Atualmente cotado em torno de R$ 2,25 por dólar, o real atravessou uma montanha-russa cambial em 20 anos de existência. Na data de sua criação, em 1º de julho de 1994,
o real valia exatamente US$ 1. Em outubro do mesmo ano, o dólar chegou a
ser cotado a R$ 0,829. Após a crise da Rússia, o câmbio foi liberado e
ultrapassou R$ 2 pela primeira vez em fevereiro de 1999. O real, no
entanto, atingiu o ponto mais baixo em outubro de 2002, quando o dólar
chegou a encostar em R$ 4.
Depois
de 2003, o real experimentou uma valorização contínua (com queda do
dólar), interrompida pela crise financeira global de 2008. No entanto,
as injeções de dólares do Banco Central norte-americano fizeram a
cotação voltar a cair para abaixo de R$ 2. Somente no ano passado, com a
redução das ajudas monetárias nos Estados Unidos, o câmbio voltou a
subir até o nível atual. Apesar da alta recente do dólar, economistas
consideram que o real está sobrevalorizado, prejudicando a
competitividade e as exportações do país.
Segundo André Nassif,
professor titular de Economia Internacional da Universidade Federal
Fluminense (UFF), a taxa de câmbio de equilíbrio – com impacto neutro
para exportadores, importadores e produtores domésticos – está entre R$
2,70 e R$ 2,90. No nível atual, o câmbio incentiva as importações,
desestimula as vendas externas e, advertem os especialistas, torna o
país cada vez mais vulnerável a choques internacionais.
Atualmente,
o déficit em transações correntes do Brasil está em 3,65% do Produto
Interno Bruto (PIB, soma das riquezas produzidas no país). O indicador,
composto pela balança comercial, de serviços, de renda e pelas
transferências unilaterais, mede a dependência da economia em relação a
capitais estrangeiros, que costuma fugir do país em tempos de
turbulências externas.
Diretor
do Banco Central entre 1985 e 1988 e entre 1999 e 2003, Carlos Eduardo
Freitas diz que o país só não sofreu uma crise cambial aguda até agora
porque os investimentos estrangeiros diretos – que geram empregos no
país – continuam fortes, em torno de US$ 65 bilhões por ano. Segundo
ele, a política de estímulo ao consumo, que se reflete no aumento das
importações nos últimos anos, está gerando os déficits em transações
correntes.
“Há deterioração do balanço de pagamentos para elevar o
consumo. Se o país estivesse importando máquinas e equipamentos para
investir e produzir mais, seria outra história”, critica Freitas. “O
déficit em conta-corrente aumentou para uma zona de sinal amarelo. O
país está se endividando.”
Para Nassif, o Brasil está repetindo
os erros do começo do Plano Real. “Nos primeiros anos após o plano, o
câmbio foi artificialmente valorizado, e o país incorreu em grandes
déficits em transações correntes até o início da década de 2000”,
recorda. Os anos com piores resultados nas transações correntes após o
Plano Real foram 1999 (-4,32% do PIB) e 2001 (-4,19%).
Na
etapa inicial do Plano Real, o governo recorreu à âncora cambial para
impedir a volta da inflação. Os juros altos para evitar a explosão do
consumo e a renegociação da dívida externa em 1992 e 1993 fizeram os
recursos externos retornar ao país de uma só vez, pressionando o dólar
para baixo. “Havia muito capital estrangeiro represado, esperando para
entrar no país. Os brasileiros tinham muita poupança no exterior e havia
estrangeiros desejosos de aplicar no Brasil”, explica Freitas.
De
1994 a 1999, o Banco Central adotou o modelo de bandas cambiais, que
permitia ao dólar flutuar dentro de um intervalo e praticamente
equivalia a um regime cambial fixo. O modelo ajudou a baratear os
produtos importados e a conter os preços dos produtos nacionais. No
entanto, ressalta Nassif, o erro consistiu em tornar permanente uma
política temporária. “Diversos estudos recomendam usar a âncora cambial
no máximo um ano e meio. Não cinco anos”, diz.
Segundo o
professor da UFF, os problemas começaram a partir do momento em que os
investidores internacionais pararam de apostar no Brasil após as crises
da Ásia, em 1997, e da Rússia, em 1998. Por um momento, o Banco Central
queimou reservas internacionais, mas foi obrigado a deixar o real
flutuar em 1999. “Como os investimentos estrangeiros não compensavam
mais os déficits em transações correntes, o modelo de câmbio fixo deixou
de ser sustentável”, relembra. “Hoje, o país está com o câmbio livre,
mas com as contas externas insustentáveis do mesmo jeito.”
Em
1999, o governo adotou o modelo em vigor até hoje, baseado no controle
da inflação por meio da taxa Selic (juros básicos da economia), em vez
da âncora cambial. Apesar de o câmbio estar livre, Nassif diz que o real
continua sobrevalorizado, com prejuízo para os exportadores e a
indústria nacional. Ele sugere que o Banco Central deixe o dólar chegar
lentamente à taxa de equilíbrio para então introduzir o controle de
capitais estrangeiros que entram no país e impeçam o dólar de cair
novamente.
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