Em 20 anos de existência,
a moeda que derrubou a inflação foi lentamente corroída por ela. De
acordo com o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a
inflação oficial acumulada de julho de 1994 até maio deste ano (último
dado disponível) chega a 359,89%. Uma nota de R$ 100 hoje compra apenas o
equivalente ao que R$ 21,75 comprariam há duas décadas.
Os
levantamentos de preços da cesta básica do Departamento Intersindical
de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) mostram o poder da
inflação. O quilo da carne em São Paulo, que custava R$ 3,21 em 1994,
hoje vale R$ 19,53 em média. O quilo do tomate no Rio de Janeiro, que
saía por R$ 0,44 há 20 anos, atualmente é vendido por R$ 5,04 em média.
No Recife, o quilo do pão saltou de R$ 1,46 no início do Plano Real para
R$ 7,63 hoje.
O
comportamento da inflação, no entanto, não significa que o brasileiro
tenha ficado mais pobre nesse período. Ao mesmo tempo em que os preços
aumentaram 359%, a renda média do trabalhador brasileiro aumentou 426%,
mais do que a inflação acumulada no período. De acordo com o Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o rendimento médio nominal
da população empregada subiu de R$ 382,73 em 1994 para R$ 2.013,50 em
2014.
Funcionária
de uma empresa estatal, Maria de Lourdes Xavier, 66 anos, é testemunha
do crescimento da renda média nos últimos 20 anos. Ela, no entanto,
recorda que os primeiros anos após o Plano Real foram difíceis. “Fiquei
sem duas cadernetas de poupança para comprar comida, pois não havia
aumento bom de salário. Só voltei a conseguir economizar alguma coisa em
anos mais recentes”, diz.
Segundo o economista Carlos Eduardo
Freitas, diretor do Banco Central por duas vezes, de 1985 a 1988 e de
1999 a 2003, o aumento da renda do brasileiro está relacionado a dois
fatores: o crescimento do emprego formal e à própria teoria econômica,
que prevê a neutralidade da moeda no longo prazo. “Na economia, o que
conta não são os preços monetários, mas os preços relativos, que estão
sempre se ajustando. Os salários nada mais são do que o preço do
trabalho e tendem a acompanhar a inflação, embora isso demore algum
tempo”, explica.
Os
preços relativos representam o número de unidades de um produto que
compra outro bem. Para Freitas, o Plano Real só foi bem-sucedido porque a
Unidade Real de Valor (URV), na prática, dolarizou a economia sem
precisar trocar a moeda nacional por dólares. “O congelamento de preços
de outros planos econômicos provocava o desalinhamento dos preços
relativos porque vinha de surpresa. Alguns preços tinham passado pela
correção monetária. Outros, não. A URV deu alguns meses para que todos
os preços se alinhassem ao dólar, ajustando os preços relativos”,
relembra.
Diretor técnico do Dieese, Clemente Ganz tem opinião
diferente. Segundo ele, o sucesso do Plano Real está não apenas no
alinhamento dos preços relativos, mas na redistribuição de renda a favor
dos trabalhadores. “A estabilização do poder de compra da moeda é
importante. Agora, o que determina a transferência da renda para o
trabalhador é a ação política nas negociações entre patrões e
empregados”, diz.
No ano passado, segundo o Dieese, 87% das
categorias conquistaram reajustes reais (acima da inflação), mesmo num
cenário de baixo crescimento da economia e de inflação alta. “Com o bom
desempenho do mercado de trabalho nos últimos anos, os empregados ganham
poder para conseguir aumentos acima da inflação e impedir a renda de
ser corroída”, ressalta o diretor do Dieese.
* Colaborou Mariana Branco
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