Publicado em dezembro 27th, 2013 | por Gabriel Priolli |
Por Gabriel Priolli
Quem vê
nítidas semelhanças entre o clima do pré-golpe de 1964 e a intenção permanente
de desestabilização dos governos populares inaugurados com Lula; quem não se
conforma com a volta da histeria anticomunista, agora focada no “lulopetismo”;
quem percebe o fascismo em ascensão no Brasil e denuncia, é uma gente tensa e angustiada,
que vive sob permanente cobrança. O mínimo que nos dizem é que exageramos, que
não há nenhuma intenção golpista no ar.
Para esses
incrédulos, os de boa fé, recomendo a leitura do texto abaixo, publicado por Hildegard Angel em seu blog. Se a mim
parece que o fantasma da volta do horror é bastante concreto, porque não falta
gente inconsequente para cevá-lo diariamente na mídia, nas redes sociais e nos
parlamentos, imagine então para uma pessoa que teve irmão e mãe assassinados
pelo regime dos generais – essa magnífica obra política que devemos à tradição,
à família e à propriedade senhorial brasileira.
A
GENTE NUNCA PERDE POR SER LEGÍTIMO, MAS QUEM CONTA A HISTÓRIA SÃO OS
VENCEDORES, NÃO ESQUEÇAM!
Hildegard Angel – 26/12/2013
O fascismo se
expande hoje nas mídias sociais, forte e feioso como um espinheiro contorcido,
que vai se estendendo, engrossando o tronco, ampliando os ramos,
envolvendo incautos, os jovens principalmente, e sufocando os argumentos que surgem,
com seu modo truculento de ser.
Para isso,
utiliza-se de falsas informações, distorções de fatos, episódios, números e
estatísticas, da História recente e da remota, sem o menor pudor ou
comprometimento com a verdade, a não ser com seu compromisso de dar conta de um
Projeto.
Sim, um
Projeto moldado na mesma forma que produziu 1964, que, os minimamente
informados sabem, foi fruto de um bem urdido plano, levando uma fatia da
população brasileira, a crédula classe média, a um processo de coletiva
histeria, de programado pânico, no receio de que o país fosse invadido por
malvados de um fictício Exército Vermelho, que lhes tomaria os bens e as casas,
mataria suas criancinhas, lhes tiraria a liberdade de ir, vir e até a de
escolher.
Assim, a
chamada elite, que na época formava opinião sobre a classe média mais baixa e
mantinha um “cabresto de opinião” sobre seus assalariados, foi às ruas com as
marchas católicas engrossadas pelos seus serviçais ao lado das bem
intencionadas madames.
Elas mais
tarde muito se arrependeram, ao constatar o quanto contribuíram para mergulhar
o país nos horrores de maldades medievais.
Agora, os
mesmos coroados, arquitetos de tudo aquilo, reescrevem aquele conto de horror a
seu jeito, fazendo do mocinho bandido e do bandido mocinho, pois a História,
meus amores, é contada pelos vencedores. E eles venceram. Eles sempre vencem.
Sim, leitores,
compreendo quando me chamam de “esquerdista retardatária” ou coisa parecida.
Esse meu impulso, certamente tardio, eu até diria sabiamente tardio,
preservou-me a vida para hoje falar, quando tantos agora se calam; para agir e
atuar pela campanha de Dilma, nos primórdios do primeiro turno, quando todos se
escondiam, desviavam os olhos, eram reticentes, não declaravam votos, não
atendiam aos telefonemas, não aceitavam convites.
Essa minha
coragem, como alguns denominam, de apoiar José Dirceu, que de fato sequer meu
amigo era, e de me aprofundar nos meandros da AP 470, a ponto de concluir que
não se trata de “mensalão”, conforme a mídia a rotula, mas de “mentirão –
royalties para mim, em pronunciamento na ABI – eu, a tímida, medrosa, reticente
“Hildezinha”, ousando pronunciamentos na ABI! O que terá dado nela? O que terá
se operado em mim?
Esse
extemporâneo destemor teve uma irrefreável motivação: o medo maior do que o meu
medo.
