Por Bruno André Blume* no portal Politize.
Um
dos termos mais frequentemente utilizados em qualquer conversa sobre política
no Brasil é ditadura. É natural que isso aconteça, afinal, o nosso país –
assim como seus vizinhos e outros no resto do mundo – possui um
histórico de experiências ditatoriais. Europa, Ásia, África, América:
esses regimes existiram e continuam a existir por toda parte.
Mas
nem é preciso se referir a uma ditadura de verdade para alguém usar esse termo
em um debate. Afinal, é fácil classificar governos de que não
gostamos como autoritários, ditatoriais. E, para confundir ainda mais,
muitas democracias realmente lidam de forma autoritária com a
divergência, assim como se utilizam de métodos ditatoriais para alcançarem seus
objetivos – mesmo que na maior parte do tempo sejam democráticos e respeitem as
regras do sistema político vigente.
Tendo
essas reflexões em mente, nos perguntamos: como pode ser definida
a ditadura? Quais características são comuns a todos os regimes ditatoriais? É
isso que vamos procurar esclarecer neste texto.
Conceito
Segundo Maurice
Duverger, a ditadura pode ser definida como um regime político autoritário,
mantido pela violência, de caráter excepcional e ilegítimo. Ela
pode ser conduzida por uma pessoa ou um grupo que impõe seu projeto de governo
à sociedade com o auxílio da força. Normalmente, ditadores chegam ao poder por
meio de um golpe de Estado. Já o filósofo político Norberto Bobbio afirma
que a ditadura moderna é um regime caracterizado pela concentração
absoluta do poder e pela subversão da ordem política anterior.
Centralização,
autoritarismo e violência
Ditaduras
costumam ser bastante centralizadoras. O poder fica extremamente
concentrado nas mãos da pessoa ou grupo que governa o Estado, com
pouca ou nenhuma abertura para o debate político. Os espaços de
comunicação e deliberação costumam ser fortemente regulados ou suprimidos.
Isso inclui a imprensa, os poderes legislativo e judiciário
(que deixam de ser independentes, como costuma ser de acordo com a divisão
dos três poderes) e os partidos políticos, que muitas vezes são proibidos
de existir.
Dessa
forma, calando vozes de oposição, as ditaduras forçam consensos e
implementam suas políticas com poucas ou nenhuma consulta à sociedade. É por
isso que o autoritarismo e a violência são duas das
marcas de qualquer ditadura. No Brasil, no último período ditatorial que
tivemos (1964-1985), houve censura à imprensa, proibição de quase todos
os partidos políticos, perseguição a opositores e, em alguns momentos, o
fechamento do Congresso Nacional. O Ato Institucional Número Cinco (AI-5),
de 1968, concedeu poderes extraordinários ao Presidente da República, como
decretar recesso do Poder Legislativo em todos os níveis da federação a
qualquer momento.
Excepcionalidade
e ilegitimidade
Ditaduras
normalmente possuem caráter excepcional (são regimes de
exceção) e surgem a partir de golpes de Estado. As ditaduras
da Roma antiga já eram de exceção, mas, como explica Bobbio, nada tinham a
ver com as ditaduras modernas. Os ditadores romanos eram
investidos pelo senado para atuar em situações de emergência,
geralmente guerras. Também tinham prazos rígidos para cumprir sua missão,
que não se prolongavam mais de seis meses. Era um mecanismo previsto
nas leis romanas. Hoje em dia, é raro que haja qualquer previsão legal de
instauração de ditaduras dentro de regimes democráticos. Mesmo assim, no século
XX, elas se proliferaram em países da América Latina, Europa, África e Ásia.
Ainda
é comum que ditadores declarem seus regimes como sendo de exceção, como também
nota Bobbio. A existência da ditadura seria, portanto, um mal necessário
para que a ordem nacional seja restaurada – e assim que isso acontecesse,
o regime deixaria de existir. Entretanto, ditaduras que se declaram de
exceção podem se arrastar por décadas, como aconteceu no Brasil (a
ditadura militar iniciada em 1964 foi terminar apenas mais de 20 anos depois).
Uma
vez que alcança o poder por meio de golpes de Estado, sem consentimento dos
cidadãos, ditaduras também possuem problemas de legitimidade. Raramente
elas se iniciam por meio de eleições diretas. Golpes de Estado são o ponto
de partida mais comum. Além disso, o regime ditatorial disponibiliza
poucos instrumentos de participação popular na política, como
eleições, consultas populares e assembleias.
