A Justiça Federal de São Paulo enviou nesta terça para o Supremo
Tribunal Federal (STF) o inquérito que investiga a eventual formação de cartel
e pagamento de propina a agentes públicos na compra de trens em São Paulo.
Vamos ver se consigo ser didático ao explicar por que isso acaba sendo uma
espécie de cereja no bolo da lambança jurídico-política — ainda que o juiz, em
si, não tenha nada com isso.
1 – Por que o inquérito está sendo enviado ao Supremo? Porque
envolve autoridades com foro especial por prerrogativa de função — há deputados
federais sendo acusados.
2 – Mas esperem: se só está indo ao STF porque existem essas
autoridades sendo acusadas, por que, então, o papelório todo não foi enviado,
desde o princípio, à Procuradoria-Geral da República? Ou será que a Polícia
Federal admite que fazia uma investigação ilegal de parlamentares com direito a
foro especial? E que se note: foro especial não é sinônimo de privilégio.
3 – As respostas às questões do item nº 2 são simples. O material
não havia sido enviado à Procuradoria-Geral da República porque, simplesmente,
as tais autoridades não haviam sido citadas por ninguém.
4 – No acordo de delação premiada que fez com a Polícia Federal e
no acordo de leniência que assinou no Cade, Everton Rheinheimer, ex-diretor da
Siemens, não havia citado autoridade nenhuma do governo de São Paulo. Parece
que isso tudo só se deu a posteriori, quando se achou que o caso não estava
sendo politizado o bastante.
5 – O que terá acontecido no percurso? Nas suas várias conversas com
a PF, será que Rheinheimer foi se lembrando do acontecido?
6 – Depois que o ministro José Eduardo Cardozo — que terá de
explicar à Comissão de Ética Pública — foi chamado às falas pela oposição, o
que houve? Começaram a aparecer as “provas” contra as autoridades, que antes
não existiam?
7 – A própria procuradora Karen Louise Kahn, do Ministério Público
Federal em São Paulo, manifestou-se contra o envio do inquérito para o STF.
Razão? Ela não vê indícios ou provas suficientes contra os políticos com foro
privilegiado citados nos depoimentos da investigação.
8 – O que se está procurando fazer, na verdade, é empurrar para a
frente um imbróglio que é de natureza política.
9 – A Justiça Federal, prudentemente, resolveu emitir uma nota em
que se lê: “A remessa dos autos ao Supremo Tribunal Federal não
implica reconhecimento pelo magistrado responsável pela supervisão do inquérito
da existência de indícios concretos de práticas criminosas pelas autoridades
referidas, fundamentando-se apenas no entendimento de que compete ao STF
supervisionar eventuais medidas investigatórias relacionadas a tais
autoridades.”
10 – Qual é o trâmite agora? No Supremo, o caso ganhará um
ministro relator. Ele enviará o material para a Procuradoria-Geral da
República, que dará o seu parecer, que pode ou não ser acatado pelo ministro.
Se a PGR disser “sim”, e o ministro achar que “não”, o órgão pode entrar com um
agravo para que o pleno se manifeste.
11 – Atenção! Ainda que o inquérito seja sigiloso — a despeito dos
vazamentos —, sabe-se que não traz absolutamente nada contra as autoridades
tucanas, a não ser a acusação feita pelo ex-diretor da Siemens, que depois
negou ser o autor das acusações.
Romeu Tuma Jr. está sacudindo os meios políticos com um livro em
que denuncia a máquina petista, incrustada no estado, de produzir e esquentar
dossiês contra adversários. Não só isso: também acusa o governo de fazer corpo
mole quando se trata de investigar os seus pares. O caso dos trens de São
Paulo, diga-se, está no livro “Assassinato de Reputações – Um Crime de
Estado”.
Sobram evidências de formação de cartel na construção dos metrôs
de Belo Horizonte e Salvador. Para mais informações, leia post, que remete a outros links. Ora,
segundo o delegado da Polícia Federal que apurou o caso em São Paulo, um certo
João Roberto Zaniboni é só um lobista pagador de propina. É mesmo?
Ocorre que, como noticiou o Painel da Folha, o tal Zaniboni,
ex-diretor da CPTM condenado na Suíça por lavagem de dinheiro e indiciado no
Brasil sob suspeita de atuar em cartel em contratos de trens em São Paulo, “também recebeu da CBTU
(Companhia Brasileira de Trens Urbanos), empresa de economia mista ligada ao
governo federal. A Focco, empresa da qual Zaniboni era sócio até agosto, tem
contrato de R$ 4,6 milhões para consultorias em obras de metrô que integram o
PAC. A Focco tem 50% de participação no consórcio contratado em dezembro de
2012 para fazer consultoria técnica, apoio ao gerenciamento e supervisão dos
contratos de fornecimento de equipamentos para as regionais da CBTU em Belo
Horizonte, Natal e João Pessoa. Segundo o advogado de Zaniboni, Luiz Fernando
Pacheco, a empresa recebeu R$ 500 mil, ou 24,5% de sua parte do contrato. O
relatório de gestão da CBTU informa que os R$ 4,6 milhões já foram empenhados e
liberados e estão inscritos nos restos a pagar de 2012.”
E aí?
É só isso? Não! Informa também o
Painel: “O
contrato com a CBTU não apareceu até agora nem no inquérito da Polícia Federal,
no qual a Focco e Zaniboni são citados, nem na apuração aberta pelo Cade sobre
cartel. A empresa está com bens bloqueados em função das investigações sobre
contratos em São Paulo.”
É isso aí. O governo federal pagou a consultoria feita por aquele
que a PF chama “lobista”, condenado por lavagem de dinheiro na Suíça. A PF não
investiga nada. O Cade não quer saber. Quer dizer que, quando ele trabalha para
entes ligados ao PT, ele é “consultor”; quando trabalha para os tucanos, é
“lobista”, é isso?
Encerro
Notem: eu não pertenço a essa súcia que sai por aí defendendo
criminosos em troca do rico dinheirinho de estatais. Que cada um pague por
aquilo que fez. Em São Paulo ou em qualquer lugar. O que é inaceitável é que a
Polícia Federal, o Ministério da Justiça e o Cade selecionem os seus alvos,
deixando de lado as investigações que comprometem o governo federal. Ah, sim: a
minha recomendação NÃO É para livrar a cara de todos. É para não livrar a cara
de ninguém.
Quanto ao inquérito que chega ao STF, ele é de tal sorte frágil
que dificilmente seguirá adiante. Ministros não costumam abrir inquérito só
porque um delegado da predileção de José Eduardo Cardozo é muito convicto.
Por Reinaldo Azevedo