Por
Luiz Carlos dos Santos Gonçalves*
Eu
gostaria de, na condição de relator da Comissão de Juristas que elaborou o
anteprojeto de reforma do Código Penal, agradecer pela entrevista do professor
Miguel Reale Júnior, feita pela Agência Brasil, na data de 24 de fevereiro
deste ano [1]. Ali, o professor indica que as penas
do “galicídio” (por ele assim chamado) estão exageradas. Eu concordo: estão
mesmo.
Todas
as penas do capitulo dos crimes contra o meio ambiente estão elevadas. Espero
que a Comissão de Senadores que está examinando o Projeto de Lei 236/2012 faça
as devidas reduções. Com este reconhecimento amplo, sugiro que os crimes deste
capítulo deixem de ser utilizados, um a cada vez, para dizer que todo o projeto
236/2012 é inadequado.
Divirjo
do eminente jurista, contudo, no que se refere aos crimes contra a honra. Há
uma cláusula no projeto segundo a qual não constitui crime a crítica jornalística,
salvo a inequívoca intenção de injuriar ou difamar. Assim, não me parece
correto comparar o projeto com a antiga Lei de Imprensa, invalidada pelo
Supremo Tribunal Federal. As penas atuais do Código Penal são demasiadamente
brandas. A honra das pessoas não deve valer R$ 1,99.
Elogio
a postura do entrevistado de, em nenhum momento da entrevista, tornar a
utilizar o epíteto “Projeto Sarney”, ao se referir ao anteprojeto ou ao projeto
de lei 236/2012. Este cognome nunca guardou qualquer relação com a realidade da
elaboração e discussão do texto e poderia melindrar a Comissão de Senadores da
República que o está, incansavelmente, examinando.
Apoio
a sugestão de que a reforma do Código deve ser objeto de um estudo que se
prolongaria por um ano e meio ou dois. Se este prazo for contado da instalação
da Comissão de Reforma, em outubro de 2011, ele está prestes a ser alcançado.
Se contar da entrega do Relatório Final da Comissão, junho de 2012, vencerá no
final deste ano, como pretende fazer o senador Pedro Taques, relator da
Comissão de Senadores. Se contar de agora, este prazo coincidirá com as
eleições gerais de 2014, o que pode não ser oportunidade ótima para a
deliberação deste tema no Congresso Nacional. É uma reforma que não convém
adiar “sine die”, pois já tarda demais.
Mesmo
a parte geral do Código Penal desafia mudanças profundas, por ter mentalidade
“pré-Constituição de 1988”, abraçar doutrinas superadas e ser porosa, em muitas
passagens, à impunidade.
Não
acredito que o projeto 236/2012 possa causar “vergonha internacional”. O que
causa vergonha, aqui e alhures, são coisas diversas, como os índices de
corrupção administrativa e de homicídios que temos no Brasil, itens para os
quais o projeto traz sugestões interessantes.
Concordo
com a observação do professor, segundo a qual os aspectos técnicos da discussão
devem ter preferência sobre seus aspectos emocionais. Já não era sem tempo!
Renovo
minha opinião de que o projeto tem mais acertos do que desacertos. Orgulho-me
especialmente de proposições como as relativas aos crimes contra a humanidade,
ao enriquecimento ilícito, à ampliação da responsabilidade penal das pessoas
jurídicas, ao tráfico de pessoas, ao terrorismo, ao abuso de autoridade, aos
crimes de falso, crimes contra a administração pública e crimes eleitorais, bem
como da redução de penas para crimes de menor lesividade (como o furto) e
ampliação do período mínimo de cumprimento de pena em crimes de maior
lesividade. Há uma inescondível pauta liberal em temas como drogas, aborto e
eutanásia, que receberão dos representantes do povo o tratamento que lhes
parecer justo. Mas a Comissão de juristas deixou sua mensagem.
As
diversas figuras nas quais se prestigiou a possibilidade de “perdão judicial”
mostram acendrada confiança na atuação dos juízes. Meu sentimento reproduz esta
confiança.
E, de
maneira alguma, se procedeu a um mero “transporte” da legislação extravagante
para o anteprojeto, o que pode ser constatado mediante a leitura atenta da
norma projetada e pela expressa proposta de revogação de leis como a das
contravenções penais e a de segurança nacional.
Outrossim,
não tenho compromisso com o erro. Em nada me constrange, ou aos membros da
Comissão de Reforma, admitir os equívocos propiciados pelo pouco tempo que nos
foi dado para tão imenso trabalho. Corrigi-los é perfeitamente possível, se
afastarmos vaidades e idiossincrasias pessoais e entendermos que se trata de
uma tarefa para o país. É o que está fazendo a Comissão de Senadores, presidida
pelo senador Eunício Oliveira, inclusive promovendo audiências públicas.
Portanto, reitero o convite a toda a comunidade jurídica para o debate aberto e
o oferecimento de emendas, valendo-nos da ampliação dos prazos de discussão no
Senado Federal, que apoiei fortemente.
Mantenho
a esperança de que o debate das divergências, inerentes a tudo o que se refere
ao Direito Penal, seja feito com respeito e lhaneza e, se possível, alguma
elegância, pois o cidadão brasileiro tem este merecimento.
[1] http://agenciabrasil.ebc.com.br
Luiz Carlos dos Santos
Gonçalves* é
procurador regional da República, relator geral da Comissão de Juristas para a
Reforma Penal, mestre e doutor em Direito do Estado.
Revista Consultor
Jurídico
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