Por Dagmar
Vulpi
Tentarei com
esta postagem amenizar a inquietação de um amigo. Ele fez uma indignada
publicação no Facebook, mais precisamente no
grupo “Consciência Política e Razão Social”, onde, além de
demonstrar-se completamente contrário, também demonstrou muita desinformação
sobre a realidade da aplicação desta lei.
Primeiro vamos
apresentar as explicações sobre o Auxílio Reclusão, feitas por quem tem
autoridade para isso, o advogado Guilherme Fernando Ferreira da Silva.
1- O Benefício
do Auxílio Reclusão é devido aos dependentes do segurado do INSS que é preso,
em regime fechado ou semiaberto, e se encerra assim que o segurado preso for
posto em liberdade.
2- Tem direito
ao benefício apenas os dependentes do preso que esteja sob a condição de
segurado da Previdência Social, e que não tenha perdido esta condição. E que,
não esteja empregado e recebendo salário quando for preso.
3- O valor de R$ 1.292, 43 (definido pela portaria nº 08 de 13 de janeiro de 2017) é o TETO do
benefício, e é calculado sobre a média de 80% dos maiores salários de
contribuição do segurado preso.
4 - O valor do benefício é DIVIDIDO entre os dependentes do segurado preso, e
não somado.
5 - Em caso de
ÓBITO do preso o auxilio transforma-se automaticamente
em PENSÃO VITALÍCIA.
Tudo isso está
no artigo 80 da Lei nº 8.213/1991.
Agora, no texto abaixo tentarei ilustrar a lei do Auxilio Reclusão de uma forma
bem simples, para um melhor entendimento deste bendito beneficio.
Pois bem,
tentarei explicar de forma que todos os requisitos exigidos pela Lei da
previdência social necessários para conceder o tal beneficio sejam atendidos.
E, para exemplificar usarei dois pais de família, o Sr. CHICO e o Sr.
FRANCISCO, cada um deles com cinco filhos, e ambos trabalhando com carteira
devidamente assinada, portanto, contribuindo regularmente com a Previdência
Social.
Seu Francisco
hoje com 30 anos, veio do interior para tentar a sorte na cidade grande, porém,
sem estudos, o máximo que conseguiu foi trabalhar na construção civil, e está
nessa dureza desde os quinze anos, até os dezoito trabalhou na clandestinidade,
ou seja, sem registros em carteira. Depois de completar dezoito anos conseguiu
ser promovido de ajudante para pedreiro, e teve sua carteira profissional
assinada pela primeira vez.
Seu Francisco, já sem perspectivas de um dia poder sair dessa vida, deposita
todas as suas esperanças no futuro de seus filhos, sonhando de um dia poder ver
pelo menos um deles com diploma de doutor, caso isso aconteça todo seu esforço
terá valido a pena.
Já o outro
personagem, o Chico, está com 29 anos e nunca trabalhou com, ou sem carteira
assinada. Chico e o caçula de uma família de oito irmãos, daqueles, quatro já
haviam passado dessa para melhor, um estava preso, suas duas irmãs casaram-se e
desde então nunca mais se teve noticias.
Chico sempre
morou com sua avó, uma senhora que já se aproximava dos oitenta anos, e que
durante toda vida foi lavadeira. Sustentado pela vó ele passou sua meninice e
sua juventude. Por ali mesmo casou-se e na mordomia de sempre foi enchendo o
barraco de bacuris.
Porém, como
ninguém é eterno, e vaso bom quebra mais fácil, chegou o dia, e a velha
lavadeira bateu com as 37. Com a morte da velha, Chico tornara-se seu herdeiro,
e não pensou duas vezes, resolvendo dar um chute na miséria ele vendeu o
barraco e arriscou toda a grana apurada num carregamento completamente ilícito,
e que, não por acaso acabou sendo desviado pelos próprios
“parceiros”. O pior foi que nem à reclamação Chico teve direito, pois a barra
por aquelas quebradas era pesada, e o melhor a se fazer é aceitar o “prejú” e
não se meter a besta, afinal, todo investimento tem lá seus riscos, e este não
fugiu à regra.
Mas Chico era
malandro nascido e criado no morro, e como malandro é malandro, ele analisou
algumas possibilidades para se dar bem, e chegou à conclusão que deveria tentar
a sorte trabalhando nas obras de um belo edifício que estava sendo erguido lá
na orla. A construtora era grande, e o seu número de funcionários maior ainda,
logo, por ali rolava muita grana.