Mas
atenção: algumas ditaduras podem até utilizar alguns instrumentos
democráticos para passar um verniz de legitimidade em seus governos. Via de
regra, esses instrumentos são severamente controlados para evitar que
manifestem discordância das políticas e visões do regime oficial.
Variações
de ditadura
Dependendo
das características do regime e dos grupos que o promovem, a ditadura
pode ser classificada de diferentes formas. Veja algumas das mais conhecidas a
seguir:
Ditadura militar
Uma
das formas de ditadura mais comuns em muitas partes do mundo é a militar.
Ocorre quando as forças militares tomam o poder, normalmente com o uso de seu
próprio arsenal bélico. O motivo para haver tantas ditaduras militares é
justamente a força que tal segmento do Estado possui. Quando as forças armadas
se insurgem contra o poder político constituído, é muito
difícil contra-atacar.
Uma
ditadura militar pode ter diferentes orientações ideológicas. Há exemplos de
ditaduras consideradas de direita – caso da maior parte das que existiram
na América Latina, como no Brasil (1964-1985), Chile (Augusto Pinochet,
1973-1990) e Argentina (1966-1973) – e de ditaduras de esquerda –
Cuba e Coreia do Norte são exemplos.
Ditadura fascista
O
fascismo merece um texto à parte. Mas cabe registrar que esse tipo de regime
político também pode ser considerado uma ditadura, uma vez que envolve a
presença de um líder autoritário, a censura e o uso da força bruta.
Caracteriza-se também pelo ultranacionalismo, o belicismo e por ideias
populistas.
Ditadura do proletariado
Esse
é uma forma de ditadura que provavelmente nunca foi de fato aplicada
na realidade. A ditadura do proletariado é um conceito adotado dentro
da teoria marxista. Essa ditadura seria exercida pela classe
proletária (a classe dos trabalhadores, aqueles que vendem sua mão de obra para
os donos dos meios de produção), em substituição ao Estado burguês (o Estado
como o conhecemos hoje). Seria um estado de transição anterior ao comunismo,
em que o proletariado passaria a ter todo o controle da sociedade e da
política. Apesar do nome, a teoria prevê que esse regime político
possuiria bases democráticas, uma vez que as autoridades públicas seriam
eleitas e destituídas pelo sufrágio universal.
Ditadura
e regimes totalitários é a mesma coisa?
Apesar
de terem significados muito próximos, existe uma diferença entre ditadura
e totalitarismo. Ditadura se refere estritamente a um regime autoritário
comandado por um líder ou grupo com excessivo poder, sem consentimento
popular e que se utiliza da força para manter sua liderança.
Já
o totalitarismo é um regime que, além de autoritário, ainda promove
esforços para controlar e regular todos os aspectos da vida pública e
privada. Dentro de regimes totalitários, a vida de cada cidadão é monitorada
pelo grupo no poder, que controla cada instituição governamental. Valoriza-se
também a lealdade ao partido ou grupo no poder. A ideologia governamental
torna-se central para a vida da maior parte da população. Regimes totalitários
também se ancoram no uso da propaganda política para conquistar
e controlar o pensamento da população.
Um
bom exercício para compreender a diferença entre ditadura e totalitarismo
é olhar para suas formas opostas. A ditadura é o contrário de uma democracia,
no sentido de que é um governo sem o consentimento do povo. Já o totalitarismo
é visto como o contrário de pluralismo, um sistema em que há
liberdade de pensamento, de crença e respeito aos direitos fundamentais.
Uma
ditadura nem sempre é totalitária, já que pode conviver com alguma pluralidade
de pensamento e sem a preocupação de controlar absolutamente todos os aspectos
da vida da população. Apesar disso, muitas ditaduras são de fato totalitárias,
especialmente as mais conhecidas do século XX: o nazismo de Hitler na Alemanha,
o fascismo de Mussolini na Itália, o comunismo na União Soviética, entre
outros.
Conclusão: Um regime avesso à
democracia
Apesar
das muitas reflexões que surgem a partir da discussão sobre o significado de
ditadura, Bobbio afirma que o uso atual do termo pode ser resumido a
apenas um ponto: a falta de democracia nesses regimes. De fato,
totalitárias ou não, militares ou não, fascistas ou comunistas, as
ditaduras modernas têm em comum o fato de serem também antidemocráticas.
Conseguiu
esclarecer o que seria uma ditadura? Deixe suas dúvidas e sugestões nos
comentários!
Referências
*Bruno
André Blume - Bacharel em Relações Internacionais da Universidade Federal
de Santa Catarina (UFSC) e editor de conteúdo do portal Politize!.