terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

‘A renúncia de Raul’, editorial do Estadão


Nos regimes de força, as palavras significam outra coisa. Para citar os exemplos mais óbvios, quando os seus líderes falam em liberdade, querem dizer a liberdade de estar do lado do poder; democracia é assentir ao que decidirem os “mais iguais que os iguais”, na memorável expressão criada pelo escritor inglês George Orwell (1903-1950), para descrever metaforicamente os condutores do sistema comunista soviético na sátira A revolução dos bichos. Em Cuba, não tem sido diferente nestes 54 anos de ditadura, com as suas eleições às quais só podem concorrer os filiados ao Partido Comunista (PC) e com a sua “justiça revolucionária” pronta a encarcerar os que ousam denunciar violações dos direitos humanos e reivindicar para o seu país a Justiça de que desfruta o mundo civilizado.

A manipulação das palavras se presta, na ilha, a lo que quieras. Viciado nesse jogo, como não poderia deixar de ser, o ditador Raúl Castro disse na última sexta-feira, como quem faz um chiste, que iria “renunciar”. Na parte aberta aos jornalistas da sua reunião com o primeiro-ministro russo Dmitri Medvedev, o mais moço dos irmãos Castro (com 81 anos, cinco a menos do que Fidel) perguntou retoricamente aos jornalistas: “Tenho direito de me aposentar. Vocês não acham?”. Passados dois dias, viu-se que falava a sério, na orwelliana novilíngua oficial, bem entendido. Domingo, na sessão da Assembleia Nacional que chancelou os novos nomes do Conselho de Estado, a cúpula do regime, Raúl efetivamente anunciou a sua renúncia em 2018.

O “reeleito” aplicou a si a norma que ele próprio implantara de limitar a dois termos de cinco anos o exercício de funções no Executivo da ilha. O seu primeiro período começou em fevereiro de 2008, embora já substituísse interinamente Fidel desde julho de 2006. Além disso, Raúl ungiu o sucessor, ao promover a primeiro vice-presidente do Conselho o ex-ministro da Educação Miguel Díaz-Canel, que, no ano passado, já havia sido guindado a uma das cinco vice-presidências do organismo. Díaz-Canel tem 52 anos. Ou seja, quando nasceu, o castrismo ainda estava na primeira infância. O ocupante do cargo que acaba de assumir era o “revolucionário histórico” José Ramón Machado Verdura, 30 anos mais velho. Raúl definiu a decisão como o marco inaugural da “transferência paulatina e ordenada de poder para as novas gerações”.

Ele deixou claro que o processo de renovação “um passo definitivo na configuração da futura direção do país” será uma das prioridades de seu segundo mandato, “para evitar que não tenhamos uma reserva de quadros preparados”. Díaz-Canel parece encaixar-se nessa categoria. Formado em engenharia elétrica, foi militar e professor universitário, enquanto militava no Partido Comunista, subindo passo a passo os degraus do seu aparato.

Apadrinhado por Raúl, ascendeu em 2003 ao órgão máximo da agremiação, o Politburo, onde se revelaria um leal defensor das reformas econômicas preconizadas por seu patrono. A partir daí, as suas aparições públicas e viagens ao exterior se multiplicaram. Em junho do ano passado, participou da conferência ambiental da ONU no Rio. Em janeiro, discursou na pretensa “posse” de Hugo Chávez em Caracas e acompanhou Raúl à conferência latino-americana e caribenha em Santiago do Chile.

Cinco anos é muito tempo para saber o que Díaz-Canel fará se efetivamente for o primeiro cubano que não participou da Revolução nem se chama Castro a se tornar o número um da ilha isso pressupondo que Raúl ainda esteja vivo em 2018 e que a sua sucessão siga o curso por ele desejado. Por si só, a relativa “juventude” de Díaz-Canel não autoriza imaginá-lo como futuro condutor de uma renovação política do regime uma versão caribenha do russo Mikhail Gorbachev, que tentou arejar a ordem totalitária em que se formou para impedir (em vão) o seu colapso. O dissidente cubano Oscar Espinosa Cheppe, com o conhecimento de causa que acumulou nos seus quase 20 anos de militância, antes de romper com o PC, é cético. Díaz-Canel “sempre manifestou total lealdade a Fidel e Raúl”, assinala. “Não acho que ele seja um homem de mudança.”
Se fosse, chegaria onde chegou?
Estadão

