Por
Fernando Vieira em 28 de outubro de 2014
Desde o fim das eleições e a vitória de Dilma Rousseff as redes sociais estão
inundadas de declarações de ódio que beiram o fascismo: “nordestinos acabaram
com o Brasil”, ”Vocês, seus pobres e miseráveis vão continuar na merda”, ”votaram
em Dilma e acabaram com nosso país”, ”haverá uma ditadura comunista”, ”odiamos
o PT”, ”vou embora do Brasil por que eu posso, seus pobres miseráveis”, ”vão
continuar dependendo de Bolsa Esmola pra viver”, algumas declarações feitas no
Facebook são um exemplo disso.
Certa
moça diz que deixará o Brasil, pois ela, diferentemente dos “miseráveis” que
votaram em Dilma tem condições de ir morar em Orlando (EUA) junto com seu pai,
deixa claro que: ”eu sou rica, não preciso de bolsa esmola”.
Mas, de onde vem tanto ódio? O que fez o PT para causar tamanho ódio? Serão
apenas os escândalos de corrupção que, atentando contra certa moralidade (roubar
é feio) despertam o ódio? Ou será algo mais? Ora, devemos descartar a hipótese
da corrupção, segundo o TSE os partidos mais corruptos (envolvidos em um maior
número de casos de corrupção) são o DEM e o PSDB, não o PT. Ou seja, direcionar
o ódio a corrupção, não é o mesmo que direcionar o ódio ao PT, afinal, ele não
criou a corrupção, e nem tampouco é o único a praticá-la, portanto, tal
justificava não é suficiente para explicar este fenômeno. Escrevo sem pretensões
de esclarecer o fenômeno, um curto texto não é capaz de explicar tal ódio.
Se a corrupção é apenas o verniz do ódio pregado ao PT, e que se revela, neste
período pós-eleitoral como um ódio muito mais profundo ( ao nordestino, ao
negro, aos miseráveis), de onde surge o ódio contra o PT? Quero considerar este
ódio em dois níveis:
1-) O ódio que a ”elite” (sobretudo a classe média tradicional) tem ao PT, é,
segundo penso, um ódio direcionado ao fim do privilégio da exclusividade frente
ao acesso a bens e espaços de poder. Trazendo a tona uma reflexão um tanto
freudiana sobre o tema, me arrisco a dizer que a ”elite” tinha sua libido, seu
fluxo libidinal (considerando libido como a força desejante) direcionado a ”exclusividade”,
seja a de ter acesso a um carro do ano, a um notebook, a internet ou ter acesso
a Universidade, ao diploma, às viagens no exterior. Havia entre a “elite” e estes
”acessos” uma relação clara de exclusividade. O “Outro”, pobre geralmente, da
classe trabalhadora, não teria acesos a tais bens. A exclusividade, produzia o
gozo do fluxo libidinal, semelhante a paixão. Quando alguém está apaixonado,
direciona ao ser “amado” sua libido, se um Terceiro surge e rompe a
exclusividade do ser amado, então, aquele que rompeu será o alvo de uma espécie
de fluxo libidinal destrutivo, o ódio. Este ódio que a Elite tem do PT, é,
portanto, o ódio ao agente da perda da exclusividade.
Recorrendo ao filósofo esloveno Slavoj Žižek e a “Realidade do Virtual”,
entendo que em nossa ”Era Cínica” assumir o ódio ao partido que retirou a tal
“exclusividade” seria “feio” ou politicamente incorreto, afinal, demonstraria
certo desejo de segregação, o ódio ao PT, que é o ódio ao rompimento do fluxo
libidinal da exclusividade, seria, então, escondido atrás do ódio à corrupção.
Para que este ódio a corrupção se consolide como justificativa há o
envolvimento de dezenas de meios de produção e enunciação da verdade: revistas
, mídias televisivas, militância virtual, superexposição midiática dos
escândalos de corrupção. Tais discursos constroem a justificativa para a
existência do ódio, fundado, em verdade, na perda da exclusividade e desejo de
segregação.
Entretanto, resta-nos a pergunta: Mas e a nova classe média? Tão beneficiada
pelos 12 anos de Governo do PT, como se explica o ódio que ela ( sobretudo
alguns jovens) demonstraram em relação ao PT? Ora, é neste ponto que vamos ao
item 2 da tentativa de compreender este ódio;
2-) Há na história do Ocidente, e na história do Brasil, um fenômeno que pode
ser chamado de ” colonização da subjetividade”, ou a ” síndrome do vira latas”,
ou seja, pensar, supor que aquilo que é estrangeiro é melhor do que o que é
nacional, e pensar que, aquilo que pertence à “elite” é melhor do que o que
pertence ao pobre, ao trabalhador. É supor, por exemplo, que a opinião do
Neymar, em termos políticos, seja mais importante que a opinião de qualquer
outro jovem na casa dos 20 anos. De modo que o ódio, nascido na elite se
reflete e é apropriado subjetivamente pela nova classe trabalhadora e por
alguns pobres. Tal fenômeno ocorre na medida em que há a crença na
superioridade do outro. Superioridade essa que é historicamente construída,
seja na relação escravo-senhor, seja na relação patrão-empregado.
Nas falas que mencionei ( de ódio) as pessoas fazem questão de diferenciar-se:
”Eu sou rica”, ” Eu posso deixar o país”, precisam marcar o território das
diferenças entre a classe a qual pertencem e os demais. Dizem ainda ”eu tentei
ajudar vocês, mas vocês votaram na ‘porra’ da Dilma”, colocando-se, deste modo,
em posição superior no discurso “eu tentei ajudar vocês”, é a sinhazinha, a
Sinhá, que tenta ajudar o de baixo. É a lógica da filantropia, da filhinha do
coronel que quer dar aula pros pobres. É a lógica de que eles querem nos ajudar
a crescer pelo nosso esforço, quando não criam, nada além de amarras objetivas
e subjetivas para a manutenção da sujeição dos pobres, negros, índios, LGBTs, e
da Classe Trabalhadora.
Creio que este ódio ao PT mereça estudos. Pois, ele faz parte de uma onda
fascista que tem surgido no Brasil, sobretudo em São Paulo. E, nós, da
esquerda, precisaremos fazer frente a tais discursos. Dilma ganhou, mas tempos
de embates maiores e mais comovidos estão por vir.