segunda-feira, 28 de agosto de 2017

Afinal, o que é uma ditadura?


Por Bruno André Blume* no portal Politize.
Um dos termos mais frequentemente utilizados em qualquer conversa sobre política no Brasil é ditadura. É natural que isso aconteça, afinal, o nosso país – assim como seus vizinhos e outros no resto do mundo – possui um histórico de experiências ditatoriais. Europa, Ásia, África, América: esses regimes existiram e continuam a existir por toda parte.

Mas nem é preciso se referir a uma ditadura de verdade para alguém usar esse termo em um debate. Afinal, é fácil classificar governos de que não gostamos como autoritários, ditatoriais. E, para confundir ainda mais, muitas democracias realmente lidam de forma autoritária com a divergência, assim como se utilizam de métodos ditatoriais para alcançarem seus objetivos – mesmo que na maior parte do tempo sejam democráticos e respeitem as regras do sistema político vigente.

Tendo essas reflexões em mente, nos perguntamos: como pode ser definida a ditadura? Quais características são comuns a todos os regimes ditatoriais? É isso que vamos procurar esclarecer neste texto.

Conceito
Segundo Maurice Duverger, a ditadura pode ser definida como um regime político autoritário, mantido pela violência, de caráter excepcional e ilegítimo. Ela pode ser conduzida por uma pessoa ou um grupo que impõe seu projeto de governo à sociedade com o auxílio da força. Normalmente, ditadores chegam ao poder por meio de um golpe de Estado. Já o filósofo político Norberto Bobbio afirma que a ditadura moderna é um regime caracterizado pela concentração absoluta do poder e pela subversão da ordem política anterior.

Centralização, autoritarismo e violência
Ditaduras costumam ser bastante centralizadoras. O poder fica extremamente concentrado nas mãos da pessoa ou grupo que governa o Estado, com pouca ou nenhuma abertura para o debate político. Os espaços de comunicação e deliberação costumam ser fortemente regulados ou suprimidos. Isso inclui a imprensa, os poderes legislativo e judiciário (que deixam de ser independentes, como costuma ser de acordo com a divisão dos três poderes) e os partidos políticos, que muitas vezes são proibidos de existir.

Dessa forma, calando vozes de oposição, as ditaduras forçam consensos e implementam suas políticas com poucas ou nenhuma consulta à sociedade. É por isso que o autoritarismo e a violência são duas das marcas de qualquer ditadura. No Brasil, no último período ditatorial que tivemos (1964-1985), houve censura à imprensa, proibição de quase todos os partidos políticos, perseguição a opositores e, em alguns momentos, o fechamento do Congresso Nacional. O Ato Institucional Número Cinco (AI-5), de 1968, concedeu poderes extraordinários ao Presidente da República, como decretar recesso do Poder Legislativo em todos os níveis da federação a qualquer momento.

Excepcionalidade e ilegitimidade

Ditaduras normalmente possuem caráter excepcional (são regimes de exceção) e surgem a partir de golpes de Estado. As ditaduras da Roma antiga já eram de exceção, mas, como explica Bobbio, nada tinham a ver com as ditaduras modernas. Os ditadores romanos eram investidos pelo senado para atuar em situações de emergência, geralmente guerras. Também tinham prazos rígidos para cumprir sua missão, que não se prolongavam mais de seis meses. Era um mecanismo previsto nas leis romanas. Hoje em dia, é raro que haja qualquer previsão legal de instauração de ditaduras dentro de regimes democráticos. Mesmo assim, no século XX, elas se proliferaram em países da América Latina, Europa, África e Ásia.

Ainda é comum que ditadores declarem seus regimes como sendo de exceção, como também nota Bobbio. A existência da ditadura seria, portanto, um mal necessário para que a ordem nacional seja restaurada – e assim que isso acontecesse, o regime deixaria de existir. Entretanto, ditaduras que se declaram de exceção podem se arrastar por décadas, como aconteceu no Brasil (a ditadura militar iniciada em 1964 foi terminar apenas mais de 20 anos depois).

Uma vez que alcança o poder por meio de golpes de Estado, sem consentimento dos cidadãos, ditaduras também possuem problemas de legitimidade. Raramente elas se iniciam por meio de eleições diretas. Golpes de Estado são o ponto de partida mais comum. Além disso, o regime ditatorial disponibiliza poucos instrumentos de participação popular na política, como eleições, consultas populares e assembleias.