Novo Código Penal tem mais acertos do que erros


Por Luiz Carlos dos Santos Gonçalves*
Eu gostaria de, na condição de relator da Comissão de Juristas que elaborou o anteprojeto de reforma do Código Penal, agradecer pela entrevista do professor Miguel Reale Júnior, feita pela Agência Brasil, na data de 24 de fevereiro deste ano [1]. Ali, o professor indica que as penas do “galicídio” (por ele assim chamado) estão exageradas. Eu concordo: estão mesmo.

Todas as penas do capitulo dos crimes contra o meio ambiente estão elevadas. Espero que a Comissão de Senadores que está examinando o Projeto de Lei 236/2012 faça as devidas reduções. Com este reconhecimento amplo, sugiro que os crimes deste capítulo deixem de ser utilizados, um a cada vez, para dizer que todo o projeto 236/2012 é inadequado.

Divirjo do eminente jurista, contudo, no que se refere aos crimes contra a honra. Há uma cláusula no projeto segundo a qual não constitui crime a crítica jornalística, salvo a inequívoca intenção de injuriar ou difamar. Assim, não me parece correto comparar o projeto com a antiga Lei de Imprensa, invalidada pelo Supremo Tribunal Federal. As penas atuais do Código Penal são demasiadamente brandas. A honra das pessoas não deve valer R$ 1,99.

Elogio a postura do entrevistado de, em nenhum momento da entrevista, tornar a utilizar o epíteto “Projeto Sarney”, ao se referir ao anteprojeto ou ao projeto de lei 236/2012. Este cognome nunca guardou qualquer relação com a realidade da elaboração e discussão do texto e poderia melindrar a Comissão de Senadores da República que o está, incansavelmente, examinando.

Apoio a sugestão de que a reforma do Código deve ser objeto de um estudo que se prolongaria por um ano e meio ou dois. Se este prazo for contado da instalação da Comissão de Reforma, em outubro de 2011, ele está prestes a ser alcançado. Se contar da entrega do Relatório Final da Comissão, junho de 2012, vencerá no final deste ano, como pretende fazer o senador Pedro Taques, relator da Comissão de Senadores. Se contar de agora, este prazo coincidirá com as eleições gerais de 2014, o que pode não ser oportunidade ótima para a deliberação deste tema no Congresso Nacional. É uma reforma que não convém adiar “sine die”, pois já tarda demais.

Mesmo a parte geral do Código Penal desafia mudanças profundas, por ter mentalidade “pré-Constituição de 1988”, abraçar doutrinas superadas e ser porosa, em muitas passagens, à impunidade.

Não acredito que o projeto 236/2012 possa causar “vergonha internacional”. O que causa vergonha, aqui e alhures, são coisas diversas, como os índices de corrupção administrativa e de homicídios que temos no Brasil, itens para os quais o projeto traz sugestões interessantes.

Concordo com a observação do professor, segundo a qual os aspectos técnicos da discussão devem ter preferência sobre seus aspectos emocionais. Já não era sem tempo!

Renovo minha opinião de que o projeto tem mais acertos do que desacertos. Orgulho-me especialmente de proposições como as relativas aos crimes contra a humanidade, ao enriquecimento ilícito, à ampliação da responsabilidade penal das pessoas jurídicas, ao tráfico de pessoas, ao terrorismo, ao abuso de autoridade, aos crimes de falso, crimes contra a administração pública e crimes eleitorais, bem como da redução de penas para crimes de menor lesividade (como o furto) e ampliação do período mínimo de cumprimento de pena em crimes de maior lesividade. Há uma inescondível pauta liberal em temas como drogas, aborto e eutanásia, que receberão dos representantes do povo o tratamento que lhes parecer justo. Mas a Comissão de juristas deixou sua mensagem.

As diversas figuras nas quais se prestigiou a possibilidade de “perdão judicial” mostram acendrada confiança na atuação dos juízes. Meu sentimento reproduz esta confiança.

