Por
Jeferson Miola
Parcela importante do conteúdo das delações dos funcionários da Odebrecht já
era de conhecimento público há muito tempo. As revelações úteis para a dinâmica
do golpe, por exemplo, já eram bem conhecidas, porque estão sendo vazadas
seletivamente pela força-tarefa da Lava Jato e divulgadas à exaustão há cerca
de dois anos.
O fim do sigilo das delações trouxe, além de algumas poucas novidades, muitas
confirmações sobre as suspeitas dos esquemas industriais de corrupção do bando
golpista, dos políticos e operadores do PMDB, PP, DEM, PTB, PSB e PSDB.
Em teoria, portanto, não deveria haver motivos para o estarrecimento com a
publicação da íntegra das delações. O espanto se deve, entretanto, aos vídeos
estarrecedores dos depoimentos dos ex-diretores da Odebrecht.
Os vídeos valem como uma pós-graduação acerca da supremacia do capital e do
mercado sobre a democracia e a República. Eles revelam de maneira escolástica,
para não dizer pornográfica, a existência de um verdadeiro Estado paralelo do
capital operando dentro do Estado de Direito.
O fetiche do dinheiro desenvolveu uma patologia corruptora, manifestada no
poder prazeroso e excitante de comprar todo mundo e qualquer coisa, como
explicou o chefe da área de propinas da Odebrecht, Hilberto Mascarenhas, com
assustadora naturalidade e ironia.
A Odebrecht comprava corruptos como o “pastor” Everaldo, do PSC. Em
contrapartida, definiu o discurso privatizante que ele faria na entrevista do
Jornal Nacional e a postura no debate televisivo da emissora para permitir a
Aécio atacar a candidata Dilma. A Odebrecht se vangloria, inclusive, de comprar
dirigentes sindicais para refrear as lutas e os movimentos dos trabalhadores.
Para a reprodução de esquemas tão sofisticados e profissionais, o poder
econômico certamente compra, além de políticos e partidos, também intelectuais,
juízes, procuradores, promotores, conselheiros de tribunais de contas –
autoridades que, todavia, seguem protegidas e intocadas.
O depoimento de Emílio Odebrecht evidencia a hipocrisia da mídia, sobretudo da
Globo, que dissimula indignação com os procedimentos conhecidos há pelo menos
30 anos. Assim, a mídia constrói a falsa narrativa de que a corrupção no Brasil
nasceu nos governos petistas [sic]. O patriarca da empreiteira explicou,
contudo, que a promiscuidade da empreiteira com o Estado advém da época do seu
pai, Norberto Odebrecht, que fundou o conglomerado em 1944.
A dinheirama da Odebrecht que irrigou o sistema político brasileiro só nos
últimos 10 anos atingiu a cifra assombrosa de US$ 3,3 bilhões [R$ 10,6 bilhões],
valor superior ao PIB de mais de 40 países. Isso expressa o poder de dominação
do capital sobre a política; esclarece como o capital deforma a democracia. O
dinheiro é um poder que frauda a soberania popular e corrompe a política para
orientar, a partir do controle do Estado, a concretização dos seus interesses e
negócios.
Não se deve esquecer, ainda, a atuação de outras empreiteiras investigadas na
Lava Jato – OAS, Andrade Gutierrez, Mendes Júnior, Camargo Corrêa, Queiroz
Galvão etc – e dos grandes capitais atuantes em outros ramos econômicos
nacionais e estrangeiros, como o bancário, financeiro, imobiliário, petroleiro,
agroindustrial, agronegócio etc – que magnificam o poder corrosivo do dinheiro
e do capital na política.
Na eleição de 2014, por exemplo, somente a JBS Friboi, multinacional brasileira
exportadora de carnes, distribuiu R$ 367 milhões a candidatos de todos os
partidos para todos os cargos – presidente, governador, senador, deputado
federal e estadual.
A democracia, para a oligarquia dominante, é uma mercadoria que tem preço. Nas
palavras do filósofo-senador Romero Jucá, renomado especialista em “suruba”
política, presidente do PMDB e líder da cleptocracia do Temer no Senado, o
preço dos políticos que se vendem é maior que o praticado na Feira do Paraguai
de Brasília [o que já é um parâmetro].
Os sem-voto, aqueles da força-tarefa da Lava Jato que se oferecem ao país como
os puros, probos e honestos, se beneficiam desta realidade inaceitável do poder
do capital sobre a política para destruir o sistema político e a democracia
para, com isso, ampliar o poder das suas corporações sobre o Estado e a própria
política.
O desafio, ao contrário, está numa reforma política radical, que extirpe toda e
qualquer forma de financiamento da política, das eleições e dos partidos com o
dinheiro das corporações.
O capitalismo é incompatível com a democracia, por isso é imperativo precaver a
democracia com todos os antídotos contra o poder econômico. Isso só será
possível com uma reforma política que proíba o financiamento empresarial da
política e supere a idiossincrasia de um sistema que permite que governantes
eleitos com maioria absoluta dos votos sejam reféns de oposições parlamentares
chantagistas.