O
ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, cotado para ser vice de Aécio Neves
numa chapa puro-sangue em 2014, não poderá ser acusado de falta de coerência.
Em artigo publicado neste domingo ("Mudar o rumo"), nos jornais O
Globo e Estado de S. Paulo, FHC, que traça a linha de ação do PSDB e será, na
prática, um dos formuladores do plano de governo do senador Aécio Neves
(PSDB-MG), pede um novo rumo ao País, que pode ser traduzido na retomada da
agenda liberal dos anos 90.
Na visão do
ex-presidente, o Brasil teria retrocedido em várias frentes, durante os
governos dos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Ele pede
mudanças profundas, a começar pela política externa. "É óbvio que a
política externa brasileira precisará mudar de foco, abrindo-se ao Pacífico,
estreitar relações com os Estados Unidos e a Europa, não temer a concorrência e
ajudar o país a se preparar para ela", afirma. Embora não fale em retomada
da Área de Livre Comércio das Américas, FHC, claramente, condena o fato de o
Brasil ter priorizado o Mercosul em sua política externa. "Não devemos
ficar isolados em nossa região, hesitantes quanto ao bolivarianismo, abraçados
às irracionalidades da política argentinta", diz ele.
FHC também
prega um papel menor para a Petrobras nos leilões do pré-sal. "A imposição
de que a Petrobras seja operadora única e responda por pelo menos 30% da
participação acionária em cada consórcio (...), afugenta número maior de
interessados nos leilões do pré-sal, reduz o potencial de investimento em sua
exploração e diminui os recursos que o Estado poderia obter com decantado
regime de partilha. É ruim para a Petrobras e péssimo para o país."
Naturalmente,
o ex-presidente também faz um elogio da privatização e diz que "o governo
faz contorcionismo verbal para negar que concessões sejam modalidades de
privatização", o que, segundo ele, seria "patético". Ele afirma
ainda que a inflação só não saiu da meta, porque diversos preços estariam sendo
controlados artificialmente pelo governo.
"É
preciso redesenhar a rota do país. Dois terços dos entrevistados em recentes
pesquisas eleitorais dizem desejar mudanças no governo. Há um grito parado no
ar, um sentimento difuso, mas que está presente. Cabe às oposições expressá-lo
e dar-lhe consequências políticas. É a esperança que tenho para 2014 e são meus
votos para que o ano seja bom", diz FHC.
Na prática, o
ex-presidente prega um novo choque liberal no País. Será que é isso o que os
brasileiros estarão buscando em outubro de 2014?
Abaixo, a
íntegra:
Fernando
Henrique Cardoso
Ano Novo,
esperanças de renovação. Mas como? Só se mudarmos o rumo. A começar pela visão
sobre o mundo que ressurgirá da crise de 2007/08.
O governo
petista, sem o dizer, colocou suas fichas no “declínio do Ocidente”. Da crise
surgiria uma nova situação de poder na qual os Brics, o mundo árabe e o que
pudesse se assemelhar ao ex-terceiro mundo teriam papel de destaque. A Europa,
abatida, faria contraponto aos Estados Unidos minguantes.
Não é o que
está acontecendo: os americanos saíram à frente, depois de umas quantas
estripulias para salvar seu sistema financeiro e afogar o mundo em dólares, e
deram uma arrancada forte na produção de energia barata.
O mundo árabe,
depois da Primavera, continua se estraçalhando entre xiitas, sunitas,
militares, seculares, talibãs e o que mais seja; a Rússia passou a ser
produtora de matérias-primas. Só a China foi capaz de dar ímpeto à sua
economia.
Provavelmente
as próximas décadas serão de “coexistência competitiva” entre os dois gigantes,
Estados Unidos e China, com partes da Europa integradas ao sistema produtivo
americano e com as potências emergentes, inclusive nós, o México, a África do
Sul e tantas outras, buscando espaços de integração comercial e produtiva para
não perderem relevância.
Nessa ótica, é
óbvio que a política externa brasileira precisará mudar de foco, abrir-se ao
Pacífico, estreitar relações com os Estados Unidos e a Europa, fazer múltiplos
acordos comerciais, não temer a concorrência e ajudar o país a se preparar para
ela.
O Brasil terá
de voltar a assumir seu papel na América Latina, hoje diminuído pelo
bolivarianismo prevalecente em alguns países e pelo Arco do Pacífico, com o
qual devemos nos engajar, pois não deve nem pode ser visto como excludente do
Mercosul.