E, de maneira alguma, se procedeu a um mero “transporte” da legislação extravagante para o anteprojeto, o que pode ser constatado mediante a leitura atenta da norma projetada e pela expressa proposta de revogação de leis como a das contravenções penais e a de segurança nacional.

Outrossim, não tenho compromisso com o erro. Em nada me constrange, ou aos membros da Comissão de Reforma, admitir os equívocos propiciados pelo pouco tempo que nos foi dado para tão imenso trabalho. Corrigi-los é perfeitamente possível, se afastarmos vaidades e idiossincrasias pessoais e entendermos que se trata de uma tarefa para o país. É o que está fazendo a Comissão de Senadores, presidida pelo senador Eunício Oliveira, inclusive promovendo audiências públicas. Portanto, reitero o convite a toda a comunidade jurídica para o debate aberto e o oferecimento de emendas, valendo-nos da ampliação dos prazos de discussão no Senado Federal, que apoiei fortemente.

Mantenho a esperança de que o debate das divergências, inerentes a tudo o que se refere ao Direito Penal, seja feito com respeito e lhaneza e, se possível, alguma elegância, pois o cidadão brasileiro tem este merecimento.

[1] http://agenciabrasil.ebc.com.br
Luiz Carlos dos Santos Gonçalves* é procurador regional da República, relator geral da Comissão de Juristas para a Reforma Penal, mestre e doutor em Direito do Estado.
Revista Consultor Jurídico

Lei de Lavagem de Dinheiro é constestada


A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) ajuizou no Supremo Tribunal Federal uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra o artigo 17-D, na Lei de Lavagem de Dinheiro (9.613/1998). O dispositivo, inserido em 2012, determina o afastamento de servidores públicos de suas funções em caso de indiciamento o que, segundo  a associação, usurpa funções privativas do Ministério Público e do Judiciário e viola garantias fundamentais do cidadão estabelecidas na Constituição Federal. O ministro Ricardo Lewandowski é o relator do caso no STF. 
Introduzido na norma por meio da Lei 12.683/2012, o artigo 17-D estabelece que servidores indiciados devam ser afastados de seus cargos “sem prejuízo de remuneração e demais direitos previstos em lei, até que o juiz competente autorize, em decisão fundamentada, o seu retorno”. Para a ANPR, a determinação fere regras constitucionais que determinam que ninguém será privado dos seus bens sem o devido processo legal, garantem o contraditório, a ampla defesa, a presunção de inocência e a inafastabilidade da jurisdição. Esta regra assegura que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito.
“Para que alguém possa ser afastado de seus bens — o exercício do cargo público é um bem jurídico do servidor que o titulariza —, é necessário que tenha existido um processo administrativo ou judicial no qual se lhe tenha assegurado um mínimo de contraditório e ampla defesa”, destaca a associação.
A entidade sustenta ainda que o artigo impugnado viola o estabelecido no inciso I do artigo 129 da Constituição, que atribui função exclusiva ao Ministério Público para “promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei”. Nesse sentido, acrescenta que o indiciamento produzido no curso de uma investigação criminal, em autos de inquérito policial, “não pode vincular o Ministério Público, que é livre para formar sua convicção acerca do delito”.
De acordo com a ANPR, o afastamento de servidores públicos indiciados em inquérito policial, sem que o mesmo tenha tido, ao menos, o direito de se manifestar acerca dos motivos pelos quais se encontra sob investigação, configura uma punição antecipada. Destaca que o inciso LVII do artigo 5º da Constituição assegura que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
Com relação ao princípio constitucional da segurança jurídica, a associação argumenta que o dispositivo inserido na Lei de Lavagem de Dinheiro “possibilita perseguições de caráter político ou pessoal que prejudiquem sobremaneira o servidor público, na medida em que determina seu afastamento imediato das funções, na hipótese de indiciamento em inquérito policial, sem que tenha tido a possibilidade de apresentar sua defesa”.
No Supremo Tribunal Federal, a associação requer a concessão de liminar para suspender os efeitos do artigo 17-D da Lei 9.613/1998 até o julgamento final da ação e, no mérito, pede a declaração de inconstitucionalidade do dispositivo. A entidade destaca ainda que a demora na decisão judicial pode causar “efetiva subtração de atribuições do Ministério Público e usurpação da competência do Judiciário, com reflexos na ordem jurídica constitucional e nos direitos e garantias fundamentais do cidadão”. Com informações da Assessoria de Imprensa do STF.
Revista Consultor Jurídico

