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quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

Mídia, poder e democracia: teoria e práxis dos meios de comunicação

Por Francisco Fonseca



RESUMO
Este artigo analisa conceitual e empiricamente o papel da mídia, sobretudo a brasileira, perante a democracia, criticando-se a suposta atuação pública de seus órgãos tendo em vista seu caráter privado e mercantil. Por fim, defende-se o controle social democrático da mesma.
Palavras-chave: mídia; democracia; esfera pública; mercadoria; controle social.


ABSTRACT
This paper analyzes conceptually and empirically the role of the media for the democracy, specially in the Brazilian case. It criticizes the presumed public action of the media, because of its private and mercantile nature. It defends the thesis of the social and democratic control of the media.
Key words: Media; democracy; public sphere; commodities; social control.



Os conflitos sociais, das mais variadas ordens, são possibilitados na democracia pelas instituições e pelas normas legais, assim como pelos pactos entre as classes sociais. Nesse sentido, não deixa de ser um truísmo a constatação de que, independentemente da forma e do sistema de governo uma democracia só poderá assim ser considerada se na esfera pública os diversos interesses puderem se manifestar: por esfera pública entendemos a arena em que se mesclam interessem comuns e de classes, "comuns" quanto à lógica da Nação, da identidade nacional, do Estado nacional, e "de classes" no que tange a interesses sociais imanentemente distintos, embora possam, em determinadas conjunturas e dependendo dos arranjos políticos, se assemelharem (Offe, 1984).

Considerando que essa premissa não necessita ser aprofundada, é fato que a mídia - entendida como o complexo de meios de comunicação que envolve mensagem e recepção, por formas diversas, cuja manipulação dos elementos simbólicos é sua característica central (Eagleton, 1991) - representa uma forma de poder que, nas sociedades "de massa", possui papéis extremamente significativos, tais como: influir na formação das agendas públicas e governamentais; intermediar relações sociais entre grupos distintos (Capelato, 1988); influenciar a opinião de inúmeras pessoas sobre temas específicos; participar das contendas políticas, em sentido lato (defesa ou veto de uma causa, por exemplo) e estrito (apoio a governos, partidos ou candidatos); e atuar como "aparelhos ideológicos" capazes de organizar interesses. Quanto a esses, em determinadas circunstâncias atuam à guisa de "partidos políticos" ou "intelectuais coletivos e orgânicos" de grupos específicos (Coutinho, 1994). Esses papéis são ocultados sob o lema do "dever da informação", que seria "neutra", "independente", "apartidária" e "a-ideológica", características invariavelmente alegadas pelos órgãos da mídia ao retratar, de forma cabotina, sua atuação.

Dessa forma, a mídia, ao participar da esfera pública como "prestadora de serviços", isto é, como entidades de "comunicação social", teria uma função imprescindível nas democracias: informar sobre os acontecimentos levando às pessoas uma gama de dados que, sem esse serviço, não teriam condição de conhecer outras realidades que não as vivenciadas ou relatadas por pessoas próximas. Mais importante, os órgãos da mídia fariam a fiscalização do Estado, exercendo assim a forma mais bem acabada de "controle social": em relação ao dinheiro público, às ações públicas, numa palavra, aos negócios públicos.

Note-se, contudo, que os órgãos da mídia - emissoras de tv, rádios, jornais, revistas, portais - atuantes na esfera pública são em larga medida empresas privadas que, como tal, objetivam o lucro e agem segundo a lógica e os interesses privados dos grupos que representam. Embora a ação da mídia seja complexa, essas características são cruciais para uma definição inicial dessa relação entre agentes privados e esfera pública. Afinal, se todos os possuidores de poder precisam ser responsabilizados - à luz do liberalismo de Os federalistas, o que implica a teoria dos "freios e contrapesos" -, tais como os agentes públicos e mesmo outros agentes privados, para os quais há meios de fiscalizar-lhes, e se a atuação dos órgãos da mídia tem como pressuposto a lógica privada, a questão que se coloca é: como compreender a sua atuação na esfera pública, em que a democracia é elemento-chave?

Tomando-se esses elementos como fundantes para a compreensão do papel da mídia na democracia, sobretudo na democracia brasileira ao longo do século XX, observaremos as seguintes questões neste texto: a constituição da "política informacional" no século XX e a construção da "sociedade midiática"; as teorias políticas sobre a democracia e as falsas confluências estabelecidas entre mídia e democracia; a necessidade de um marco conceitual capaz de compreender seu papel; o papel dos grandes periódicos na formação da agenda neoliberal e perante o conflito distributivo (entre capital e trabalho) nas décadas de 1980 e 1990.

