O que faz uma pessoa física que precisa honrar compromissos urgentes,
mas não tem recursos? Pega dinheiro emprestado e se endivida com juros.
Com o governo, o processo é parecido, porém mais complexo. O Tesouro
Nacional emite títulos e se compromete a devolver o dinheiro com alguma
correção anos mais tarde, aumentando a dívida pública.
Responsável
por provocar momentos de susto nas contas públicas brasileiras nos 20
anos de Plano Real, a dívida pública está sob controle nos últimos anos.
Depois de ter disparado nas crises cambiais de 1998 e 2002, o
endividamento do governo caiu na última década, beneficiado pela
melhoria no perfil e pelo fato de o país ter passado de devedor a credor
externo.
Nos primeiros anos após a criação do Plano Real,
o Brasil tinha a maior parte da dívida interna atrelada ao câmbio e aos
juros básicos da economia. Segundo o professor Francisco Lopreato, da
Universidade de Campinas (Unicamp), especialista em política fiscal,
entre 1999 e 2002, cerca de 95% da dívida mobiliária – em títulos –
interna estavam corrigidos pelos juros básicos (60%) e pelo dólar (35%).
Esse
tipo de composição foi fatal para o Brasil nas crises da Ásia, da
Rússia e de 2002. A disparada do dólar multiplicou a dívida em reais
atrelada ao câmbio. Para tentar segurar a cotação e atrair capitais
estrangeiros, o Banco Central teve de aumentar os juros, o que impactou
os títulos vinculados à taxa Selic – juros básicos da economia.
O
efeito sobre as contas públicas foi perverso. Em 2002, a dívida líquida
do setor público, que considera tudo o que o setor público tem a pagar e
a receber, chegou a saltar para 60% do Produto Interno Bruto (PIB, soma
das riquezas produzidas no país). “Foi a pior combinação pela qual o
Brasil poderia passar naquele momento. A ancoragem do dólar forçou o
aumento dos juros e aumentou o endividamento do país”, recorda Carlos
Eduardo Freitas, diretor do Banco Central por duas vezes, entre 1985 e
1988 e de 1999 a 2003.
Segundo Freitas, também contribuiu para a
alta da dívida pública na primeira fase do Plano Real o reconhecimento,
pelo governo federal, de esqueletos econômicos, débitos resultantes de
planos econômicos antigos. Além disso, a renegociação das dívidas dos
estados e o Proer, programa de ajuda aos bancos que quebraram após o
Plano Real, impulsionaram o endividamento federal.
Atualmente,
apenas 10% da dívida estão atrelados aos juros; e 10%, ao câmbio,
considerando as vendas de dólares no mercado futuro feitas pelo Banco
Central. Para Lopreato, o trabalho de gerenciamento da dívida pública a
partir de 2003, que privilegiou a troca dos títulos atrelados aos juros e
ao câmbio por papéis prefixados – com taxas determinadas
antecipadamente – e corrigidos pela inflação, diminuiu a vulnerabilidade
do país. Atualmente, a dívida líquida do setor público está em 34% do
PIB.
Outro fator que contribuiu para a redução da dívida líquida
ocorreu em 2006, quando o Brasil passou de devedor a credor externo. O
Brasil virou credor ao acumular reservas internacionais, hoje em torno
de US$ 380 bilhões, em montante superior à dívida externa (pública e
privada), atualmente em US$ 326 bilhões.
“Para quem se lembra da
crise da dívida externa dos anos 80 e dos acordos com o Fundo Monetário
Internacional até 2004, essa é nossa maior vitória”, diz Lopreato.
“Agora, quando o dólar dispara, como aconteceu no ano passado, a dívida
líquida cai porque as reservas internacionais superam o endividamento
externo”, explica.
Apesar de estar sob controle, a dívida pública
tem sido pressionada nos últimos anos pelas ajudas do Tesouro Nacional
aos bancos públicos. Desde 2009, o Tesouro emitiu cerca de R$ 300
bilhões em títulos públicos para aumentar o capital do Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). A operação não tem impacto
na dívida líquida, mas aumenta a dívida bruta do governo.
O
reforço permite que a instituição empreste mais ao setor produtivo e
estimule investimentos, mas a ajuda oficial divide a opinião de
economistas. “De fato, os aportes para o BNDES aumentaram a dívida
bruta, mas o impacto é relativamente pequeno. As emissões são
importantes para ampliar os investimentos e ajudar a economia”, diz
Lopreato. “Essas ajudas só provocam inflação e não têm impacto sobre o
total de investimentos. O empresário, na prática, apenas deixa de usar
os próprios recursos e investe com empréstimos a juros baixos concedidos
pelo governo”, critica Freitas.
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