terça-feira, 19 de junho de 2012

Auxilio Reclusão. você sabe como ele funciona?


Por Dagmar Vulpi - junho de 2012

Tentarei com esta postagem amenizar a inquietação de um amigo. Ele publicou, indignado, no grupo Consciência Política e Razão Social, manifestando-se completamente contrário ao Auxílio-Reclusão — e, além disso, demonstrando desconhecer a realidade da aplicação dessa lei.
Antes de julgarmos, é preciso compreender do que realmente se trata.


O que diz a lei

O advogado Guilherme Fernando Ferreira da Silva explica:

  1. O Auxílio-Reclusão é um benefício devido aos dependentes do segurado do INSS preso em regime fechado ou semiaberto, encerrando-se quando ele obtém liberdade.

  2. Apenas têm direito ao benefício os dependentes do segurado que mantém a condição de segurado da Previdência Social e não estão empregados ou recebendo salário no momento da prisão.

  3. O teto é calculado sobre a média de 80% dos maiores salários de contribuição do segurado, conforme a Portaria nº 8, de 13 de janeiro de 2017.

  4. O valor é dividido entre os dependentes, e não somado.

  5. Em caso de falecimento do preso, o auxílio transforma-se automaticamente em pensão vitalícia.

Tudo isso está previsto no Artigo 80 da Lei nº 8.213/1991.


A história do Chico

Agora, para ilustrar o funcionamento da lei, contemos a história de Francisco, ou simplesmente Chico — personagem simbólico de tantas realidades brasileiras.
Chico, hoje com 30 anos, nunca havia trabalhado com carteira assinada. Caçula de oito irmãos, viu quatro morrerem, um ser preso, e perdeu o contato com as duas irmãs que se casaram e sumiram no mundo. Criado pela avó, uma lavadeira quase octogenária, passou a vida sustentado por ela. Quando a velha morreu, herdou o barraco — e o vendeu, decidido a dar um “chute na miséria”.

Apostou todo o dinheiro num carregamento ilícito e, como era de se esperar, foi passado para trás. Perdeu tudo. Sem ter a quem recorrer — e com a consciência de que “todo investimento tem risco” —, desceu do morro decidido a tentar a sorte como ajudante de obras.

Na sexta-feira em que conseguiu o emprego, recusou começar de imediato:

Trabalhar hoje? Sexta, nesse calor? Dinheiro certo no fim do mês... Melhor comemorar com umas geladas”, pensou.

E assim foi. Segunda-feira chegou, ele apareceu, trabalhou seis meses — entre faltas, atrasos e cochilos no fosso do elevador. Mas Chico não pensava em construir o futuro com cimento e suor: queria um golpe de sorte.

Descobriu que naquele dia o dinheiro dos pagamentos de todos os funcionários estaria no escritório da obra. Planejou tudo. Entraria, roubaria e sumiria.
Mas o destino — esse velho roteirista de ironias — o surpreendeu. No momento exato do assalto, a secretária entrou na sala. Um tiro, um corpo no chão, e Chico no chão também — rendido pelos seguranças e entregue à Dona Justiça.


O benefício entra em cena

Preso, Chico agora é estatística. E seus cinco filhos, dependentes.
Pela lei, eles passam a receber o Auxílio-Reclusão. A mãe, dona Maria, assume o lar e o benefício mensal, que no início soma R$ 915,05, corrigidos religiosamente.
O Estado cumpre seu papel: garante o sustento das crianças que nada têm a ver com o crime do pai.

Com o tempo, as visitas rareiam. Os meninos crescem e quase não lembram mais do homem que, em liberdade, bebia e batia neles e na mãe.
A vida da família muda: roupas novas, dentes reconstruídos, cabelo alisado e perfume caro. Maria virou “madame do morro”.
E, ironia das ironias, o pior erro da vida acabou virando o melhor negócio.

Até que, certo dia, chega a notícia: Chico se enforcou na cela.
Ninguém entendeu como. O laudo pericial foi inconclusivo. Apenas o companheiro de cela, Pedrão, jurou ter ouvido os últimos gemidos do amigo — e, misteriosamente, foi solto logo depois, graças a um advogado que surgiu do nada.

Com o “suicídio” de Chico, o Auxílio-Reclusão transforma-se em pensão vitalícia.
Agora é oficial: o homem que nada construiu em vida, garantiu à família uma estabilidade que nunca teve em liberdade.