A "política informacional"

(...) a mídia eletrônica (não só o rádio e a televisão, mas todas as formas de comunicação, tais como o jornal e a internet) passou a se tornar o espaço privilegiado da política. Não que toda a política possa ser reduzida a imagens, sons ou manipulações simbólicas. Contudo, sem a mídia, não há meios de adquirir ou exercer poder. Portanto, todos [os partidos políticos, de ideologias distintas] acabam entrando no mesmo jogo, embora não da mesma forma ou com o mesmo propósito. (Castells, 2000, p. 367)

Segundo Castells, a "política informacional" compõe o quadro de que as sociedades contemporâneas são fundamentalmente midiáticas, isto é, suas relações sociais e de poder são intermediadas pelas diversas modalidades da mídia. O jogo político (partidário e parlamentar) teria de se adequar às regras definidas pela mídia, em que o espetáculo e o entretenimento se fundem com as notícias. Assim, o espaço "público" seria, em larga medida, agendado pelo sistema midiático, que daria os contornos do que seria ou não legítimo, e do que deveria ou não ser prioritário. Mesmo que a vida política seja mais complexa e conflituosa do que a mídia retrata - o que explica, aliás, as mudanças na sociedade -, o fato é que o sistema midiático enquadra, emoldura em boa medida os próprios conflitos:

(...) em virtude dos efeitos convergentes da crise dos sistemas políticos tradicionais e do grau de penetrabilidade bem maior dos novos meios de comunicação, a comunicação e as informações políticas são capturadas essencialmente no espaço da mídia. Tudo o que fica de fora do alcance da mídia assume a condição de marginalidade política. O que acontece nesse espaço político dominado pela mídia não é determinado por ela: trata-se de um processo social e político aberto. Contudo, a lógica e a organização da mídia eletrônica enquadram e estruturam a política. (...) [esta] "inserção" da política por sua "captura" no espaço da mídia (...) causa um impacto não só nas eleições, mas na organização política, processos decisórios e métodos de governo, em última análise alterando a natureza da relação entre Estado e sociedade. (Castells, 2000, p. 368)

Note-se que o papel da mídia é ainda mais potencializado com a crise dos sistemas representativos tradicionais (sistema partidário, representação sindical e mesmo os movimentos sociais), que cada vez cedem lugar ao chamado "terceiro setor" - denominação ampla e fugidia que congrega caridade individual, a chamada "responsabilidade social das empresas", à ação das organizações não-governamentais, entre outras tantas ações. Esse vazio é crescentemente ocupado pela mídia, particularmente por meio da "política informacional". Como diz Castells, embora os conflitos permaneçam e se complexifiquem, tendo em vista a política ser um terreno aberto, seu enquadramento passa pela mídia, pois é ela o agente que faz a intermediação das relações sociais, enfatize-se. Dessa forma, como os partidos são, em diversos lugares do mundo, cada vez menos representativos, os sindicatos fracos e com decrescente número de filiados, e as ideologias contrastantes ao neoliberalismo menos vigorosas, um tal enquadramento e uma tal intermediação potencializam um poder crescentemente perigoso à luz da teoria democrática.

Reitere-se que, ao falarmos da mídia, estamos nos referindo a um sistema com diversas modalidades que se integram, pois:

(...) a televisão, os jornais e o rádio funcionam como um sistema integrado, em que os jornais relatam o evento e elaboram análises, a televisão o digere e divulga ao grande público, e o rádio oferece a oportunidade de participação ao cidadão, além de abrir espaço a debates político-partidários direcionados sobre as questões levantadas pela televisão. (Castells, 2000, p. 376)

Como se nota, as diversas modalidades têm papéis distintos, mas conjugados. Embora não ajam necessariamente de forma uníssona em termos ideológicos, seu modus operandi é similar na medida em que provém de um sistema orgânico em que as notícias associam-se ao espetáculo, ao entretenimento, à lógica mercantil da audiência (no caso das tvs e rádios) e das vendas, notadamente de publicidade, no caso dos periódicos. Esses aspectos simultaneamente empresariais e ideológicos pertencem à dinâmica da intermediação das relações sociais. Sobretudo nas circunstâncias em que os principais meios de comunicação convergem ideologicamente, caso da introdução da agenda neoliberal no Brasil e da crítica - observada perenemente - aos movimentos sociais, o enquadramento ideológico conjuga-se ao seu modus operandi, como veremos.

Segundo Castells, ao lado das aludidas mudanças estruturais na representação política em perspectiva global - presentes em maior ou menor escala em cada país ou região -, o próprio sistema político formal é impactado pelo sistema informacional:

À crise de legitimidade do Estado-Nação acrescente-se a falta de credibilidade do sistema político, fundamentado na concorrência aberta entre partidos. Capturado na arena da mídia, reduzido a lideranças personalizadas, dependente de sofisticados recursos de manipulação tecnológica, induzido a práticas ilícitas para obtenção de fundos de campanha, conduzido pela política do escândalo, o sistema partidário vem perdendo seu apelo e confiabilidade e, para todos os efeitos, é considerado um resquício burocrático destituído da fé pública. (Castells, 2000, p. 402)

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