Medo da Sombra de 64. Pânico superior àquele que me congelou durante uma década
ou mais, que paralisou meu pensamento, bloqueou minha percepção, a inteligência
até, cegou qualquer possibilidade de reação, em nome talvez de não deixar
sequer uma fresta, passagem mínima de oxigênio que fosse à minha consciência,
pois me custaria tal dor na alma, tal desespero, tamanhas infelicidade, noção
de impotência absoluta e desesperança, ao encarar a face verdadeira da
Humanidade, o rosto real daqueles que aprendi a amar, a confiar, que certamente
sucumbiria…
Não, eu não
suportaria respirar o mesmo ar, este ar não poderia invadir os meus pulmões,
bombear o meu coração, chegar ao meu cérebro. Eu não sobreviveria à dor de
constatar que não era nada daquilo que sempre me foi dito pelos meus, minha
família, que desde sempre me foi ensinado: o princípio e mandamento de que a
gente pode, com o bem, neutralizar o mal. Eu acreditava tão intensa e
ingenuamente no encanto da bondade, que seguia sobre a nojeira como se
flutuasse, sem percebê-la, sem pisar nela, como se caminhasse sobre flores.
As pessoas se
admiravam: “Como a Hilde, que tanto sofreu, não guarda rancores e mágoas no seu
coração?”.
E aí, passadas
as tragédias, vividas e sentidas todas elas em nossas carnes, histórias e mentes,
porém não esquecidas; viradas as páginas, amenizado o tempo… deu-se então o
início daquela operação midiática monumental, desproporcional, como se tanques
de guerra, uma infantaria inteira, bateria de canhões, frotas aérea e marítima
combatessem um único mortal - José Dirceu – tentando destrui-lo. Foi
quando percebi, apreensiva, esgueirar-se sobre a nossa tão suada democracia a Sombra de 64!
Era
o início do Projeto tramado para desqualificar a luta heroica daqueles jovens
martirizados, trucidados e mortos por Eles, o establishment sem nomes e sem
rostos, que lastreou a Ditadura, cuja conta os militares pagaram sozinhos. Mas
eles não estiveram sozinhos.
Isso
não podia ser, não fazia sentido assistir a esse massacre impassível. Decidi
apoiar José Dirceu. Fiz um jantar para ele em casa. Chamei pessoas importantes,
algumas que pouco conhecia. Cientistas políticos, jornalistas de Brasília,
homens da esquerda, do centro, petistas, companheiros de Stuart do MR8,
religiosos, artistas engajados. Muitos vieram, muitos declinaram. Foi uma
reunião importante. A primeira em torno dele, uma das raras. Porém não a única.
E disso muito me orgulho.
Um colunista
amigo, muito importante, estupefato talvez com minha “audácia” (ou, quem sabe,
penalizado), teve o cuidado de me telefonar na véspera, perguntando-me
gentilmente se eu não me incomodava de ele publicar no jornal que eu faria o
jantar. “Ao contrário – eu disse – faço questão”.
Ele sabia que,
a partir daquele momento, eu estaria atravessando o meu Rubicão. Teria um preço
a pagar por isso.
Lembrei-me de
uma frase de minha mãe: “A gente nunca perde por ser legítima”. Ela se referia
à moda que praticava. Adaptei-a à minha vida.
No início da
campanha eleitoral Serra x Dilma, ao ler aqueles sórdidos emails baixaria que
invadiam minha caixa, percebi com maior intensidade a Sombra de 64 se adensando
sobre nosso país.
Rapidamente a
Sombra ganhou corpo, se alastrou e, com eficiência, ampliou-se nestes anos,
alcançando seu auge neste 2013, instaurando no país o clima inquisitorial
daquela época passada, com jovens e velhos fundamentalistas assombrando o
Facebook e o Twitter. Revivals da TFP, inspirando Ku Klux Klan, macartismo e
todas as variações de fanatismo de direita.
É o Projeto do
Mal de 64 de novo ganhando corpo. O mesmo espinheiro das florestas de rainhas
más, que enclausuram príncipes, princesas, duendes, robin hoods, elfos e
anõezinhos.
Para alguns,
imagens toscas de contos de fadas. Para mim, que vi meu pai americano sustentar
orfanato de crianças brasileiras produzindo anõezinhos de Branca de Neve de
jardim, e depois uma Bruxa Má, a Ditadura, vir e levar para sempre o nosso
príncipe encantado, torturando-o em espinheiros e jamais devolvendo seu corpo
esfolado, abandonado em paradeiro não sabido, trata-se de um conto trágico,
eternamente real.
Como disse
minha mãe, e escreveu a lápis em carta que entregou a Chico Buarque às vésperas
de ser assassinada: “Estejam certos de que não estou vendo fantasmas”.
Feliz Ano
Novo.
Inclusive para
aqueles injustamente enclausurados e cujas penas não estão sendo cumpridas de
acordo com as sentenças.
É o que desejo
do fundo de meu coração.
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Abração
Dag Vulpi