Não devemos
ficar isolados em nossa região, hesitantes quanto ao bolivarianismo, abraçados
às irracionalidades da política argentina, que tomara se reduzam, e pouco
preparados face à investida americana no Pacífico.
Para que
exportemos mais e para dinamizar nossa produção para o mercado interno, a
ênfase dada ao consumo precisará ser equilibrada por maior atenção ao aumento
da produtividade, sem redução dos programas sociais e demais iniciativas de
integração social.
A promoção do
aumento da produtividade, no caso, não se restringe ao interior das fábricas,
abrange toda a economia e a sociedade.
Na fábrica,
depende das inovações e do entrosamento com as cadeias produtivas globais,
fonte de renovação. Na economia, depende de um ousado programa de ampliação e
renovação da infraestrutura e, na sociedade, de maior atenção à qualificação
das pessoas (Educação) e às suas condições de saúde, segurança e transporte.
Sem dizer que
já é hora de abaixar os impostos sem selecionar setores beneficiários e de
abrir mais a economia, sem temer a competição.
Isso tudo em
um contexto de fortalecimento das instituições e práticas democráticas e de
redefinição das relações entre o governo e a sociedade, entre o Estado e o
mercado. Será necessário despolitizar as agências reguladoras, robustecê-las,
estabilizar os marcos regulatórios, revigorar e estimular as parcerias
público-privadas para investimentos fundamentais.
Noutros
termos, fazer com competência o que o governo petista paralisou nos últimos dez
anos e que o atual governo, de Dilma Rousseff, vê-se obrigado a fazer, mas o
faz atabalhoadamente, abusando do direito de aprender por ensaios e erros
deixando no ar a impressão de amadorismo e a dúvida sobre a estabilidade das
regras do jogo.
Com isso, não
se mobilizam, no setor privado, os investimentos na escala e na velocidade
necessárias para o país dar um salto em matéria de infraestrutura e
produtividade.
Mordido ainda
pelo DNA antiprivatista e estatizante, persiste o governo atual nos erros
cometidos na definição do modelo de exploração do pré-sal. A imposição de que a
Petrobras seja operadora única e responda por pelo menos 30% da participação
acionária em cada consórcio, somada ao poder de veto dado às PPSA nas decisões
dos comitês operacionais, afugenta número maior de interessados nos leilões do
pré-sal, reduz o potencial de investimento em sua exploração e diminui os
recursos que o Estado poderia obter com decantado regime de partilha. É ruim
para a Petrobras e péssimo para o país.
Além de
insistir em erros palmares, o atual governo faz contorcionismo verbal para
negar que concessões sejam modalidades de privatização. É patético. Também para
negar a realidade, se desdobra em explicações sobre a inflação, que só não está
fora da meta porque os preços públicos estão artificialmente represados, e
sobre a solidez das contas públicas, objeto de declarações e contabilidades
oficiais às vezes criativas, não raro desencontradas, em geral divorciadas dos
fatos.
Tão necessário
quanto recuperar o tempo perdido e acertar o passo nas obras de infraestrutura,
será desentranhar da máquina pública e, sobretudo, nas empresas estatais
(felizmente nem todas cederam à sanha partidária), os nódulos de interesses
privados e/ou partidários que dificultam a eficiência e facilitam a corrupção.
Não menos necessário será restabelecer o sentido de serviço público nas áreas
sociais, de Educação, Saúde e reforma agrária, resguardando-as do uso para fins
eleitorais, partidários ou corporativos.
Só
revalorizando a meritocracia e com obsessão pelo cumprimento de metas o Brasil
dará o salto que precisa dar na qualidade dos serviços públicos. Com uma carga
tributária de 36% do PIB, recursos não faltam.
Falta uma
cultura de planejamento, cobrança por desempenho e avaliação de resultados, sem
“marketismo”. Ou alguém acredita que mantido o sistema de cooptação, barganhas
generalizadas, corrupção, despreparo administrativo e voluntarismo,
enfrentaremos com sucesso o desafio?
É preciso
redesenhar a rota do país. Dois terços dos entrevistados em recentes pesquisas
eleitorais dizem desejar mudanças no governo. Há um grito parado no ar, um
sentimento difuso, mas que está presente. Cabe às oposições expressá-lo e
dar-lhe consequências políticas. É a esperança que tenho para 2014 e são meus
votos para que o ano seja bom.
Fernando
Henrique Cardoso é ex-presidente da República.
Do Brasil 247
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