Em tramitação no Congresso, o pedido de impeachment da
presidenta Dilma Rousseff, independentemente do resultado, não resolverá
a crise política vivida pelo país, avaliam cientistas políticos ouvidos
pela Agência Brasil. Para os especialistas, a
polarização da política e a descrença da população nos partidos
políticos permanecerão após o desfecho do julgamento do impedimento da
presidenta.
Para o cientista político e professor titular do
curso de ciência política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
Carlos Ranulfo, o impeachment não representa risco à
democracia, mas ele considera a constitucionalidade do procedimento
discutível. “Estamos discutindo o afastamento de um presidente sem base
jurídica para tanto. É diferente o afastamento político do afastamento
por crime de responsabilidade. Mas não há crime de responsabilidade que
possa ser imputado a Dilma. É uma violência à Constituição”, disse
Ranulfo.
O cientista político, antropólogo e sociólogo da
Universidade de Brasília (UnB) Antônio Flávio Testa considera que o
momento político brasileiro fortalecerá a democracia e as instituições.
Para Testa, o pedido de impedimento de Dilma tem fundamentação legal e
“ótima fundamentação”. “Não vejo problemas [quanto à fundamentação do
pedido]. As pedaladas fiscais foram julgadas pelo TCU [Tribunal de
Contas da União] e configuram crime de responsabilidade”, afirmou,
referindo-se ao mecanismo usado pelo governo, no ano passado, de
repassar dinheiro de benefícios sociais à Caixa Econômica depois que o
banco já havia feito o pagamento aos beneficiários.
De acordo com
o cientista político e professor do curso de Relações Internacionais da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Maurício Santoro, no
entanto, diferentemente do processo que resultou no impeachment
do ex-presidente Fernando Collor de Mello, que, segundo ele, unificou o
país e fortaleceu a democracia, no caso da presidenta Dilma Rousseff o
resultado deve provocar ainda mais tensionamento.
“O processo contra o Collor fortaleceu a democracia. Tínhamos uma visão de que aquele impeachment era necessário. [Hoje] embora pesquisas demonstrem grande apoio ao impeachment,
a base legal do pedido é bastante controversa. Não há, como houve no
Collor, uma prova de que ela tenha recebido ou sido beneficiada pela
corrupção”, comparou Santoro.
Para ele, o clima de divisão
política pode resultar, no Brasil, em um desfecho semelhante ao ocorrido
na Itália, com a eleição de Silvio Berlusconi, após a Operação Mãos
Limpas. “O momento de hoje [no Brasil] tem semelhanças com o que
aconteceu na Itália após a Operação Mãos Limpas. Assim como a Mãos
Limpas, que resultou na condenação de vários políticos, o resultado não
foi uma democracia mais sólida, mas a ascensão de Berlusconi, que
representou a expressão: se você não acredita na política, vote em mim.
Mesmo dento da democracia, a aversão ao sistema pode gerar coisas muito
estranhas”, afirmou.
Na visão da cientista política da
Universidade Federal de São Carlos (UFScar) Maria do Socorro Sousa
Braga, a não observância dos preceitos constitucionais na análise do impeachment pode agravar ainda mais as disputas políticas nas ruas.
“A
democracia vai seguir, independentemente do resultado. No entanto, se
não forem observadas as questões legais e se outras lideranças não forem
punidas, por exemplo, com certeza podemos ter uma guerra civil. Nossas
autoridades têm que ser responsáveis”, disse Maria do Socorro Sousa
Braga à Agência Brasil.
Manifestações
Apesar
de ressaltar o caráter democrático das manifestações, o cientista
político Carlos Ranulfo ressaltou que o Congresso e, principalmente, o
Judiciário não devem se deixar pautar pelo clamor popular. “Nenhuma
democracia funciona com base na voz das ruas. Ela não te diz para onde
ir, nem fundamenta a democracia. Cito o exemplo da Venezuela do [Hugo]
Chávez. A voz das ruas é volátil. Ora vai para um lado, ora vai para
outro. É um protesto, não fundamenta nada. Por isso que a Justiça não
pode se pautar pela voz das ruas. A voz das ruas não faz as leis”,
frisou o professor da UFMG.
De acordo com Maurício Santoro, nos
últimos anos a pesquisa Latinobarómetro, feita por uma organização não
governamental chilena que estuda a opinião pública em 18 países da
América Latina, tem registrado uma oscilação do percentual de
brasileiros que consideram a democracia o melhor sistema. Reflexo,
conforme o professor da Uerj, da descrença de parte da população nos
partidos.
Para ele, isso reforça ainda mais o papel do Judiciário
neste cenário de crise. “Estamos vendo nos protestos um número
expressivo de pessoas com faixas, cartazes expressando sentimento de
crítica à democracia e de nostalgia à ditadura. O Poder Judiciário não é
eleito por uma razão importante: a gente precisa de autoridades que não
respondam aos anseios das ruas - para proteger os direitos das
minorias. A democracia é o respeito à vontade das maiorias, mas sem
desrespeitar o direito das minorias”, observou Santoro.
Na
avaliação da professora Maria do Socorro Sousa Braga, a ida da população
às ruas é importante e reforça a percepção sobre os deveres políticos.
“É uma forma de mostrar sua insatisfação. E é ainda mais importantes
porque as manifestações têm ocorrido sem violência, de forma pacífica e
politizada. Sinal de democracia madura, seja de um lado ou de outro”,
acrescentou a cientista política da UFSCar.
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