Rui Martins,
Não há dúvida, houve um golpe contra
o governo petista e o STF assumiu o poder. O momento é de ditadura do
Judiciário sobre o Executivo e Legislativo.
A mais recente tentativa de golpe
pelo STF foi no julgamento do italiano Cesare Battisti, ameaçado de extradição
a pedido do governo Berlusconi. Num artigo publicado na época, alertei quanto à
tentativa de golpe pelo STF (clique aqui). O objetivo do Supremo, presidido então por Gilmar Mendes, era o de
retirar do presidente Lula o direito, que lhe era garantido pela Constituição,
de decidir se Battisti seria ou não enviado ao governo italiano.
Antes disso houve, e o ex-ministro
da Justiça Tarso Genro, denunciou diversas vezes, a inconstitucionalidade da
decisão tomada pelo STF, ultrapassando seus poderes, de ignorar a decisão do
ministro da Justiça negando expatriar Cesare Battisti. Gilmar Mendes e Peluso
fizeram de tudo para expatriar Battisti, julgando-se mais competentes na
matéria que o Ministério da Justiça e, atingido esse objetivo, queriam se
sobrepor ao direito do presidente Lula dar a última palavra. Essa tentativa de
somar mais poder e desmoralizar o presidente se frustrou e Lula deu acolha ao
italiano, que tinha passado mais de dois anos ilegalmente preso.
Porém ficou evidente – o STF era
incompetente na questão Battisti, seu longo julgamento deve ser considerado
nulo e desnecessário, pois a questão já havia sido resolvida pelo ministro da
Justiça. Em todo caso, desrespeitando o princípio constitucional da equiparação
dos Poderes, o STF decidiu por maioria de um voto pela extradição de Battisti
sem dispor de provas, optando pela versão unilateral do governo italiano.
Não me lembro qual foi a posição do
ministro Joaquim Barbosa quanto a Battisti, mas me parece não ter votado por
estar em licença por doença.
O jurista Carlos Lungarzo, que
publica nos próximos dias um livro sobre o caso Battisti, demonstrou com base
em documentos europeus a inconsistência dos argumentos italianos contra
Battisti e a leviandade de ministros do STF em condenar sem provas o italiano à
extradição. Mas nessa primeira tentativa do STF se sobrepor ao Executivo, um
precedente foi criado – a última instância judiciária do país, em desrespeito
ao princípio básico de Direito, de que não pode haver pena sem prova de crime
ou delito, criou a perigosa jurisprudência de que se pode condenar sem provas
concludentes.
Tal procedimento lembra os do
Tribunal Especial na França ocupada e que consistia em dar a aparência de
julgamentos legais a condenações pré-decididas pelo governo de Vichy contra
personalidades francesas contrárias à Ocupação nazista. Uma constante é a de
que toda vez que o Judiciário se prestou a maquiar perseguições políticas como
julgamentos legais foi em obediência a ditaduras de direita ou de esquerda.
Ora, no Brasil, ocorre uma diferença
fundamental – a última instância do Judiciário assumiu autonomia própria e age
inclusive contra o governo, com o intuito de desmoralizá-lo e de assumir suas
prerrogativas e seu poder, para confiná-lo apenas na governança.
O exemplo mais recente de golpe
legal, é o do ocorrido no Paraguai, onde o Parlamento, interpretando à sua
maneira um texto da Constituição, decretou o impeachment do presidente eleito
pelo povo, derrubou-o e passou o poder ao vice-presidente. Ou seja, o
Legislativo, contanto com a complacência do Judiciário, deu o golpe no Executivo.
Agora no Brasil, a condenação do
principal articulador do governo petista, José Dirceu, visa diretamente o
governo e o PT, e é um recado claro do STF de que assume o poder, mesmo se seus
ministros-juízes não foram eleitos pelo povo. A partir de agora, todas as
questões importantes do governo poderão ser decididas pelo STF e não pela
presidenta Dilma e isso pode implicar até na privatização de estatais, como a
cobiçada Petrobras, como no impeachment de governadores, prefeitos e até numa
inelegibilidade do ex-presidente Lula.
Outro aspecto importante na
condenação de José Dirceu está na exigência de ser colocado em cela comum,
desobedecendo-se outro preceito legal, que beneficia com tratamento diferentes
todos os universitários e ao qual Dirceu teria direito como bacharel em
Direito.
Essa exceção reforça a suspeita de
não se tratar de um julgamento equitável, mas de um ajuste de contas, alguma
coisa parecida com vingança ou revanchismo de perdedores.
Por que tanto ódio contra José
Dirceu? Não pertenço ao PT e me sinto à vontade para comentar. Mesmo se muitos
petistas fundadores deixaram o partido por divergir das concessões feitas pelo
governo Lula, não se pode negar ter sido Dirceu o principal articulador da
eleição de Lula para a presidência. Além disso, foi um resistente contra a
ditadura militar. E, embora acusado sem provas mas por ilação como envolvido no
episódio do Mensalão, não se tratava de enriquecimento pessoal.
