Produtos importados dividindo cada vez mais espaço
com as mercadorias nacionais nas prateleiras. Realidade nos primeiros
anos após a
criação do real,
os resultados negativos na balança comercial (diferença entre
exportações e importações) voltaram a se repetir nos últimos anos.
Segundo analistas de comércio exterior, as circunstâncias desta vez são
diferentes. Na década de 90, as importações eram estimuladas pelo câmbio
fixo para conter a inflação. Hoje, com o câmbio livre, os déficits
estão relacionados ao custo Brasil e à perda de competitividade da
indústria nacional.
Alguns anos antes de o real entrar em vigor, a
balança comercial sustentava superávits expressivos. Medidas e
estímulos governamentais ajudavam a manter os saldos positivos para
equilibrar o balanço de pagamentos após o Brasil decretar a moratória da
dívida externa. A abertura do mercado às importações, no início dos
anos 90, e a circulação da nova moeda, no entanto, impactaram o saldo
comercial. De superávit de US$ 10,47 bilhões em 1994, a balança passou
para déficit de US$ 3,47 bilhões em 1995.
O
presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José
Augusto de Castro, destaca que o aumento do consumo após o Plano Real
também afetou a balança ao reforçar as importações. “Com o Plano Real, a
demanda interna cresceu assustadoramente. O Brasil não tinha condições
de atender. [Seria preciso] forte aumento da capacidade de produção.
Enquanto não tinha, a alternativa era importar. Foi de 1994 a 1999, um
período curto em termos de comércio”, diz.
“[A política] levava
ao déficit, mas era entendido que não era um grande problema. O país
estava mais estável, com políticas fiscais melhores”, lembra a
economista Lia Valls Pereira, pesquisadora do Instituto Brasileiro de
Relações Econômicas (Ibre), da Fundação Getulio Vargas (FGV). De acordo
com ela, a maior abertura às importações também ajudava a forçar uma
queda de preços no mercado interno, controlando a inflação.
Com as crises da Ásia e da Rússia, em 1997 e 1998, o cenário internacional mudou. A queda no preço das
commodities
– bens primários com cotação internacional – e a dificuldade de captar
dólares dificultaram a manutenção do real valorizado. O governo
abandonou o sistema de banda cambial e passou ao de câmbio flutuante, em
janeiro de 1999. A desvalorização favoreceu as exportações.
“Em dezembro de 1998, todos reclamavam que [o real] estava muito valorizado. Era difícil exportar manufaturados. As
commodities
não tinham espaço [na época]. Ao mesmo tempo, começavam a aparecer as
crises internacionais. As cotações não subiam, a demanda internacional
estava contida, e o Brasil não conseguia expandir as exportações para
reverter o déficit”, recorda o presidente da AEB.
A partir de
2001, a balança comercial reverteu os resultados negativos, tanto por
causa do câmbio favorável como pela explosão nos preços das
commodities,
que atingiram níveis inéditos. A configuração internacional tinha uma
novidade: a ascensão da China como grande mercado consumidor e
exportador mundial. A balança acumulou saldos positivos na casa dos dois
dígitos, com o ápice em 2006, quando o superávit chegou a US$ 46,4
bilhões.
Para Castro, a fase exportadora de
commodities
trouxe pontos positivos. “Houve interiorização do crescimento, mais
salário, mais distribuição de lucros”, enumera. Ele critica, no entanto,
a falta de reformas necessárias para diminuir o custo da produção e
aumentar a competitividade dos produtos manufaturados em meio à queda no
preço das
commodities. Tal cenário, avalia, acarretou a volta
dos déficits comerciais. Nos seis primeiros meses deste ano, a balança
acumula resultado negativo de US$ 2,49 bilhões.
Segundo o presidente da AEB, no entanto, o país não pode depender das oscilações nas
commodities. “O próprio FMI [Fundo Monetário Internacional] diz que o Brasil precisa de reformas. As
commodities
tiveram uma década de ouro, mas estão em queda. Se o crescimento da
China diminuir, esse ajuste será mais forte ainda. Se não houver
reformas, o Brasil pagará um preço alto. O real está valorizado e o
custo Brasil subiu muito”, declara.
Para Lia Valls, o real
cumpriu o papel de estabilização e fez uma passagem relativamente
tranquila para o modelo de câmbio flutuante. Ela, no entanto, destaca a
necessidade de maior compromisso com a política fiscal e com o controle
da inflação nos tempos atuais.
“Foi correta a forma que a gente
conseguiu quebrar a inflação. O país saiu da banda cambial e passou para
o regime de metas. Mas [há] um déficit de transações correntes
relativamente elevado. É necessário rever a política, ter maior
compromisso com a responsabilidade fiscal e sinalizar um compromisso
mais claro com as metas de inflação, pois a gente tem batido o teto da
meta”, comenta a economista da FGV.