e repasses financeiros da União e todos os seus braços.  

O que é a AGU e para que ela serve?

A Advocacia-Geral da União é o órgão mais elevado de assessoramento jurídico do Poder Executivo e também está prevista pela Constituição Federal. Cabe à AGU auxiliar o presidente da República em todos os assuntos de jurídicos e garantir a legalidade dos atos do governo.

terça-feira, 6 de outubro de 2015

Zelotes suspeita de repasse de R$ 1,8 mi a Augusto Nardes


Sigilo bancário, telefonemas e e-mails de empresa investigada apontam ministro do TCU beneficiado em anulação fraudulenta de dívida fiscal da RBS

por André Barrocal — publicado 06/10/2015
A acusação de violar a Lei Orgânica da Magistratura na condução do exame das contas de 2014 do governo Dilma Rousseff não é a única razão para o ministro Augusto Nardes, doTribunal de Contas da União (TCU), preocupar-se por estes dias. O avanço da Operação Zelotes reforça as suspeitas de envolvimento dele com o esquema fraudulento de anulação de dívidas fiscais.
No material já recolhido durante as investigações, há indícios a apontar Nardes como destinatário de pagamentos de aproximadamente 1,8 milhões de reais, divididos em três parcelas de cerca de 600 mil reais cada. Os pagamentos são suspeitos por terem na origem uma das principais empresas investigadas, a SGR Consultoria.
As desconfianças sobre Nardes amparam-se em informações obtidas a partir da quebra de sigilo bancário da SGR, de anotações encontradas em escritórios da empresa e de interceptações de telefonemas e e-mails de investigados.
Em alguns telefonemas e e-mails, por exemplo, uma funcionária da SGR tida como responsável por distribuir dinheiro ilícito, chamada Gigliane, recebe orientação para efetutar pagamentos ao “tio” e ao “Ju”. Nardes já foi sócio de um sobrinho advogado, Carlos Juliano Ribeiro Nardes, na empresa Planalto Soluções e Negócios. Os investigadores vêem ligações entre a SGR e a Planalto.
O repasse da SGR seria uma espécie de comissão paga a Nardes por ele colaborar de algum modo com um caso específico na mira da Operação Zelotes: o sumiço de 150 milhões de reais em dívidas da RBS, retransmissora da TV Globo no Rio Grande do Sul, terra do ministro do TCU. Nardes teria usado sua influência em Brasília e no seu antigo partido, o PP, para ajudar o grupo de comunicação.
O cancelamento dos débitos da RBS ocorreu no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), órgão do Ministério da Fazenda em que as fraudes apuradas pela Zelotes se materializavam. Em troca da anulação da dívida, a empresa teria pago 15 milhões de reais a uma série de pessoas. Entre estas, um ex-conselheiro do Carf e sócio da SGR, José Ricardo da Silva, o Zé Ricardo.
Silva e a SGR tinha papel-chave no esquema no Carf. Intermediavam os contatos entre conselheiros do Carf e empresas endividadas dispostas a subornar. E distribuiam o dinheiro entre as partes.
Nenhum cliente fez tantos pagamentos à consultoria quanto a RBS. É o que diz um relatório da Polícia Federal (PF) elaborado a partir da análise de 909 transações financeiras da SGR realizadas entre 2005 e 2013, um total de 115 milhões de reais.
Dos 15 milhões de reais que o grupo teria pago para se safar no Carf, 11,9 milhões foram para a SGR. Foi desta última quantia que a consultoria teria direcionado uma fatia cerca de 1,8 milhão a Nardes.
O ministro do TCU é de uma mesma pequena cidade gaúcha, Santo Ângelo, que um investigado na Operação Zelotes que acabou por virar delator. Paulo Roberto Cortez também já foi conselheiro do Carf e já trabalhou com Zé Ricardo, da SGR. Quando policiais federais e procuradores de Justiça saíram a campo pela segunda vez, em 3 de setembro, Santo Ângelo era um dos alvos.
Há quem veja possível ligação de Nardes com o esquema no Carf também por razões partidárias. Até ser nomeado ministro do TCU, ele era deputado federal pelo PP. A mira da Operação Zelotes já atingiu um conselheiro do Carf, Francisco Maurício Rebelo de Albuquerque e Silva, que é pai de um ex-líder do PP na Câmara dos Deputados, Dudu da Fonte.
CartaCapital procurou Augusto Nardes para pedir esclarecimentos sobre eventuais relações dele com a SGR, José Ricardo da Silva, a Planalto, Paulo Roberto Cortez e indicações de conselheiros do Carf. O ministro respondeu por e-mail.
Sobre a Planalto, disse “que se afastou da Planalto Soluções e Negócios em maio de 2005 e não recebeu nada proveniente ou relacionado a empresa”. Acrescentou ainda “que não participou de nenhuma atividade desta já que dela não mais participava de nenhuma forma”.
Sobre a escolha de conselheiros do Carf, Nardes afirmou que “não tem nem nunca teve qualquer participação seja por indicação ou quaisquer outras questões a isso relacionadas”.
Sobre a SGR, José Ricardo da Silva, o ministro não se pronunciou.
Sobre sua relação com Paulo Cortez, disse que "conheceu o mesmo quando morava em Santo Ângelo, por volta dos anos 80, há mais de 30 anos. Depois desse período não teve mais qualquer relação com o mesmo".
O aparecimento do nome de Augusto Nardes na Operação Zelotes foi revelado em setembro por CartaCapital. O material sobre ele tem de ser enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF). Por ser ministro do TCU, Nardes só pode responder a eventuais processos criminais perante o STF. A juíza que cuida do caso na 10 Vara Federal de Brasília, Marianne Borre, volta de férias no dia 8.

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