ABIN E SATIAGRAHA
Por André Soares
As clandestinidades patrocinadas pela
Agência Brasileira de Inteligência (Abin) na Operação “Satiagraha” constituem
um dos mais escabrosos atentados da história contemporânea cometidos por
serviços de inteligência contra o próprio estado. Lembremos que a Operação
“Satiagraha” foideflagrada em 2008 e sob o comando do então delegado Protógenes
Queiroz foi uma das mais polêmicas ações da Polícia Federal (PF). Porquanto
essa operação foi contaminada pela ilegalidade na produção de provas contra os
investigados, especialmente a partir da participação clandestina da Abin, que
empregou ilegalmente meios operacionais, verba sigilosa (VS) e quase uma
centena de seus agentes. Condenada em 2011 pelo Superior Tribunal de Justiça
(STJ), a participação da Abin na “Satiagraha” será julgada pelo Supremo
Tribunal Federal (STF). Portanto, após o julgamento do “mensalão”, o próximo
desafio da mais alta corte do país será combater o desvirtuamento institucional
que governa o principal serviço secreto nacional.
“Jamais presenciei, eminentes Ministros, ao
defrontar-me com um processo, tamanho descalabro e desrespeito a normas
constitucionais intransponíveis e a preceitos legais" é a
manifestação literal do Exmo Sr Ministro Adilson Vieira Macabu no Habeas Corpus
149.250 – SP a respeito das ilicitudes da Abin na “Satiagraha”. Compreende-se,
então, porque a agência goza de péssima reputação no círculo da comunidade
internacional dos serviços de inteligência, que execra esse seu modus
operandi. Não por acaso, isso nos foi alardeado por Carlos Costa, chefe do FBI
no Brasil por quatro anos, que sentenciou publicamente: “...a Abin é uma
agência de inteligência que se prostitui...”.
A verdade é que nossos governantes
ressuscitaram no Brasil a degenerescência do Serviço Nacional de Informações
(SNI), criando a Abin, pela Lei 9.883, de 7 de dezembro de 1999, como órgão
central do Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin), entregando o seu
comando a uma inescrupulosa “comunidade de inteligência”. Inevitavelmente, sua
história se caracteriza por uma sucessão de crises institucionais, que demandaram
a exoneração de todos os seus diretores-gerais, envolvidos em obscuridades
nunca apuradas. É nesse contexto que a “inexplicável” exoneração do
diretor-geral Márcio Paulo Buzanelli é uma das verdades proibidas mais
ultra-secretas da agência.
Destaca-se que a descoberta das ilicitudes
da Abin na “Satiagraha” se deu por mero acaso e não pela eficiência dos órgãos
responsáveis pelo controle da atividade de inteligência no país, como a
Comissão de Controle das Atividades de Inteligência do Congresso Nacional
(CCAI), os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, o Ministério Público,
os Tribunais de Contas, a Câmara de Relações Exteriores e Defesa Nacional, e a
Secretaria de Controle Interno da Presidência da República (CISET). Por sua
gravidade, o então presidente Luís Inácio Lula da Silva não hesitou em exonerar
toda a cúpula da Abin. E as investigações realizadas produziram provas robustas
no relatório do Inquérito Policial (2-4447/2008–SR/DPF/SP, de 24/07/08) do
delegado da PF Amaro Vieira Ferreira, e na CPI das interceptações telefônicas
presidida pelo deputado federal Marcelo Itagiba.
Em seus desdobramentos, o delegado
Protógenes Queiroz foi demitido da PF e condenado pela Justiça Federal,
aguardando julgamento de recurso no STF, por ter foro privilegiado, em razão de
sua eleição como deputado federal, na esteira dos votos do palhaço Tiririca, de
mesma coligação partidária. Contudo, causa perplexidade nacional a absoluta
impunidade governamental em relação à Abin. Pois, a despeito do inaceitável
vilipêndio constitucional perpetrado por seus dirigentes na “Satiagraha”, os
mesmos permanecem incólumes ao Estado de Direito vigente.
O julgamento pelo STF da participação da
Abin na Operação “Satiagraha” é momento histórico que definirá o futuro da
Inteligência de Estado no Brasil. Que a decisão da suprema corte seja mais um
magnânimo exemplo a inaugurar no país o ensejo de uma Inteligência nacional
eficiente, comprometida com ditames constitucionais e com o estado democrático
de direito. Caso contrário, abrir-se-á precedente irreversível, vitimando a
sociedade à ameaça de serviços secretos desvirtuados, a exemplo da Operação
“Satiagraha”; e fomentando atentados ao estado e à soberania nacional, como a
explosão do foguete brasileiro VLS-1, no Centro de Lançamento de Alcântara/MA,
em 2003, que além dos incalculáveis prejuízos, assassinou impunemente 21
cidadãos brasileiros. E que Deus nos proteja!
“A Inteligência é um apanágio dos nobres.
Confiada a outros, desmorona".(Coronel Walther Nicolai, 1873/1934, Chefe
do Serviço de Inteligência do Chanceler Bismarck)
[Artigo originalmente publicado no Blog Inteligência
Operacional]
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