O repasse de depósitos judiciais para a conta única de estados e municípios perenizaria a ineficiência
por Delfim Netto — publicado 29/05/2015
Está em tramitação no Congresso um projeto de lei que prevê o repasse aos cofres dos estados, Distrito Federal e municípios, de 70% de todos os depósitos judiciais e/ou administrativos pertencentes aos cidadãos brasileiros, nos quais aqueles entes públicos figurem como parte. Os 30% remanescentes serão mantidos em um fundo de reserva nas instituições financeiras públicas. Supõe-se serem suficientes para os pagamentos determinados pelo juiz, se o cidadão for vencedor da ação judicial.
O projeto tem a nobre intenção de minorar a grave situação fiscal de estados e municípios, obviamente, sempre consequência da “herança maldita do governo anterior”. É comum a crença de que o governo federal é um alquimista: pode transformar seus próprios déficits em “recursos reais” e transferi-los para amigos pródigos. Os depósitos judiciais são um novo achado. Serão um acréscimo de receita, sem o desgaste político de ter de aumentar os impostos, a custo baixo e muito bem-vindo no momento em que há uma expectativa de redução do crescimento da economia nacional.
A situação apresentada torna evidente a conclusão de que os estados e municípios, atualmente sem recursos para pagamento de suas dívidas, talvez não tenham, também, condições de recompor os depósitos judiciais, visto que o projeto de lei não estabelece a obrigatoriedade de previsão orçamentária para isso. O maior prejudicado será o cidadão brasileiro que, após longa batalha judicial, ainda correrá o risco de ser penalizado por não existir dinheiro disponível para o levantamento do seu depósito. A medida é apenas mais uma forma paliativa de não enfrentar a causa da deterioração fiscal das contas de estados e municípios: a péssima qualidade da administração pública.
O Congresso Nacional perde a oportunidade de debater se não seria mais eficiente normatizar para que as instituições financeiras depositárias, com a obrigação de aplicar em operações de crédito a liquidez gerada pelos volumes financeiros captados, direcionem parte da aplicação desses depósitos judiciais ao financiamento de setores produtivos efetivamente geradores de empregos, divisas e renda, como o agropecuário ou o habitacional, ameaçados de retração por falta de crédito.
O agronegócio brasileiro, por exemplo, tem destacado protagonismo no cenário mundial: responde por 22% do PIB, 33% dos empregos e 44% das exportações, além de produzir alimentos, fibras e energia para o mercado interno e externo. Apresentou, em 2014, 100 bilhões de dólares, em exportações, e 17 bilhões, em importações, contribuindo com 83 bilhões de superávit na balança comercial. O Brasil é o maior produtor e exportador do mundo de diversos produtos agrícolas, pecuários e florestais, que estão sob risco creditício. Foram as políticas públicas de apoio e financiamento ao segmento agropecuário que permitiram o suporte e a expansão de programas de relevância para o desenvolvimento do setor e do País, como o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), Programa Nacional de Apoio ao Médio Produtor Rural (Pronamp), Programa Agricultura de Baixo Carbono (ABC), Programa para Construção e Ampliação de Armazéns (PCA) e Programa de Incentivo à Inovação Tecnológica na Produção Agropecuária (Inovagro).
As receitas adicionais de estados e munícipios devem ter como fonte não o dinheiro retido em juízo, no qual milhares de brasileiros depositam a expectativa e a esperança de exercerem ou resguardarem os seus direitos, mas sim na capacidade e competência administrativa dos entes federados em investir e fortalecer setores que levem ao aumento da sua arrecadação de forma produtiva e sustentável. A utilização de parte desses depósitos judiciais para complementar o financiamento de tais setores, em momento de restrição de outras fontes, pode induzir um desenvolvimento com ênfase na geração de empregos e na melhoria das condições econômicas de produção de segmentos fundamentais para o crescimento do PIB.
A destinação dos recursos dos depósitos judiciais para a conta única dos estados e munícipios não será um avanço no processo de gestão da máquina pública. Continuará a mascarar e a perenizar a ineficiência, comprometendo os direitos das partes envolvidas e, principalmente, não ajudando nos ajustes estruturais tão necessários para o desenvolvimento do País.
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