Por Gustavo Moreira, no blog: História & Política
A despeito das inegáveis vitórias
políticas obtidas pela direita nas décadas de 1980 e
1990, poucas vezes vemos liberais e conservadores discursando
em prol das bandeiras que fazem deles direitistas: essencialmente, a
preservação das desigualdades econômicas e sociais através da manutenção,
por todos os meios ao seu alcance, das hierarquias informais, porém enraizadas
nas sociedades, de classe, gênero e etnia. É certo que podemos
encontrar tal defesa em sites de extremistas que flertam ou aderem
sem disfarces ao neonazismo, mas praticamente nunca na fala de políticos com
pretensões eleitorais sérias ou de formadores de opinião desejosos de conservar
respeitabilidade diante de um público mais amplo.
Não faltará, sem dúvida, um interlocutor que venha a me
explicar o fenômeno se reportando à suposta "erosão dos valores
tradicionais". Todavia, é interessante verificarmos que esta
tendência evasiva nada tem de ineditismo. Podemos encontrá-la, por exemplo, na
documentação de um período no qual a direita também detinha uma posição
ofensiva: os primeiros anos da ditadura civil-militar inaugurada em 1964.
As mensagens oficiais dos generais-presidentes, não obstante as muitas
críticas diretas e indiretas ao governo de João Goulart, contêm diversas
passagens que o dirigente deposto talvez subscrevesse com orgulho. Nelas, o
regime reivindica ideais igualitários que contrastam brutalmente com a ação
cotidiana do Estado sob seu controle.
Logo
na primeira mensagem presidencial publicada na ditadura, a de 1965, Humberto de
Alencar Castelo Branco (1897-1967) elabora uma condenação dos privilégios
vigentes que pouquíssimos esquerdistas deixariam de endossar. Fica óbvio
que o ilustre "revolucionário" enxergava com bastante clareza o
quão discriminatória era a sociedade brasileira.
http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u1350/000027.html |
No ano seguinte, Castelo Branco, apesar de
ter chegado ao poder em parte nada desprezível com o apoio dos que temiam as
reformas de base de João Goulart, se declara um partidário da redistribuição
das terras aráveis, admitindo direitos de setores historicamente alijados da
propriedade rural.
Na mensagem de 1967, última de sua
administração, Castelo Branco aponta para a necessidade de melhoria das
condições de vida das classes trabalhadoras. Para asco dos entusiastas do
Estado-mínimo, notemos que o presidente da República, pelo menos
no terreno retórico, considera essencial a ação do governo no sentido de
reduzir variadas "carências" da população.
Confesso alguma surpresa ao achar, na
mensagem de 1968, o linha-dura Arthur da Costa e Silva (1899-1969) afetando
preocupação com o poder de compra dos salários de seus governados. Ele chega à
temeridade de admitir que a política econômica em vigor nos anos anteriores
tinha resultado em compressão salarial.
Já o general Emílio Garrastazu Médici
(1905-1985), na mensagem de 1970, reconhece o dever do Estado de estender a
assistência médico-odontológica aos estudantes do antigo Primeiro Grau,
listando também incentivos econômicos convenientes aos alunos pobres de todos
os níveis.
Nem o mais fanático partidário de 1964
acreditaria na real intenção da ditadura de remover as barreiras sociais
impostas aos pobres e aos negros, facilitar o acesso universal de posseiros e
meeiros à propriedade de terras e instruir os filhos dos trabalhadores
braçais se pautando em padrões de excelência. Seria como crer em
um César Maia, no mais recente programa do DEM, pregando a remodelação do
Estado na direção do interesse público. Avançando ou recuando, a
direita jamais pode mostrar sua verdadeira face, por mais que reclamem os
puristas do elitismo; pelo menos enquanto existirem o sufrágio universal e
a democracia de massas.
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