Agência Brasil
O primeiro fim
de semana de competições dos Jogos Olímpicos do Rio 2016 ficou marcado não só
pelas emoções esportivas dentro de campos, ginásios e quadras, mas também pela
retirada de espectadores de locais de prova por gritarem ou portarem camisas e
cartazes com mensagens contra o presidente interino Michel Temer.
Vários vídeos
e fotos com episódios deste tipo foram divulgados nas redes sociais. No
Sambódromo, onde são disputadas as provas de tiro com arco, um homem foi retirado à força por membros da Força Nacional
enquanto assistia às finais, no sábado. O motivo teria sido um grito de “Fora
Temer”. No mesmo dia, em Belo Horizonte, dez espectadores foram igualmente
escoltados para fora do Mineirão por vestirem camisetas com letras garrafais
que, juntas, formavam a mesma frase de protesto.
Apesar de
causar estranheza ao público, a medida está prevista em normas estipuladas pelo
Comitê Organizador da Rio 2016, que proíbe expressamente manifestações “de
cunho político e religioso”, que já têm validade desde jogos anteriores. O
Comitê Olímpico Internacional (COI) defende que o esporte é neutro e não deve
ser espaço para plataformas políticas. De acordo com o COI, a Carta Olímpica, o
conjunto de princípios para a organização dos Jogos e o movimento olímpico,
prevê que o comitê deve “opor-se a quaisquer abusos políticos e comerciais do
esporte e de atletas”. A Carta, de 1898, diz que “nenhum tipo de demonstração
política, religiosa ou propaganda racial é permitido em quaisquer locais
olímpicos”.
Mas a medida
levantou diversos posicionamentos contrários de movimentos sociais, advogados e
juristas. Eles questionam, sobretudo, a constitucionalidade da regra, uma vez
que a Constituição brasileira garante o direito à manifestação política e à
liberdade de expressão.
Para o
ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ayres Britto, salvo a ocorrência
de insultos ou de ruídos que possam atrapalhar as provas, tais manifestações
não são suficientes para justificar a expulsão de espectadores dos eventos
esportivos, pois se inserem em princípios fundamentais da liberdade de
expressão e da cidadania, como definidas pelo texto constitucional.
“Desde que não
haja insulto, xingamento, mas simplesmente mensagens de conteúdo expressamente
político, se as coisas se limitarem a uma faixa ou a uma mensagem de conteúdo
político de agrado ou desagrado por esse ou aquele governante, então aí tudo se
contém no âmbito da liberdade de expressão. Não vejo motivo de se retirar essas
pessoas, elas têm todo o direito de se manifestar”, disse o ex-ministro à Agência
Brasil.
Sem
amparo legal
O advogado e
jurista Daniel Sarmento, professor titular de direito constitucional da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), destaca a falta de amparo legal
das normas do Comitê Rio 2016. “Não tem preceito dessa natureza na Lei da
Olimpíada. O que ela veda são manifestações que incitam a manifestação racista,
xenófoba, esse tipo de coisa… se não está prevista em lei, não há nem o que se
discutir, para mim o que o Comitê [Rio 2016] fez é inconstitucional.”
A Lei da
Olimpíada (13.284/2016) não proíbe mensagens políticas, embora vete a
utilização de bandeiras para “fins que não o de manifestação festiva e
amigável”. No mesmo artigo, a lei coloca como condição para frequentar as
instalações oficiais dos jogos não “portar ou ostentar cartazes, bandeiras,
símbolos ou outros sinais com mensagens ofensivas, de caráter racista ou
xenófobo ou que estimulem outras formas de discriminação”.
Logo abaixo,
contudo, o texto ressalva “o direito constitucional ao livre exercício de
manifestação e à plena liberdade de expressão em defesa da dignidade humana”.
Na avaliação
de Alexandre Bernardino da Costa, professor do departamento de direito da
Universidade de Brasília (UnB), o que está ocorrendo “é uma aplicação errada da
lei”. Ele também questionou as regras do Rio 2016. “O que quer dizer político?
Tem que discutir conotação. Quem é que vai julgar isso? É o Comitê Olímpico
Internacional? O que está havendo é um grande arbítrio.”
“Ainda que os
espaços estejam cedidos para Comitê Olímpico, são espaços públicos, em que se
aplica plenamente a liberdade de expressão”, afirmou Sarmento. “O direito à
liberdade de expressão muitas vezes incomoda, mas esse é o ônus que você tem de
viver numa democracia”, completou o jurista.
Lei
da Copa
Advogado e
professor de direito constitucional do Instituto de Direito Público (IDP), Saul
Tourinho recordou, entretanto, que a polêmica já foi discutida pelo Supremo
Tribunal Federal (STF) após a aprovação pelo Congresso da Lei Geral da Copa
(12.663/2012), cujo texto veta manifestações políticas por parte dos torcedores
nos estádios.
Os ministros
do STF consideraram a lei, à época, constitucional. Numa de suas
justificativas, o relator Gilmar Mendes alegou que nenhum direito pode ser
considerado absoluto e que, no caso de grandes eventos esportivos, faria-se
necessário restringir a liberdade de expressão para evitar confronto entre
manifestantes contrários nas arenas.
“Por incluir
ainda a presença de estrangeiros de países com as mais diversas configurações
políticas, o entendimento é de que o espetáculo esportivo não deve servir de
palco para a exacerbação política de qualquer tipo. Não e só 'Fora Temer', é o
'Fora Raul Castro' ou qualquer outro tipo”, disse Tourinho à Agência Brasil.
Outro
lado
O Comitê Rio
2016 informou hoje (8), que, mesmo que haja manifestações ou protestos, o
procedimento padrão não é expulsar o torcedor do local. Caso mostre um cartaz
com frases de cunho político, religioso ou comercial, por exemplo, a pessoa
continua no local, desde que se comprometa a não repetir o ato.
“A pessoa é
convidada a retirar os cartazes. Se retirar, não tem problema, continua no
estádio. Se ela não quiser, é convidada a se retirar porque está infringindo a
regra”, explicou o diretor executivo de Comunicações do Comitê Rio 2016, Mário
Andrada.
Na mesma
linha, o diretor de Comunicações do Comitê Olímpico Internacional (COI), Mark
Adams, disse que tenta-se ser razoável e resolver caso a caso. “Depende da
pessoa. A ideia é explicar a ela o que é o espírito dos Jogos Olímpicos, se
houver algum problema.” Para Andrada, não há conflito entre o veto a
manifestações desse tipo e a liberdade de expressão, garantida na Constituição
brasileira.