Nos
regimes de força, as palavras significam outra coisa. Para citar os exemplos
mais óbvios, quando os seus líderes falam em liberdade, querem dizer a
liberdade de estar do lado do poder; democracia é assentir ao que decidirem os
“mais iguais que os iguais”, na memorável expressão criada pelo escritor inglês
George Orwell (1903-1950), para descrever metaforicamente os condutores do
sistema comunista soviético na sátira A revolução dos bichos. Em Cuba, não
tem sido diferente nestes 54 anos de ditadura, com as suas eleições às quais só
podem concorrer os filiados ao Partido Comunista (PC) e com a sua “justiça
revolucionária” pronta a encarcerar os que ousam denunciar violações dos
direitos humanos e reivindicar para o seu país a Justiça de que desfruta o mundo
civilizado.
A
manipulação das palavras se presta, na ilha, a lo que quieras. Viciado nesse
jogo, como não poderia deixar de ser, o ditador Raúl Castro disse na última
sexta-feira, como quem faz um chiste, que iria “renunciar”. Na parte aberta aos
jornalistas da sua reunião com o primeiro-ministro russo Dmitri Medvedev, o
mais moço dos irmãos Castro (com 81 anos, cinco a menos do que Fidel) perguntou
retoricamente aos jornalistas: “Tenho direito de me aposentar. Vocês não
acham?”. Passados dois dias, viu-se que falava a sério, na orwelliana
novilíngua oficial, bem entendido. Domingo, na sessão da Assembleia Nacional
que chancelou os novos nomes do Conselho de Estado, a cúpula do regime, Raúl
efetivamente anunciou a sua renúncia ─ em 2018.
O
“reeleito” aplicou a si a norma que ele próprio implantara de limitar a dois
termos de cinco anos o exercício de funções no Executivo da ilha. O seu
primeiro período começou em fevereiro de 2008, embora já substituísse
interinamente Fidel desde julho de 2006. Além disso, Raúl ungiu o sucessor, ao
promover a primeiro vice-presidente do Conselho o ex-ministro da Educação
Miguel Díaz-Canel, que, no ano passado, já havia sido guindado a uma das cinco
vice-presidências do organismo. Díaz-Canel tem 52 anos. Ou seja, quando nasceu,
o castrismo ainda estava na primeira infância. O ocupante do cargo que acaba de
assumir era o “revolucionário histórico” José Ramón Machado Verdura, 30 anos
mais velho. Raúl definiu a decisão como o marco inaugural da “transferência
paulatina e ordenada de poder para as novas gerações”.
Ele
deixou claro que o processo de renovação ─ “um passo definitivo na configuração da futura
direção do país” ─ será uma das prioridades de seu segundo mandato,
“para evitar que não tenhamos uma reserva de quadros preparados”. Díaz-Canel parece
encaixar-se nessa categoria. Formado em engenharia elétrica, foi militar e
professor universitário, enquanto militava no Partido Comunista, subindo passo
a passo os degraus do seu aparato.
Apadrinhado
por Raúl, ascendeu em 2003 ao órgão máximo da agremiação, o Politburo, onde se
revelaria um leal defensor das reformas econômicas preconizadas por seu
patrono. A partir daí, as suas aparições públicas e viagens ao exterior se
multiplicaram. Em junho do ano passado, participou da conferência ambiental da
ONU no Rio. Em janeiro, discursou na pretensa “posse” de Hugo Chávez em Caracas
e acompanhou Raúl à conferência latino-americana e caribenha em Santiago do
Chile.
Cinco
anos é muito tempo para saber o que Díaz-Canel fará se efetivamente for o
primeiro cubano que não participou da Revolução nem se chama Castro a se tornar
o número um da ilha ─ isso pressupondo que Raúl ainda esteja vivo em
2018 e que a sua sucessão siga o curso por ele desejado. Por si só, a relativa
“juventude” de Díaz-Canel
não autoriza imaginá-lo como futuro condutor de uma renovação política do
regime ─ uma versão caribenha do russo Mikhail Gorbachev,
que tentou arejar a ordem totalitária em que se formou para impedir (em vão) o
seu colapso. O dissidente cubano Oscar Espinosa
Cheppe, com o conhecimento de causa que acumulou nos seus quase 20 anos de
militância, antes de romper com o PC, é cético. Díaz-Canel “sempre manifestou
total lealdade a Fidel e Raúl”, assinala. “Não acho que ele seja um homem de
mudança.”
Se
fosse, chegaria onde chegou?
Estadão
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Sua visita foi muito importante. Faça um comentário que terei prazaer em responde-lo!
Abração
Dag Vulpi