Eleições
de 2014 consolidaram a figura do direitista que se assume como tal, mas
posições extremadas buscam trazer à tona fantasmas de um passado sombrio e
não contribuem para um debate democrático sadio.
Por Glauco
Faria e Maíra Streit
Socialites e
executivos engravatados caminham lado a lado em manifestações pedindo o
impeachment da presidenta. Internautas exaltados vociferam insultos preconceituosos contra nordestinos nas redes sociais. Jovens que nunca
viveram o período da repressão exigem do Exército um golpe militar, a exemplo
do que ocorreu em 1964, quando teve início uma das páginas mais sangrentas da
nossa história.
Não há mais
dúvidas. Parte da direita perdeu a vergonha de defender seus ideais e agora
luta para consolidar, no país, um projeto político dos mais reacionários. De
acordo com dados do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar
(Diap), a formação do Congresso Nacional eleita em 2014 é a mais conservadora
dos últimos 50 anos. O aumento no número de militares, religiosos e ruralistas
na Câmara e no Senado seria um reflexo desse novo cenário. Pautas
como aborto, descriminalização das drogas e casamento homoafetivo, tão
debatidas durante as eleições, dificilmente deverão ser abordadas de forma mais
séria e contundente pelos parlamentares.
Na prática, o
que pode ser considerado como “onda conservadora” é algo que vem sendo
promovido há tempos. Em 2012, Fórum publicou uma matéria em sua
edição impressa de outubro chamando a atenção para o fato de que existia àquela
altura uma proliferação de medidas proibitivas. Estas eram usadas como arma
político-eleitoral de setores conservadores, agradando uma parcela
significativa da sociedade brasileira. As medidas eram fartas e variadas,
envolvendo desde um projeto no Senado que pretendia tornar crime produzir e
distribuir jogos de videogames ofensivos “aos costumes e às tradições
dos povos, aos seus cultos, credos, religiões e símbolos”, passando pela
censura às manifestações contra a CBF da parte de torcidas em estádios de
futebol e chegando a casos inusitados como a proposta de um vereador de Vila
Velha (ES) para proibir que noivas da cidade se casassem sem roupas íntimas por
baixo do vestido.
O sociólogo Rudá
Ricci destacava, na ocasião, que a ressonância de tal conservadorismo
poderia estar associada à emergência de uma nova classe C. “Esse pessoal, que
representa 53% da população brasileira, tem medo de voltar à pobreza, são
consumidores vorazes e não gostam de nada que afete a ordem. São muito
conservadores, fechados na família, porque a família sempre esteve com eles.
Eles não confiam em nada do que é público e são extremamente pragmáticos”,
apontava, ressaltando ainda a correlação entre um certo tipo de comportamento
com as eleições de 2012. “Ou seja, uma foto, um dado dessa hipótese é
justamente o discurso dos candidatos favoritos este ano nas eleições
municipais. Quem falou de mazelas e mudanças não consegue ganhar a
eleição. Quem fala em sucesso e defesa do direito do consumidor está
sempre na frente, porque essa parcela da população quer o sucesso individual e
familiar. São contra o aborto, contra a diferença”, avaliou.
No ano
seguinte, o Brasil viveu as grandes manifestações de junho de 2013, apontadas
por especialistas como o estopim para a organização de um grupo de
insatisfeitos que são “contra tudo isso que está aí”, mas que nem sempre
possuem o discernimento necessário para compreender o atual contexto político
do país. Sem bandeiras definidas, mas pedindo mudanças de forma genérica, a
contradição das mobilizações acabou por eleger representantes até mais
conservadores do que os que existiam até então.
Durante a disputa
presidencial, grupos de direita, antes restritos aos meios virtuais, passaram à
condição de personagens por vezes centrais do processo eleitoral ao priorizarem
o combate ao PT com base em um discurso que atribuía à legenda e ao governo
Dilma rótulos da época da Guerra Fria como “comunistas” e alguns mais modernos
mais igualmente inadequados, como “bolivarianos”. A verborragia discriminatória
tomou proporções inimagináveis. A insatisfação virou rancor e o rancor,
rapidamente, deu lugar ao ódio. Casos de constrangimento em função de
preferência política e mesmo de violência verbal e até física tornaram-se
comuns, tingindo a disputa presidencial com uma agressividade vista em poucas
ocasiões.
