Por Luiz Flávio Gomes na revista
JusBrasil
As
eleições estão se aproximando e nenhum candidato, até agora (ao menos
publicamente) está dando a devida atenção para a violência epidêmica que está
corroendo as bases do tecido social nem tampouco para o genocídio estatal
macabro (que mata, por razões étnicas, raciais ou socioeconômicas, entre 5 e 20
mil jovens por ano, por meio de execuções sumárias, atingindo prioritariamente
os de cor negra ou parda, favelizados ou periferizados). Esse mesmo genocídio
massivo, que é fruto de uma política estatal nunca oficializada, também
vitimiza centenas de policiais anualmente.
O
Brasil, em 2010, conforme levantamento do Instituto Avante Brasil (baseado em
dados do UNODC-ONU e Datasus do Ministério da Saúde), somava 52.260 homicídios
(27,3 mortes para cada 100 mil habitantes); em 2012 apresentou crescimento de
7,8%, em números absolutos, registrando 56.337 mortes (29 para cada grupo de
100 mil habitantes). Levando-se em conta exclusivamente os países que
atualizaram seus números em 2012, o Brasil passou da 20ª posição (em 2010) para
a 12ª (em apenas dois anos e depois de feitos os ajustes numéricos pelo Unodc).
Interessante
notar que, em números absolutos, o Brasil continua sendo o campeão mundial
(56.337 assassinatos), deixando para trás Índia (43.355), Nigéria (33.817),
México (26.037) etc. Para o ano de 2014, segundo projeção feita pelo Instituto
Avante Brasil, estima-se que o número de mortes absolutas possa chegar a mais
de 58 mil. Tudo isso significa que, no Brasil, são registradas mais de 10% das
mortes de todo o planeta. Em onze anos (2002-2012) foram assassinadas no nosso
país 555.884 pessoas (perto de 50 mil por ano). Jamais, no entanto, tínhamos
batido a casa dos 56 mil. E mais: “o dado por até estar subestimado. Um estudo
recente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) estima que o volume
de homicídios é maior e já teria ultrapassado a marca de 60 mil anuais. O
aumento das mortes classificadas como “causa indeterminada”, desconfia-se,
seria na verdade um subterfúgio de autoridades estaduais para maquiar a
realidade” (Carta Capital 25/6/14: 30).
Quem
levanta e estuda todos esses números é a criminologia, que deve ganhar
autonomia absoluta frente ao direito penal, ou seja, aos seus conceitos legais
e normas (profunda alteração epistemológica, consoante Ferrajoli: 2014/1: 83 e
ss.). O penalista (com sua visão normativista) não consegue ver no cipoal de
homicídios no Brasil uma grande fatia que é, na verdade, um genocídio massivo
de responsabilidade direta do Estado (que mata muito no nosso país, por
intermédio dos seus agentes e ainda provoca centenas de mortes destes mesmos
agentes).
Ferrajoli diz: “A criminologia deve ler e estigmatizar como crimes –
crimes de massa contra a humanidade [destacando-se, dentre eles, o genocídio
estatal] as agressões aos direitos humanos e aos bens comuns realizados pelos
Estados e pelos mercados” (2014/1: 84). Os Estados e os mercados
(frequentemente em conjunto) geram danos sociais imensos e já não podem ficar
obscurecidos em termos de responsabilidade. Para que isso ocorra, necessário se
faz “dar autonomia à criminologia, frente ao direito penal dos nossos
ordenamentos assim como diante dos filtros seletivos formulados por ele mesmo”
(Ferrajoli). Compete, em suma, aos criminólogos a denúncia de todos os “crimes”
que geram danos sociais, ainda que não descritos, por ora, como tais, nas leis.
O direito penal não pode limitar o estudo da criminologia, que tem diante de si
a tarefa de ir até às últimas consequências pelo menos no que diz respeito ao
genocídio massivo estatal (de jovens, negros, pardos ou brancos, favelizados ou
periferizados).
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