Tramita de
forma sigilosa um inquérito aberto pela Polícia Federal para investigar o
professor-visitante do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ) Adlène Hicheur. A informação foi dada na terça (12) pelo
Ministério da Justiça. O pesquisador franco-argelino foi preso em 2009, na
França, após ser acusado de trocar mensagens que indicariam sua participação no
planejamento de atos terroristas. Após cumprir a pena, ele veio para o Brasil,
onde está desde 2013.
Em carta divulgada com o apoio do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), Hicheur nega as acusações que o levaram à prisão.
O comunicado
da pasta da Justiça diz ainda que não é possível divulgar qualquer informação a
respeito do assunto e que "outros aspectos jurídicos relativos ao
caso estão sendo analisados, em conjunto, pelos órgãos técnicos do
ministério".
O caso foi
noticiado em reportagem da revista Época desta semana. A revista
publica também os diálogos entre Adlène e um homem que, segundo a publicação, é
apontado como terrorista pelo governo francês e adotava um pseudônimo. De
acordo com a matéria, na conversa, Hicheur sugere alvos para ataques, o que
teria motivado sua prisão.
O pesquisador
afirma que a reportagem resgata "uma história velha" e se baseia em
mentiras. Ele se defende dizendo que a investigação não sustenta o caso com
fatos e evidências. "A acusação não conseguiu apresentar nenhuma prova
material para sustentar seus argumentos; não foi apresentada nenhuma prova de
intenção de cometer qualquer ato; nenhum 'ato violento' preciso foi mencionado
como objetivo da alegada conspiração; não foi apresentada nenhuma prova de
identidade do chamado pseudônimo, apenas hipóteses mostradas como 'informação
de fonte confiável."
Sobre a reportagem, Hicheur afirma que se trata de "uma tentativa desonesta de destruir sua pessoa".
Hicheur lembra
que estava de licença médica na casa dos pais, na França, quando foi preso. Na
época, ele trabalhava no maior acelerador de partículas do mundo, o LHCb, na
Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear (Cern), na Suíça. Integrante da
equipe que trabalhou com Hicheur no Brasil, o coordenador do LHCb no Centro
Brasileiro de Pesquisas Físicas, Ignacio Bediaga, também divulgou carta na qual
informa que Hicheur foi indicado pelo então coordenador-geral do LHCb,
professor Pierluigi Campana.
"Conhecedores
da capacidade intelectual do Dr. Hicheur, bem como da sua capacidade de
trabalho, aliado à necessidade que tínhamos de terminar as análises dos dados
de 2010 e 2011, achamos bem interessante a proposta feita pelo manager do
experimento", diz Bediaga. Segundo Bediaga, o CBPF fez uma consulta a um
embaixador brasileiro sobre possíveis impedimentos à vinda de Hicheur. "A
resposta foi negativa, já que ele era cidadão francês e já havia cumprido a
pena."
Bediaga
diz que nunca teve problemas com Hicheur no período em que foram da mesma
equipe. "Podemos atestar que durante esses quase dois anos de trabalho
conjunto, o Dr. Hicheur, além de realizar um trabalho excepcional, mostrou um
comportamento moral e ético exemplar, bem como uma grande disponibilidade em
colaborar com o grupo. Em nenhum momento houve, da nossa parte, alguma
percepção de desvio de conduta da sua parte."
A carta
explica ainda que Hicheur ingressou na Universidade Federal do Rio de Janeiro
como professor-visitante em meados de 2014, depois que terminou o estágio de
seu pós-doutorado no CBPF. A UFRJ foi procurada pela Agência Brasil, mas
não se manifestou.
Na última
segunda-feira (11), o ministro da Educação, Aloizio Mercandante, disse que a
entrada de Hicheur no Brasil deveria ter sido bloqueada. "Uma pessoa que
teve aqueles e-mails que foram publicados e foi condenada por prática
de terrorismo não nos interessa para ser professor no Brasil. Não temos nenhum
interesse nesse tipo de pessoa", declarou o ministro. De acordo com
Mercadante, as providências cabíveis serão tomadas pelo Ministério da Justiça e
pela Advocacia-Geral da União (AGU). Procurada pela Agência Brasil, a AGU
disse que "não foi demandada, até o momento, a se manifestar sobre os
aspectos jurídicos que envolvem a situação do referido profissional no
Brasil".
O Centro Brasileiro
de Pesquisas Físicas divulgou também uma carta em que pesquisadores de sua
equipe declaram apoio ao franco-argelino. Assinam o documento os professores
Aurelio Bay, da Escola Politécnica Federal de Lausanne, na Suíça; Pierluigi
Campana, do Laboratório Nacional do Instituto Nacional de Física Nuclear de
Frascati, na Itália; John Ellis, da King's College de Londres, no Reino Unido;
Jean-Pierre Lees, da Universidade Savoie Mont-Blanc, na França; e Monica
Pepe-Altarelli, do Cern, na Suíça.
"Gostaríamos
de manifestar nosso forte apoio ao colega", diz a carta em seu início.
"O professor Hicheur já pagou um preço alto por sua troca de mensagens em
2009 com alguém acusado de ser um membro da Al Qaeda. O professor Hicheur nunca
cometeu, direta ou indiretamente, nenhum ato criminal ou terrorista. Ele
cumpriu sua pena integralmente e tem trabalhado pacificamente no Brasil por
muitos anos", acrescenta o texto dos pesquisadores.
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