O professor de
Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB), Breno Cypriano, afirma
que os debates foram bem menos propositivos do que deveriam pois a oposição
parecia pouco aberta ao diálogo e mais preocupada em desqualificar seus
oponentes. “A postura de partidos de direita, e o PSDB liderou todo esse bloco,
serve-nos como exemplo para se entender como a busca desenfreada e
inconsequente por um sistema político e econômico liberal gera na sociedade a
valorização do conflito e, por conseguinte, a busca pela eliminação do
adversário”, ressaltou.
“O PSDB, como
todo partido que concorre a votos eleitorais, não pode, numa disputa, se dar ao
luxo de escolher eleitores, separá-los entre votos bons e votos maus. O que
ocorreu é que, assim como em 2010 com Serra, o PSDB aceitou o papel de
porta-voz da extrema-direita brasileira. Suas lideranças políticas ou
intelectuais (Fernando Henrique, José Serra, José Arthur Giannotti) não foram
aos jornais reprovar o discurso alucinado dessa direita alucinada contra o
governo. Tratou-se, a meu ver, de cálculo eleitoral”, avalia Adriano Codato,
doutor em Ciência Política pela Unicamp e professor de Ciência Política na
Universidade Federal do Paraná (UFPR). “Se o PSDB irá aceitar esse papel de
agora em diante, a ver. De toda forma, parece ter havido uma diluição da marca
partidária, que de ‘social-democrata’ corre o risco de ser identificado, pelas
esquerdas, como ‘social-fascista’.”
De fato, na
disputa de 2014 os tucanos abraçaram, até mesmo oficialmente, parte de um
discurso de direita radical para atrair o apoio e o voto de um segmento do
eleitorado que rejeita o petismo o associando ao “comunismo” ou a um “projeto
internacional” de esquerdas. Em mais de um debate no segundo turno e mesmo no
primeiro, Aécio Neves atribuiu a países vizinhos, que seriam “produtores de
drogas” a culpa pelos altos índices de criminalidade no Brasil, alusão à
política externa dos governos recentes que reforçaram a relação Sul-Sul. Também
trouxe em mais de uma ocasião os investimentos do BNDES no Porto de Mariel, em
Cuba, tema recorrente em páginas de extrema direita nas redes sociais desde
muito antes das eleições. Sua campanha chegou a inventar um personagem, o “Godzilla
cubano”, para ilustrar em um vídeo a proximidade do governo Dilma com o país
caribenho.
Para Cypriano,
a reação exagerada da direita deve-se ao receio de ter seus privilégios
ameaçados, já que a elite era vista historicamente como prioridade pelo governo
e, com as políticas sociais implementadas pela gestão petista nos últimos doze
anos, isso mudou. “Manter privilégios é manter-se diferente ou melhor/superior
ao outro. O medo dessa direita é que o outro, que antes não tinha acesso a
quase nenhum recurso, possa ser igual, possa usufruir os mesmos benefícios que
eles sempre tiveram”, explica.
Na opinião do
especialista, o desenvolvimento desigual no Brasil – percebido principalmente
pela concentração de renda nas regiões Sul e Sudeste – e o endosso dos grandes
veículos de comunicação a um discurso mais conservador, apoiados pelo capital
privado, seriam alguns dos fatores que explicariam o fortalecimento de
movimentos da direita no país.
Nesse aspecto,
tomando-se uma declaração dada pela presidenta da Associação Nacional de
Jornais (ANJ) em 2010, Judith Brito, de que cabia à imprensa fazer “de fato a
posição oposicionista deste país, já que a oposição está profundamente
fragilizada”, alguns dos líderes opositores atuais são colunistas e
publicações que deram guarida a essa direita com suas considerações ofensivas e
basicamente anti-petistas. Um deles se notabilizou por chamar o ex-presidente
Lula de “apedeuta”; outro escreveu um livro cujo título se referia ao petista
como “minha anta”, e um terceiro fez um concurso virtual de ofensas a Lula. Com
espaço na mídia, inclusive televisiva, estes e outros jornalistas se tornaram
uma triste referência para uma direita raivosa que foi às ruas. Também não é à
toa que na última manifestação a favor de Aécio Neves em São Paulo, no sábado
anterior à eleição, o material que mais se via entre os manifestantes era a
capa da revista Veja, cuja distribuição como propaganda havia sido proibida
pelo Tribunal Superior Eleitoral.
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