Mas atenção: algumas ditaduras podem até utilizar alguns instrumentos democráticos para passar um verniz de legitimidade em seus governos. Via de regra, esses instrumentos são severamente controlados para evitar que manifestem discordância das políticas e visões do regime oficial.

Variações de ditadura

Dependendo das características do regime e dos grupos que o promovem, a ditadura pode ser classificada de diferentes formas. Veja algumas das mais conhecidas a seguir:

Ditadura militar

Uma das formas de ditadura mais comuns em muitas partes do mundo é a militar. Ocorre quando as forças militares tomam o poder, normalmente com o uso de seu próprio arsenal bélico. O motivo para haver tantas ditaduras militares é justamente a força que tal segmento do Estado possui. Quando as forças armadas se insurgem contra o poder político constituído, é muito difícil contra-atacar.

Uma ditadura militar pode ter diferentes orientações ideológicas. Há exemplos de ditaduras consideradas de direita – caso da maior parte das que existiram na América Latina, como no Brasil (1964-1985), Chile (Augusto Pinochet, 1973-1990) e Argentina (1966-1973) – e de ditaduras de esquerda – Cuba e Coreia do Norte são exemplos.

Ditadura fascista

O fascismo merece um texto à parte. Mas cabe registrar que esse tipo de regime político também pode ser considerado uma ditadura, uma vez que envolve a presença de um líder autoritário, a censura e o uso da força bruta. Caracteriza-se também pelo ultranacionalismo, o belicismo e por ideias populistas.

Ditadura do proletariado
Esse é uma forma de ditadura que provavelmente nunca foi de fato aplicada na realidade. A ditadura do proletariado é um conceito adotado dentro da teoria marxista. Essa ditadura seria exercida pela classe proletária (a classe dos trabalhadores, aqueles que vendem sua mão de obra para os donos dos meios de produção), em substituição ao Estado burguês (o Estado como o conhecemos hoje). Seria um estado de transição anterior ao comunismo, em que o proletariado passaria a ter todo o controle da sociedade e da política. Apesar do nome, a teoria prevê que esse regime político possuiria bases democráticas, uma vez que as autoridades públicas seriam eleitas e destituídas pelo sufrágio universal.

Ditadura e regimes totalitários é a mesma coisa?
Apesar de terem significados muito próximos, existe uma diferença entre ditadura e totalitarismo. Ditadura se refere estritamente a um regime autoritário comandado por um líder ou grupo com excessivo poder, sem consentimento popular e que se utiliza da força para manter sua liderança.

Já o totalitarismo é um regime que, além de autoritário, ainda promove esforços para controlar e regular todos os aspectos da vida pública e privada. Dentro de regimes totalitários, a vida de cada cidadão é monitorada pelo grupo no poder, que controla cada instituição governamental. Valoriza-se também a lealdade ao partido ou grupo no poder. A ideologia governamental torna-se central para a vida da maior parte da população. Regimes totalitários também se ancoram no uso da propaganda política para conquistar e controlar o pensamento da população.

Um bom exercício para compreender a diferença entre ditadura e totalitarismo é olhar para suas formas opostas. A ditadura é o contrário de uma democracia, no sentido de que é um governo sem o consentimento do povo. Já o totalitarismo é visto como o contrário de pluralismo, um sistema em que há liberdade de pensamento, de crença e respeito aos direitos fundamentais.

Uma ditadura nem sempre é totalitária, já que pode conviver com alguma pluralidade de pensamento e sem a preocupação de controlar absolutamente todos os aspectos da vida da população. Apesar disso, muitas ditaduras são de fato totalitárias, especialmente as mais conhecidas do século XX: o nazismo de Hitler na Alemanha, o fascismo de Mussolini na Itália, o comunismo na União Soviética, entre outros.

Conclusão: Um regime avesso à democracia
Apesar das muitas reflexões que surgem a partir da discussão sobre o significado de ditadura, Bobbio afirma que o uso atual do termo pode ser resumido a apenas um ponto: a falta de democracia nesses regimes. De fato, totalitárias ou não, militares ou não, fascistas ou comunistas, as ditaduras modernas têm em comum o fato de serem também antidemocráticas.

Conseguiu esclarecer o que seria uma ditadura? Deixe suas dúvidas e sugestões nos comentários!

Referências
Norberto Bobbio: Dicionário de Política – Ditadura – CPDOC: AI-5   – Diferença entre totalitarismo e ditadura – Farol Político: ditadura – Ditadura: definição, características e exemplos

*Bruno André Blume - Bacharel em Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e editor de conteúdo do portal Politize!.

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