Durante
décadas, ele foi o principal vilão da economia brasileira. Bastava o barulho
dos cliques começar para os consumidores ficarem em polvorosa. Temido na época
da hiperinflação, o remarcador de preços era presença constante nas lojas e nos
supermercados, às vezes usado mais de uma vez por dia durante a pior crise
econômica da história do país.
Consumidores
que vivenciaram a inflação galopante das décadas de 80 e 90, antes do Plano Real, recordam como a perda do poder de compra
prejudicava a qualidade de vida. Com o orçamento familiar comprometido pelo
dinheiro cada vez mais curto, a população não tinha condições de se planejar e
precisava estocar comida logo que recebia o salário para não passar fome no fim
do mês. Há exatos 20 anos, em 1º de julho de 1994, entrava em vigor o real, moeda
que pôs fim à hiperinflação que assolou o país nos 15 anos anteriores.
“A
hiperinflação provocava até desarmonia no âmbito familiar. O marido às vezes
desconfiava e perguntava por que o dinheiro tinha sumido”, relembra a
presidenta do Movimento das Donas de Casa de Minas Gerais (MDC-MG), Lúcia
Pacífico. “O remarcador era o verdadeiro terror das donas de casa. Com os
preços subindo até duas vezes por dia, todo mundo corria quando ouvia a
maquininha para pegar o máximo de mercadorias possível.”
Funcionária de
uma empresa estatal, Maria de Lourdes Xavier, 66 anos, recorda que o consumidor
tinha de ser ágil para fugir das remarcações: “A gente estava conversando com
uma conhecida no supermercado e, do lado, já tinha um funcionário usando a
maquininha”. Segundo ela, era comum os consumidores encherem de três a quatro
carrinhos para estocarem alimentos.
Criado há 29
anos, o MDC-MG até hoje divulga pesquisas de preços para beneficiar os
consumidores e estimular a concorrência entre os estabelecimentos comerciais.
Grupos de donas de casa vão aos supermercados e fiscalizam os reajustes e as
“maquiagens” de embalagens, quando o peso líquido do produto diminui sem
mudança no preço.
Segundo Lúcia,
o movimento foi útil não apenas na época da hiperinflação como nos primeiros
meses após o Plano Real, para impedir a volta da inflação. “Muitos comerciantes
aproveitaram a URV [Unidade Real de Valor] para pôr os preços lá em cima e
ampliar a margem de lucro quando o real entrasse em vigor. Apertamos os
supermercados, e eles foram para cima dos fabricantes e dos fornecedores para
conseguirem acordos de preços mais baixos”, relembra.
“Já escutei na escola que a inflação um dia foi bem maior”, diz o estudante Leandro Lázaro, 18 anos
O período
inflacionário traz memórias nada agradáveis a quem tinha o poder de compra
comprometido. Dono de uma banca de fotografias e de fotocópias, Osvaldino Alves
Brandão, 58 anos, lembra-se da dificuldade para abastecer o carro. “Naquela
época, as coisas subiam muito rápido. O combustível, em uma semana, estava mais
caro. Não dava para planejar nada, porque a gente não sabia o que ia acontecer”,
diz.
Para quem não
tinha condições de aplicar dinheiro, a inflação era ainda mais cruel. Quem
tinha acesso ao sistema bancário corria para depositar o dinheiro na caderneta
de poupança ou qualquer outra aplicação que garantisse pelo menos a correção
monetária. Mesmo assim, corria o risco de perder dinheiro.
“A poupança
rendia mais que hoje [já que a inflação era maior], mas não sei se era o
suficiente para compensar o aumento de preços”, declara o vendedor de banca de
revista José Edinaldo da Silva, 55 anos. “Na época do cruzeiro, queria comprar
o sapato da moda e até hoje me lembro do vendedor, que era meu amigo, dizendo
que seguraria o preço até a tarde.”
Quem era
criança ou nem tinha nascido antes do Plano Real olha a hiperinflação com
curiosidade e distanciamento, como se as histórias viessem de outros países.
“Já escutei na escola que a inflação um dia foi bem maior”, diz o estudante
Leandro Lázaro, 18 anos. “Vi, em novelas antigas, as pessoas falando de preços
e eram valores muito altos, como mil ou 6 mil cruzeiros”, recorda a vendedora
Suelane Castro, 21 anos.
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