Reflexão:

A história de Chico é caricata, mas retrata uma distorção real de percepções — mais moral do que legal.
O
Auxílio-Reclusão não é prêmio ao crime, mas proteção social à inocência dos dependentes. O problema, como quase sempre, não está na lei, e sim na lente de quem a observa.

Enquanto o país insistir em confundir justiça com vingança, continuará punindo filhos pelo pecado dos pais — e a miséria seguirá sendo o cárcere mais duradouro do Brasil.

11 comentários:

  1. Parabéns ao autor do texto! Fiquei ainda mais revoltado com as leis deste país.

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    1. Agradeço sua visita e participação meu caro (Anônimo).

      Não consegui ficar somente na explicação teórica da Lei de Reclusão Penal, me vi tentado, e na obrigação de explicar seu funcionamento na prática.

      Um abraço fraterno
      Dag Vulpi

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    2. Grande Dag caro comapnheiro de jornadas blogueiras e facebokianas, não poderia de deixar nesta postagem meu - Abraço Fraterno, no resto sei das tuas qualidades e neste esclarecimento, mais uma vez foste genial. SEMPRE - Gerry

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    3. Estimado amigo Jerry Conforte. Seus comentários sempre generosos tornaram-se ainda mais valorados depois que o criador de todas as coisas optou por deixa-lo mais próximo dele. Eu, caso estivesse no lugar dele, faria o mesmo. Não por egoismo, mas sim por uma questão de justiça e amor. Eternas saudades e, onde estiveres, receba sempre o carinho desse amigo.

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  2. Parabéns Dag Vulpi

    Este texto deveria ser amplamente divulgado, pois esta é a mais cristalina verdade.

    Marcus

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  3. Excelente postagem Dag Vulpi, Parabéns.

    O texto retrata a mais pura realidade das Leis com os Chicos e os Franciscos brasileiros.

    Bia

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  4. Perfeito Dagmar, retratas muito bem a inversão de valores pelos "psiquiatras sociais" apoiados pelos demagogos legisladores, amigos e protetores dos errados.

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  5. E a pensão por morte,os dependentes do Senhor Francisco não tem direito a recebê-lo?
    Segundo a Lei 8.213/91, Art. 74:
    "A pensão por morte será devida ao conjunto de dependentes do segurado que falecer, aposentado ou não..."

    Fiquei na dúvida!
    O Art.80 da mesma Lei, diz: "O Auxílio-reclusão será devido, nas mesmas condições da pensão por morte..."

    Afinal, os dois personagens não são segurados da previdência, e sendo assim, seus dependentes não tem direito aos benefícios previsto na Lei?

    Julgamos muito as leis brasileiras, e a julgamos só de ouvir a opinião de pessoas que leem ou que escutam de outros e, assim vão interpretando aleatoriamente, sem saber de fato como elas funcionam.

    Não consegui entender como funcionam o auxílio-reclusão e a pensão por morte!

    Grata,
    Liliane

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    Respostas
    1. Liliane, boa noite!

      Primeiro quero agradecer o previlégio que me concedeu ao vsitar e participar meu blog.

      Seu comentário é bastante pertinente, e o tema da postagem é um assunto que gera muitas interpretações equivocadas.

      Graças ao seu comentário percebi que, para não criar interpretações dúbias terei que readaptar o desfecho do enredo que criei.

      Quanto ao auxilio por morte, farei uma postagem específica sobre o tema.

      Fraterno abraço.

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  6. tenho duas crianças pequenas e o pai deles esta preso,quando ele foi preso nós ja nao morava com ele,eu gostaria de saber se meus dois filhos pequenos tem direito de receber o auxilio reclusão?desde de ja obrigado

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    1. Boa noite Nildinha.

      Agradeço sua visita ao meu blog e sua participação aqui no fórum.

      Veja bem, se os seus filhos são regularmente registrados como filhos do pai que se encontra encarcerado, e se ele, na ocasião de sua prisão estava regularmente registrado com carteira assinada e consequentemente contribuindo com o INSS, os seus filhos tem direito ao auxilio reclusão.

      Caso você não possa arcar com as custas de um advogado particular procure a defensoria publica de sua cidade para dar a entrada com o pedido do auxilio reclusão.

      Espero ter colaborado.

      Fraterno abraço e sucesso.
      Não abra mão dos seus direitos.

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Abração

Dag Vulpi

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