Perícia feita sem a presença do empregador é nula, diz STF


A falta de intimação da empregadora para o acompanhamento da produção de laudo pericial relativo a adicional de insalubridade pedido por um gari caracteriza  cerceamento de defesa. Com base nesse entendimento, a 5ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho declarou a nulidade de perícia feita e de todos os atos processuais dela decorrentes, e determinou o retorno do processo contra uma construtora à primeira instância.
Ao examinar o processo, o relator constatou que a decisão do TRT violou os artigos 5º, inciso LV, da Constituição da República — que determina o respeito ao contraditório e à ampla defesa — e 431-A do Código de Processo Civil — que dá às partes o direito de saber a data e o local indicados pelo perito para produção de prova.
O colegiado do TST determinou nova perícia, com a devida intimação das partes quanto ao dia e local, para depois ser dado prosseguimento à ação. O Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região (PE) havia negado o pedido de nulidade requerido pela construtora Viacon, por entender que a empresa não teria demonstrado o prejuízo sofrido.
Essa não foi a avaliação do relator do Recurso de Revista no TST, ministro Guilherme Caputo Bastos. Para ele, a prova pericial foi levada em consideração para o deferimento do pedido relativo ao adicional de insalubridade. Ficou, assim, constatada a existência de prejuízo processual à empresa. Segundo ele, "a simples realização de ato processual em desatendimento à forma prescrita em lei traz, em si, presunção de prejuízo".
Lixo urbano
O gari foi contratado para a prestação de serviços ao Município de Arcoverde (PE). Em sua carteira de trabalho consta a função de agente de limpeza, com atribuição de varrição, capinação e coleta de lixo nas ruas da cidade. Depois de mais de dois anos de trabalho, foi dispensado sem justa causa em 2009. Foi quando ajuizou a reclamação, com vários pedidos, inclusive de diferenças de adicional de insalubridade.

Alegou que manuseava lixo urbano sem utilizar os equipamentos de proteção individual (EPIs) necessários e obrigatórios e que não recebia corretamente o adicional de insalubridade. Afirmou que deveria receber adicional de 40% do salário mínimo legal, e não apenas de 20%, como era pago pela empresa.
Para isso, argumentou que, de acordo com a Norma Regulamentadora 15 do Ministério do Trabalho, Anexo 14, que trata da insalubridade motivada por agentes biológicos, a insalubridade se enquadra no grau máximo quando se trata de trabalhos em contato permanente com lixo urbano. Ao examinar o caso, a Vara do Trabalho de Pesqueira (PE) determinou a perícia e, de posse do laudo, deferiu o pedido do adicional 40% ao trabalhador.
Contra a sentença, a Viacon recorreu ao TRT-PE, requerendo a declaração de sua nulidade e nova perícia, alegando que, no momento da visita técnica ao local de inspeção, o perito solicitou o comparecimento do trabalhador, mas não manteve contato com a empresa. Sustentou que, assim, não houve tratamento igualitário das partes e deixou de ser atendido o princípio da isonomia.
Para o tribunal, que manteve a sentença, embora reconhecendo que a empresa não teria sido intimada da perícia, mesmo assim foi assegurado o direito ao contraditório e à ampla defesa, pois a empregadora teve oportunidade de apresentação de quesitos, de assistente técnico, e de impugnação da prova técnica. Além disso, ponderou que não havia nada a reformar, baseando-se nos princípios da economia, simplicidade, efetividade, celeridade, instrumentalidade e razoável duração do processo. Com informações da Assessoria do TST.
Revista Consultor Jurídico