Disposto a conseguir uma vaga ele desceu para o asfalto, bateu no portão da
obra e mostrou-se com um semblante nunca visto antes, aparentando ser um pobre
trabalhador necessitado e disposto a trabalhar, seu olhar convencera o chefe de
obras, e para sua “sorte” estavam admitindo. Recebeu inclusive a proposta para
iniciar na obra de imediato, pois a obra estava com certo atraso em seu
cronograma, mas Chico agradeceu o imediatismo ao chefe dizendo-se compromissado
naquela sexta feira, mas que na segunda sem falta estaria se apresentando para
o trabalho, o mestre de obras compreendeu e concordou que ele retornasse na
segunda, mas que fosse sem falta, e cedo.
Voltando para
o morro, agora morando num barraco bem menor e alugado, mas com emprego
garantido ele pensou (sic)“é ruim deu trabalha hoji, plena sexta feira,
um calor desse, e dinheiro certo no final do mês, vô mais é comemorá
tomando umas geladas, já vo logo abri uma conta no bar do cumpadi, segundona se
tudo der certo, o Flamengo ganhá e o Ronaldinho arrebentá to lá no sofrimento
rsrs”
Acumulando
faltas, com alguns atrasos e sendo flagrado diversas vezes dormindo escondido
no fosso do elevador Chico completou seis meses de “trabalho”. Mas seu
objetivo não é o de ficar ali ralando o resto de sua vida a exemplo do
Francisco. O Chico está sempre de olho em alguma possibilidade de se dar
bem, e essa possibilidade finalmente chegou. Ele analisou a rotina da empresa
ao longo dos seis meses, e sabia que aquele seria o dia em que todo dinheiro do
pagamento de todos os funcionários da construtora estaria no escritório da
obra, e era exatamente essa a oportunidade que Chico esperava prá lavar a
égua.
Já estava tudo
planejado, Chico entraria roubaria todo o dinheiro da folha de pagamento e
daria o pinote com toda a grana, sua meta era ficar um bom tempo só de papo pro
ar, usufruindo dos louros do seu golpe, mas, como nem tudo é perfeito, quisera
o destino que, exatamente no momento em que Chico daria o bote feito um gato, o
infeliz do Francisco, nosso outro personagem, resolvesse aparecer, ai não deu
outra, Francisco chegou na hora errada e no lugar errado, e sem imaginar o que
estava se passando deu o maior flagra no Chico, esse por sua vez não pensou
duas vezes, sacou o tresoitão e mandou um balaço bem no peito do Francisco, que
já caiu sem o sopro de vida. Ao ouvirem o barulho do tiro, os seguranças da
obra chegaram junto, encurralaram e seguraram o larapio que logo em seguida foi
devidamente entregue à dona justa.
Chico ficou
muito frustrado, afinal ele passou seis meses tramando o golpe, e por um
capricho do destino tudo acabou dando errado. Aos costumes Chico foi
devidamente conduzido a prisão, já o Francisco foi direto para a terra dos pés
juntos.
Agora chegamos
ao ponto onde de fato entenderemos como funciona o bendito do tal auxilio
reclusão, que, aliás, é o nosso verdadeiro objetivo com toda essa papagaiada.
Pois bem, para isso começaremos aleatoriamente pelas crianças, lembremos que
são dez no total, sendo cinco filhos do Chico, o agora mais novo presidiário, e
aos cuidados e responsabilidade do Estado, e os outros cinco, filhos do
Francisco, que foi a mais recente vitima da violência urbana.
Começarei
pelos coitados dos filhos do Chico. Essas pobres cinco crianças ficarão um
determinado tempo sofrendo com a ausência do pai, mas ainda assim, terão a
possibilidade de visitá-lo de quando em quando, e em breve seu pai já terá
cumprido parte da pena, e logo estará em liberdade condicional, livre do
sofrimento. Porém, ao analisar direitinho o benefício concedido pela bendita
Lei de reclusão, será até bom que o Chico nunca mais saia de lá, afinal,
enquanto ele estiver recluso seus filhos estarão recebendo o bendito auxilio, e
para eles, ele será muito mais útil preso, do que solto e vagabundeando pelo
morro a procura de sarna pra se coçar.