Se nos reportarmos ao ano 2005,
quando estourou o caso “mensalão”, fica evidente que o alvo daquela campanha
era o presidente Lula – o objetivo principal era o de se provocar um
impeachment e derrubar Lula. Eu fazia a correção das provas de meu livro sobre
Maluf (Dinheiro sujo da corrupção, Geração Editorial) e tive tempo de incluir
um capítulo sobre o que considerei como um escândalo de excessivas proporções.
Não se tratava de se justificar o ato de compra dos votos dos parlamentares,
mas de uma observação realista.
E eu citava, como costumo citar, o
exemplo suíço, país considerado dos mais honestos, onde existe uma versão legal
de um tipo de mensalão. Todo deputado ou senador eleito recebe imediatamente o
convite das grandes empresas suíças, desde bancos a laboratórios farmacêuticos,
para ser vice-presidente do conselho de administração. O objetivo é o de evitar
leis que prejudiquem tais bancos ou empresas e o de criar leis que os
beneficiem. Trata-se de um compra indireta dos votos dos parlamentares, que
poderia também ser considerada como lobby, mas que implica o pagamento de um
salário mensal ao parlamentar.
O então presidente do equivalente a
nossa Câmara Federal, Peter Hess, era em 2005, vice-presidente de 42 conselhos
de administração de empresas suíças, o que lhe garantia mais de US$400 mil
mensais. E isso sem qualquer escândalo.
A diferença é que, na Suíça, não é
um partido que compra o voto de parlamentares mais ou menos honestos, porém as
empresas privadas. O fato de na Suíça haver uma versão local de mensalão não
justifica essa prática, mas pode-lhe dar a verdadeira dimensão.
É evidente que, no Brasil, não se
condena o “mensalão” como prática desonesta, trata-se de um jogada política
para se desmoralizar os petistas, que acabou não surtindo efeito nas eleições
(por que diabo o STF escolheu a época das eleições para julgar o “mensalão”?),
mesmo porque dizem ter havido compra de votos na emenda constitucional que
permitiu a reeleição de FHC. Iria o STF julgar agora, sem provas, também o FHC?
Outro aspecto importante: estão condenando os chamados corruptores de
parlamentares, mas não punem os parlamentares corruptos?
E agora? O STF deixou de interpretar
as leis, de manter ou anular julgamento, para aplicar sentenças e mesmo
acusados não parlamentares não tiveram direito a julgamentos normais em
primeira e segunda instância. Deve-se aceitar a humilhação de José Dirceu e os
riscos que correrá em prisão comum, quando dentro de dois anos a Suíça
devolverá os milhões bloqueados de Maluf, por não ter havido condenação pelo
STF? Quando Pimenta Neves vive tranquilo em prisão domiciliar depois de ter
matado a sangue frio a jornalista Sandra Gomide?
Em termos de recursos, as
possibilidades de se adiar a execução da pena de José Dirceu são mínimas. Que
tribunal acima do STF poderá arguir da condenação sem prova formal? E da
inconstitucionalidade do Judiciário ultrapassando sua competência? Só um
Conselho Constitucional, caso exista como na França, onde leis e sentenças ou
decisões judiciárias podem ser anuladas em caso de inconstitucionalidade.
Ou será que José Dirceu é culpado
por ter contribuído à diminuição da desigualdade social no Brasil, à ascensão
dos negros às escolas e universidades, à projeção do Brasil como sexta potência
mundial? Ou de ter articulado a eleição à presidência de um operário quebrando
a hegemonia das elites brasileiras?
Talvez o Brasil ainda não se tenha
curado dos repetitivos golpes e tentativas de golpe, constantes na história da
República. Getulio se matou porque havia movimento de tropas para derrubá-lo;
Café Filho e Carlos Luz queriam invalidar a eleição de Juscelino e Jango;
depois da renúncia de Jânio, Jango só assumiu com a criação do parlamentarismo,
um golpe indireto para anular seu poder presidencial; mesmo assim, foi
derrubado pelos militares para não concretizar as reformas de base; depois da
ditadura militar corremos agora o risco de uma ditadura light ou soft ditada
pelo STF?
Em todos esses episódios, os golpes
e tentativas visavam governos populistas ou reformistas interessados em dar
mais direitos aos trabalhadores ou excluídos e restringir os privilégios da
elite dominante.
Rui Martins - Berna *- Jornalista, Escritor, ex-CBN e ex-Estadão,
exilado Durante a ditadura, a Líder E emigrante,: Membro eleito DO conselho
Provisório E fazer Atual conselho de emigrantes (CRBE) Junto Itamaraty
AO. CRIOU OS Movimentos Brasileirinhos Apátridas e Estado dos Emigrantes,
vive los Berna, Suíça nd. Escreveu O Livro Dinheiro Sujo da Corrupção
sobre como Contas suíças secretas de Maluf.COLABORA COM Expresso o, de Lisboa,
Correio do Brasil e Agência BrPress.
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