Anatel eleva punições a operadoras de telefonia


A Agência Nacional de Telecomunicações redobrou os esforços para punir as empresas de telecomunicações que não cumprem regras estabelecidas pelo órgão. De acordo com as informações do jornal Valor Econômico, só a Oi recebeu três multas na semana passada: uma de R$ 3,9 milhões, por descumprir metas de qualidade, outra de R$ 4,622 milhões por descumprir metas da incorporadora da Oi, a Telemar Norte Leste, e a terceira, na última sexta-feira (22/2), de R$ 1,164 milhão por descumprir metas de universalização na área de concessão da antiga Brasil Telecom, em Santa Catarina. Em fevereiro, o total de punições atingiu R$ 40,5 milhões.
Desde 2011, a Oi foi a operadora que recebeu mais multas, de acordo com dados da Anatel. Ao todo, Oi, Brasil Telecom Celular, Telemar Norte Leste e TNL CS receberam 152 multas, no total de R$ 165,9 milhões. No mesmo período, a Telefônica/Vivo foi multada 27 vezes, no total de R$ 46,4 milhões. Em seguida está a Embratel/Net, com 18 multas que somam R$ 3,7 milhões. A TIM foi penalizada 34 vezes, somando R$ 775,5 mil (inclui a operação da Intelig). A Claro aparece com 11 multas que totalizam R$ 110,5 mil. Em 2012, o total de punições a essas companhias foi de R$ 32,8 milhões — contra R$ 184 milhões no ano anterior. Esses valores referem-se a diversos tipos de multas, além daquelas por descumprimento de metas de qualidade ou universalização.
Do total de punições destinadas à Oi, 38 se referiam diretamente ao descumprimento de metas de qualidade — o que, em julho de 2012, levou a Anatel a suspender as vendas de chips da TIM, Oi e Claro em diferentes estados. Esse tipo de multa somou no período R$ 82,3 milhões, dos quais R$ 81,1 milhões não foram pagos, segundo a Anatel. O restante foi quitado ou pago parcialmente.
A Oi informou que pretende recorrer judicialmente. Disse ainda que considera necessário "observar a razoabilidade e a proporcionalidade das multas", principalmente em casos em que a falha do serviço foi reparada e a um custo muito inferior ao valor da punição.
Para Rodrigo Campos, sócio do escritório Aidar SBZ Advogados, a divulgação de quatro punições em dez dias colocou a Oi em uma situação delicada diante dos consumidores. "Essas multas dão a aparência de que a agência quer mostrar serviço e coloca uma empresa na linha de fogo", disse. Mas cada multa refere-se a um serviço diferente e poucos afetam todo o país, disse ele. "Há um lado positivo, pois faz a operadora se esforça para melhorar o serviço. Mas como muitas multas não são pagas, o efeito é quase nulo", disse.
De acordo com dados da Anatel, as companhias de telecomunicações acumulam mais de R$ 33 bilhões em multas não pagas. Em muitos casos, as operadoras abrem processos na Justiça questionando a penalidade e o valor fixado. Ao mesmo tempo, encaminham pedidos de liminares para não ter de pagar até que o caso seja julgado.
Analistas de mercado do Itaú BBA, consideram que a Anatel parece sensível aos esforços das operadoras. Para os analistas, é pouco provável que a agência volte a proibir as vendas das teles no curto prazo, considerando que as companhias vão levar alguns meses para melhorar a sua infraestrutura. A Anatel avalia se adota um Termo de Ajustamento de Conduta para estimular a melhoria dos serviços em substituição às multas.
Revista Consultor Jurídico

Advogado não deve ser fiscal dos próprios honorários


Por Pierpaolo Cruz Bottini*
Na última coluna abordamos a questão da existência ou não do dever de informar atos suspeitos de lavagem de dinheiro por parte do advogado em relação ao seu cliente. Ficou pendente a reflexão sobre outro problema da lei de Lavagem de Dinheiro relacionado à atividade advocatícia: o recebimento de honorários e os atos de branqueamento de capital.

O núcleo do problema: pode-se caracterizar o advogado que recebe dinheiro de origem infracional (ou suspeito de ter tal origem) como pagamento dehonorários pelos serviços prestados como partícipe ou autor do crime delavagem de dinheiro?