Com o passar
do tempo eles nem se lembrarão mais daquele cachaceiro vagabundo, que quando em
liberdade o que fazia era beber e espancar, os cinco filhos e a esposa. Melhor
que ele morra na prisão, assim o auxilio reclusão passará automaticamente para
pensão vitalícia.
Alguém lá do
morro, com mais experiência, já bateu para a futura viúva que, o infeliz do
Chico vai demorar em capotar de morte natural, e que neste caso, seria um ótimo
negócio reservar um mês do auxilio reclusão para que algum "amigo" de
sela do Chico abrevie seu sofrimento, e acelere o processo de sua passagem
dessa para melhor, garantindo assim a boa vida para os seis.
Os moleques
estão sendo bem tratados com a bolada que a esposa do recluso recebe
religiosamente todo mês. A mãe das crianças já virou madame, fez alisamento com
escova progressiva, implantou os dentes que haviam sido cuidadosamente
extraídos por um soco desferido pelo maldito do Chico ainda na época em que ele
passarinhava pelos botecos do morro afora.
Agora a dona
Maria tá que é um pitéu, toda ajeitada e cheirosa, e com dinheiro no banco,
afinal, de acordo com os cálculos do amigo Marcos Rebello a mixaria no primeiro
ano era de R$ 915,05 mensais, e sempre corrigidos religiosamente e
espontaneamente, sem a necessidade de greve ou passeata.
A danada era
mesmo esperta, até aquele que parecia ter sido o único vacilo da vida, que foi
casar com o traste do Chico acabou revelando-se o melhor negócio de sua vida.
Para quem já estava acostumada a sobreviver com meio salário mínimo,
meio, porque a outra metade o Chico depositava na conta dos donos dos botecos,
e de repente passar a receber um beneficio desta monta, só podia dar nisso,
crianças roliças, sempre de barriga cheia, roupinhas e tênis da moda pra toda
gurizada, e é claro, dona Maria não ia dá o mole de não se cuidar como
princesa, além do alisamento capilar e dos devidos ajustes ortodônticos, a
madame já havia comprado um carrinho, de segunda, mas o danado tava nos
trinque. Com o trágico suicídio do Chico então, tudo ficou ainda
melhor, agora não tem erro, o auxilio está garantido e é pro resto da vida, o
que era auxilio, com o inexplicável suicídio do Chico, passou a ser pensão
vitalícia.
Em relação ao
suicídio do pobre do Chico, nenhum perito, nem aquele da bolinha de papel do
Serra, conseguiram explicar como o Chico conseguira se enforcar debaixo da
cama, esse Chico era um danado mesmo, só quem ouviu os gemidos do Chico se
enforcando foi o seu companheiro de sela, o Pedrão. Inclusive,
testemunhar a inexplicável suicídio do Chico foi a ultima coisa que
Pedrão fez naquela prisão, inexplicavelmente ele foi
favorecido por alguém que não quis se identificar, bancando as custas de um
advogado que o colocou em liberdade em dois tempos.
Fiquei
enchendo lingüiça explicando a sorte que teve a esposa e os filhos do Chico, e
quase me esqueço da esposa e dos cinco filhos do Francisco.
Então vamos lá
para a outra ponta do barbante, pois bem, por ser um bom e dedicado empregado,
e por ter trabalhado durante mais de quinze anos para a mesma construtora,
participando da construção de obras que deram grande retorno financeiro, para o
seu ex-patrão, a viúva do infeliz do Francisco foi agraciada com um cheque de
quinhentos reais, para ajudar com as despesas fúnebres.
Seus filhos
deixaram o colégio, pois precisarão trabalhar para ajudar nas despesas, e com
isso lá se foi a ultima esperança de Francisco, que era a de ver um de seus
filhos tornar-se doutor. E, seja lá onde ele estiver, terá que se contentar em
ver seus filhos com o futuro idêntico ao que ele teve.
Os filhos do
Francisco por certo serão cidadãos honrados, pois, apesar de não poder ter dado
nada de luxo para seus filhos, educou-os o suficiente para que esses trabalhem
dignamente e contribuam com a previdência social, para que se necessário os
filhos de possíveis CHICOS da vida não passem por privações assemelhadas às que
seus filhos por certo passarão.