Os
executivos do grupo JBS, que tiveram o acordo de delação premiada homologado na
semana passada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), contaram em depoimento como
repassaram propina a senadores com o objetivo de obter vantagens na tramitação
de medidas legislativas e benefícios econômicos. As acusações envolvem parlamentares
do PMDB e PSDB, além do senador Delcídio do Amaral, que à época era do PT.
Saiba
mais:
O
atual presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), teria recebido R$ 5
milhões, de acordo com os delatores, para relatar uma medida provisória (MP) em
nome da empresa. O diretor de Relações Institucionais e Governo da
J&F,Ricardo Saud, afirmou em depoimento à Procuradoria-Geral da República
(PGR) que em 2013 o parlamentar era relator de uma MP que tratava de créditos
do PIS/Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social). Segundo
ele, se o texto fosse aprovado da forma como estava, poderia prejudicar as
propriedades da J&F, holding controladora da JBS.
“Procuramos
os ministérios da Fazenda, do Planejamento, procurei senadores para
sensibilizá-los. Não teve jeito. Eu falei: 'Então só tem um jeito: fazer
[pagar] propina'”, disse Saud aos procuradores. Após conversa com Eunício
Oliveira, ficou acertado o repasse de R$ 5 milhões que, segundo ele, foram
pagos em “doações dissimuladas” que “nada tinham a ver” com contribuições
eleitorais.
Já
o ex-ministro das Relações Exteriores e atual senador, José Serra (PSDB-SP),
teria recebido, de acordo com o presidente da JBS, Joesley Batista, R$ 20
milhões durante a campanha de 2010, quando foi candidato à Presidência, dos
quais R$ 13 milhões em doação oficial ao PSDB.
“Eu
achei que era tudo oficial. Agora recentemente, nos levantamentos, vimos nas
auditorias internas que, dos R$ 20 milhões, R$ 6 milhões foram pagos com nota
fria”, afirmou, detalhando que o grupo do senador apresentou a comprovação como
se a JBS tivesse comprado um camarote de um autódromo para uma corrida de
Fórmula 1. “Teve realmente esse camarote e essa corrida. Só não podia custar R$
6 milhões, né?”, contou Joesley. Segundo o delator, outra nota foi emitida no
valor de R$ 420 mil, também na forma de pagamento extra-oficial.
Ainda
segundo Joesley Batista, a senadora Marta Suplicy (PMDB-SP) teria recebido R$
500 mil durante sua campanha ao Senado e mais R$ 200 mil mensais por cerca de
15 meses durante a sua pré-campanha à prefeitura de São Paulo, em 2016. De
acordo com o ele, do total de R$ 1 milhão repassados pela empresa em
2010, a metade foi em doação oficial e a outra metade “em dinheiro”. O delator
conta que “foi com muita insistência” que, em 2015, os empresários aceitaram
contribuir com a parlamentar, já que “não temos nada a ver com [contribuição
para campanha de] prefeitura”.
As
mesadas de R$ 200 mil foram pagas, de acordo com ele, por “um ano e pouco”, por
meio de “umas 15 parcelas”. “Até que eu desisti”, revelou. Sobre os recursos em
dinheiro, ele não soube dizer quem eram as pessoas responsáveis pelos repasses.
Então
senador, cassado há um ano após ser preso pela Polícia Federal por obstrução à
Justiça, Delcídio do Amaral teria recebido um “mensalinho” de R$ 500 mil por
dez meses e mais R$ 5,3 milhões em notas frias. As acusações contra o agora
ex-senador sem partido foram feitas por Ricardo Saud.
O
intuito dos repasses, segundo o diretor, era retribuir a ajuda de Delcídio
junto ao governo, buscando impedir que uma área de interesse da JBS no Porto de
Santos não fosse a leilão. Além disso, a contribuição de R$ 500 mil mensais
antes da campanha de Delcídio ao governo de Mato Grosso do Sul em 2014 tinha
outro propósito: o comprometimento, se eleito, com a manutenção do Termo de
Acordo de Regime Especial (Tare) no estado.
“Abrimos
mais ou menos um crédito tipo conta-corrente para que ele começasse a ganhar
ali e pagasse a gente quando ganhasse a eleição. Se não ganhasse, ele ia dar um
jeito de pagar a gente”, afirmou Saud. De acordo com o delator, R$ 5,3 milhões
foram repassados por meio de “notas frias diversas”, sendo que “[eles] nunca
prestaram nenhum tipo de serviço para nós”. Além disso, afirmou, outros R$ 6,2
milhões foram pagos “em dinheiro vivo”. “Na verdade, ele mandava pessoas
buscarem na antiga sede nossa da J&F. Nunca era a mesma pessoa”, disse
Saud, justificando o fato de não se lembrar dos nomes que participavam das
transferências.
Ao
final de um dos depoimentos, o dono da JBS, que também apresentou à PGR uma
gravação envolvendo o presidente Michel Temer, tentou explicar o motivo dos
pagamentos de propina. De acordo com ele, os executivos buscavam impedir, junto
a políticos de diferentes partidos, que os negócios da empresa fossem
prejudicados.
“Que
isso não seja justificativa de forma alguma, procurador, mas a senadora Marta é
uma senadora relevante e importante. O simples fato de um senador da República
te fazer um pedido de dinheiro, e ainda mais quando for em espécie, já te
constrange. É no mínimo constrangedor, um senador, um presidente da República,
te pede para patrocinar um camarote. Ajudar muitos não conseguem, mas
atrapalhar tenho certeza que conseguem e muito”, disse Joesley Batista.
Defesas
Em
nota à imprensa, Eunício Oliveira disse que as doações da JBS em 2014 foram
“devidamente declararas” à Justiça Eleitoral na prestação de contas do então
candidato. Segundo a assessoria do parlamentar, é “absolutamente normal”
receber representantes dos setores interessados na matéria, em casos de
relatoria.
“O
senador Eunício Oliveira não usa e nunca usou suas funções legislativas para
favorecer empresas públicas ou privadas. No ano de 2013, não há doações ao
partido conforme diz o delator, como é possível constatar nas prestações de
contas do diretório nacional, que são públicas e podem ser verificadas nas
declarações ao TSE [Tribunal Superior Eleitoral]”, afirmou, em nota,
classificando os diálogos relatados no depoimento como “imaginários” e
“mentirosos”.
De
acordo com a assessoria do senador José Serra, o parlamentar nunca ofereceu
contrapartidas para receber doações eleitorais. “O senador José Serra reitera
que todas as suas campanhas eleitorais foram conduzidas dentro da lei, com as
finanças sob responsabilidade do partido”, afirmou em comunicado, após vir à
tona o conteúdo das delações.
Marta
Suplicy disse desmentir “enfaticamente” qualquer outra contribuição que teria
recebido, segundo os delatores, além da doação oficial declarada ao TSE. Por
meio de um comunicado, a senadora disse que a delação de Joesley Batista é uma
“chocante confissão de improbidade”. Segundo a senadora, o executivo nunca
pediu favores a ela nem lhe fez “nenhum favor ou benefício”.
“É
absurda a afirmação de que suas empresas tivessem me doado qualquer valor
mensal para a campanha à Prefeitura de São Paulo em 2016. Foi pedida uma
contribuição da pessoa física, que foi negada. Nada foi doado e nada foi pago
ou recebido. Aliás, a campanha eleitoral não durou 15 meses e, repito, nada foi
doado por esse grupo à minha campanha para a prefeitura. Tomarei as
providências cabíveis para esclarecer legal e devidamente essas afirmações
falsas”, escreveu Marta Suplicy.
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