Rodrigo Rios trata do problema em obra específica sobre o tema e traz importantes julgamentos de outros países para reflexão[1]. Dentre eles, a conhecida decisão judicial na Alemanha, pela qual o Tribunal Superior de Hamburgo (Oberlandesgericht) entendeu não haverlavagem de dinheiro no caso de advogado acusado de receber honorários oriundos do tráfico de drogas para defender uma cliente. O Tribunal baseou sua decisão no direito fundamental de livre escolha do defensor por parte do réu, e o adequado exercício da defesa por parte do profissional (decisão do Oberlandesgericht de Hamburgo de 6 de janeiro de 2000). No entanto, em outro caso similar, o Tribunal Constitucional alemão (Bundesverfassungsgericht – BVerfg), em 30 de março de 2004, caracterizou como lavagem de dinheiro o recebimento de honorários por advogados que conheciam de forma segura (dolo direto) sua origem delitiva.

Embora as decisões tenham por base ordenamento jurídico distinto do nosso, os princípios discutidos são perfeitamente reconhecíveis e adequados ao sistema jurídico pátrio. Sob essa ótica, parece correta a primeira solução da jurisprudência alemã, que assegura o recebimento dos honorários — mesmo que maculados — e afasta sua ilicitude penal diante da importância do direito de defesa e delivre escolha do advogado.

Se observarmos com cuidado a lei brasileira de lavagem de dinheiro (9.613/98), o recebimento de honorários maculados não é conduta típica. Não se trata de ocultação ou dissimulação (artigo 1º,caput). O dinheiro recebido por profissional liberal, em contraprestação a serviços realmente efetuados, com a regular emissão de nota fiscal, não contribui para mascarar o bem, uma vez que seu destino é conhecido e registrado. Não há ato objetivo de lavagem do dinheiro. A transparência/formalidade do pagamento afasta a incidência do dispositivo[2].
Também não existem as demais formas típicas (parágros 1º e 2º) porque ausente a intenção de ocultar ou dissimular no recebimento do pagamento, elemento subjetivo inerente aos tipos penais em comento[3]. O advogado almeja apenas a remuneração por seus serviços e o fato de receber formalmente os valores aponta para a inexistência de qualquer vontade de contribuir para o seu encobrimento[4].

Importante levar em consideração que o escopo da lei de lavagem de dinheiro é garantir arastreabilidade do capital para que as autoridades públicas possam conhecer o caminho entre a infração e o destino dos bens. Não se impõe ao advogado o dever de investigar a origem do dinheiro ou os atos que justificaram sua aquisição. Exige-se apenas que seu recebimento seja registrado eanotado, para que os responsáveis pela investigação — dentre os quais não está o profissional liberal — tenham à sua disposição elementos para construir a cadeia de distribuição de eventuais recursos ilícitos.

Diferente a situação do advogado que recebe os valores a titulo de honorários e devolve parte deles como suposto empréstimo ou pagamento de serviços inexistentes ao cliente, contribuindo para seu mascaramento. Nesse caso a conduta do profissional consolida o ato de reciclagem, caracterizando-se tipicamente a lavagem de dinheiro.

Fica claro, portanto, que o advogado não é imune à legislação de lavagem de dinheiro, e o fato do ato ser praticado por um causídico, ou no interior de um escritório não o protege da incidência da norma penal. Por outro lado, inadequado transformar o profissional em agente de investigação de seus próprios honorários, impondo-lhe um ônus inexistente em outras searas profissionais. Deixemos à polícia os encargos inquiridores e, ao advogado, o espaço lícito para seu livre exercício profissional.

[1] Para um quadro completo da questão, ver Ríos, Advocacia e lavagem de dinheiro, p. 245-299.
[2] Nessa linha, Cabana, Los autores del delito de blanqueo, p. 167.
[3] Sobre o tema, ver BOTTINI, Pierpaolo Cruz e BADARÓ, Gustavo, Lavagem de dinheiro, p.130.
[4] Nesse sentido, Pérez Manzano, Neutralidad delictiva y blanqueo de capitales, p. 177; Ríos,Advocacia e lavagem de dinheiro, p. 145; Barros, Lavagem de dinheiro, p. 190.

Pierpaolo Cruz Bottini* é advogado e professor de Direito Penal na USP. Foi membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária e secretário de Reforma do Judiciário, ambos do Ministério da Justiça.
Via Revista Consultor Jurídico

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