São Paulo – De janeiro a novembro deste
ano, o Disque 100, serviço telefônico da Secretaria de Direitos Humanos da
Presidência da República (SDH), recebeu 2.830 denúncias de violência contra a
população LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e
transgêneros). O serviço recebe, em média, oito denúncias por dia.
No entanto, ressalta o presidente da
Associação da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo, Fernando Quaresma, o número
de denúncias está longe de representar o que acontece na realidade. “Não é um
número real. É um número elevado, mas não é real, porque não engloba pessoas
que não conseguem assumir a sexualidade e que sofrem com a homofobia, nem casos
de homicídio em que as famílias não assumem que a pessoa morta era LGBT. Há
muitos outros casos que não entram na estatística que é feita. O número de
casos é muito maior”, disse Quaresma, em entrevista à Agência Brasil.
O Relatório sobre Violência Homofóbica no
Brasil, divulgado pela SDH, informou que, de janeiro a dezembro do ano passado,
6.809 violações de direitos humanos foram relatadas ao Disque 100, à Central de
Atendimento à Mulher e à Ouvidoria do Sistema Único de Saúde (SUS). Segundo a
secretaria, tais violações envolveram 1.713 pessoas, o que deu uma média de
3,97 violações por vítima. Só o Disque 100 recebeu 4.614 denúncias de homofobia
em 2011.
A própria secretaria reconhece que as
notificações não correspondem à totalidade dos casos de violência homofóbica,
já que muitos deles não são denunciados.
O Núcleo de Combate à Discriminação,
Racismo e Preconceito da Defensoria Pública de São Paulo registrou 50
ocorrências de homofobia somente no primeiro semestre deste ano. Pelas
projeções do núcleo, o ano de 2012 deve terminar com aumento de 15% no número de
casos em comparação com as ocorrências do ano anterior, quando a Defensoria
recebeu 66 relatos.
“Desde 2007 [quando o núcleo foi criado
para receber denúncias e dar entrada em processos administrativos referentes a
casos de homofobia), em todos os anos, têm aumentado (o número de relatos de
violência homofóbica]. Nunca houve retrocesso. E ultimamente os registros têm
aumentado muito, seja porque há mais casos de violência por discriminação, seja
porque as pessoas denunciam mais”, destaca a defensora pública Vanessa Alves
Vieira, coordenadora do núcleo.
A Comissão Processante Especial da
Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania de São Paulo, que analisa as
denúncias e, em caso de constatação de ato homofóbico, instaura processo
administrativo com base na Lei Estadual 10.948, de 2001, recebeu 264 processos
por homofobia no período de 2002 a 2012. Deste total, 117 processos ainda estão
em andamento.
“A população LGBT, até dez anos atrás, era
'invisível', ficava ‘dentro do armário’, no jargão popular, e não reivindicava
seus direitos e espaços, nem denunciava a violência que sofria. De dez anos
para cá, isso mudou consideravelmente”, ressaltou a coordenadora de Políticas
para a Diversidade Sexual da Secretaria Estadual da Justiça de São Paulo,
Heloisa Gama Alves. Segundo a secretaria, em 2011, foram instaurados 63
processos. De janeiro a julho deste ano, foram abertos mais 34 processos. A
secretaria informou ainda que nove multas e 46 advertências foram aplicadas
desde que foi aprovada no estado a lei que prevê esse tipo de punição. Quando
os casos envolvem estabelecimentos comerciais, a lei preve a suspensão ou a
cassação da licença de funcionamento.
“Uma lei que criminalize a homofobia só
pode ser [instituída] por meio de lei federal aprovada no Congresso. A lei em
vigor no estado [de São Paulo] é de cunho administrativo, ou seja, a vítima de
homofobia faz uma denúncia, que chega à Secretaria de Justiça e, se há indício
de conduta homofóbica, instaura-se um processo administrativo”, explicou
Heloisa. Segundo ela, nos casos de homofobia, o que mais tem chamado a atenção
da secretaria é o crescimento da violência dentro das próprias famílias,. “Tem
havido muitas denúncias de agressão verbal por parte de parentes, de pessoas do
ciclo íntimo da vítima.”
A delegada Margarete Barreto destaca que a
violência homofóbica ocorre em toda parte, embora seja mais frequente na rua e
no trabalho. A titular da Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de
Intolerância, aponta o xingamento como o tipo mais comum de violência contra a
população LGBT.
Para a delegada, uma forma de evitar a
violência homofóbica seria discutir “a fundo” a questão do preconceito. “É
importante investir em políticas públicas preventivas. No Brasil, temos uma
mania: quando aparece um crime, aumenta-se a pena para esse crime, mas não se
discute a questão a fundo. Temos que discutir o preconceito em sua raiz. Todos
eles. O racial, o religioso, o social, a intolerância esportiva. Temos que
escancarar, abrir essas cortinas totalmente. Não só um pedacinho.”
Ela defende ainda alterações no Código
Penal, com aumento das penas para crimes de ódio. “Melhor do que uma lei que
criminalize a homofobia seria uma qualificadora genérica para crimes de ódio,
que alcançaria tanto crimes de racismo quanto homofobia e intolerância
religiosa." Na opinião da delegada, tecnicamente ficaria melhor e não
haveria tanta resistência de algumas bancadas para aprovar a lei. Assim, se
ocorrer um homicídio que tenha como motivo a homofobia, o criminoso responderá
pelo crime de homicídio e terá a pena aumentada ou agravada por causa da
motivação homofóbica, explicou.
Para Fernando Quaresma, porém, a proposta
da delegada não resolveria o problema no todo. “Realmente, poderia haver um
agravante em relação a homicídio ou lesão corporal por questão de discriminação
ou orientação sexual. Isso pode ser feito, mas a homofobia não ocorre só na
hora em que a pessoa apanha ou morre. Ela ocorre também nas escolas, nas
famílias, nas religiões. O agravante não abrangeria essas situações." Por
isso, Quaresma defende a aprovação do Projeto de Lei (PL) 122, que
criminaliza a homofobia e está em tramitação no Congresso.
A defensora pública Vanessa também defende
a aprovação do projeto. “O PL 122, que está em andamento, prevê que os crimes
praticados por orientação sexual tenham pena mais rigorosa. Acredito que a lei
[quando aprovada] possa contribuir para mostrar à sociedade que essas condutas
não podem ser toleradas.”
Existem vários canais disponíveis para
denúncias de violência homofóbica, que podem ser feitas pessoalmente, em órgãos
estaduais, como a Defensoria Pública e a Secretaria de Justiça, no caso de São
Paulo, ou pelo Disque 100. Heloísa lembra, porém, que, para fazer a denúncia, é
preciso buscar testemunhas e fazer um boletim de ocorrência. “Isso é importante
mesmo em casos de agressão verbal ou xingamentos. Hoje é possível fazer o
boletim de ocorrência [em caso de agressão verbal] pela internet. O mesmo
boletim de ocorrência eletrônico feito em São Paulo para perda de documentos ou
furtos, hoje é possível também para casos de injúria, calúnia e difamação.”
Agência Brasil
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