Amigos do ex-ministro José Dirceu e
militantes do Partido dos Trabalhadores (PT) lançaram, nesta quarta-feira,
pelas redes sociais, um movimento contra a condenação do líder político a 10
anos e 10 meses de prisão, em regime fechado, no julgamento da Ação Penal 470,
conhecida como o processo do ‘mensalão petista’. Com as hashtags
(hiperlinks dentro da rede e indexáveis pelos mecanismos de busca) #SomosTodosMilitantes e
#SomosTodosZéDirceu, os manifestantes começaram a divulgar na internet
convocações para passeatas e atos públicos em todo o país. Companheira do
militante de esquerda, a relações públicas Evanise Santos foi a primeira a
afirmar que irá às ruas protestar contra a sentença do Supremo Tribunal
Federal.
– Pediram para esperarmos as
eleições, depois a dosimetria. Pronto, agora não falta nada e chegou a hora, eu
vou para a rua como militante porque não é justo o que estão fazendo com o Zé –
disse Eva, como é carinhosamente chamada por Dirceu, em conversa com
jornalistas.
Ela contou, ainda, que a pena de
mais de uma década de prisão era aguardada:
– Sabíamos que seria uma pena dura
como esta, porque veja o que estão fazendo com essa história de obrigar a
entregarem o passaporte. Sabem que o Zé não vai fugir, até porque já alertaram
até a Polícia Federal. Mas retiveram o documento só para espezinhá-lo –
pontuou.
A pena imputada a Dirceu significa o
cumprimento do mínimo de um ano e nove meses em regime fechado, em presídio
ainda não definido.
– Se tiver visita todos os dias,
pode ter certeza de que todos os dias eu estarei lá. Vou ficar ao lado do Zé
porque acredito na inocência dele – prometeu Evanise.
No campo jurídico, Dirceu também
iniciou uma intensa movimentação no sentido de mostrar aos ministros da Suprema
Corte que é inválido o argumento aplicado para a sua condenação, o do “domínio
do fato”, ou seja, que ele não teria como não saber do que se passava no PT à
época das ações realizadas pelo publicitário Marcos Valério. Os advogados de
defesa de Dirceu procuraram o jurista alemão Claus Roxin, um dos autores da
teoria usada pelo STF e pediram a ele um parecer jurídico sobre o caso.
Roxin já havia comentado, por meio
de um dos jornais que integram o matiz conservador da mídia brasileira, que
indícios de que um réu poderia, por sua posição hierárquica, decidir sobre a
realização de um crime não bastariam para condená-lo. Seria preciso provar que
ele emitiu ordens e, no caso de Dirceu, estas provas simplesmente inexistem,
como admitiu o próprio procurador-geral da República, Roberto Gurgel, em sua
peça acusatória. José Luis Oliveira Lima, advogado de Dirceu, está com viagem
planejada à Alemanha para um encontro com Roxin.
Solidariedade
Diante da pena aplicada, cientes de
que se trata de um empecilho praticamente intransponível à carreira política de
Dirceu, a solidariedade ao ex-guerrilheiro e fundador do PT foi imediata.
Dirceu estava no Rio de Janeiro, hospedado na casa do produtor Luiz Carlos
Barreto, quando soube da decisão tomada no STF. Ligaram para ele o ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva, o publicitário Duda Mendonça, que foi absolvido no
caso, e o ministro Gilberto Carvalho, secretário da presidenta Dilma Rousseff,
entre outros.
Um artigo, assinado pelo jornalista
Breno Altman, diretor do sítio Opera Mundi, e publicado na mídia
independente brasileira, no entanto, estranhou o silêncio até aquele momento
dos parlamentares e dirigentes do PT. Segundo Altman, “o ministro Joaquim
Barbosa (…) praticamente concluiu sua tarefa como relator, às vésperas de assumir
a presidência do STF, com um burlesco golpe de mão. Aparentemente para permitir
que Ayres Britto pudesse votar na dosimetria dos dirigentes petistas, subverteu
a ordem do dia e antecipou decisão sobre José Dirceu, José Genoíno e Delúbio
Soares. Apenas a voz de Ricardo Lewandovski se fez ouvir, em protesto à enésima
manobra de um julgamento marcado por arbitrariedades e atropelos”.
Altman acrescenta que “talvez em
nenhum outro momento de nossa história, ao menos em períodos democráticos, o
país se viu enredado em tamanha fraude jurídica. Do começo ao fim do processo,
o que se viu foi uma sucessão de atos que violaram direitos constitucionais e a
própria jurisprudência do tribunal. A maioria dos ministros, por opção
ideológica ou mera covardia, rendeu-se à sentença prescrita pelo baronato
midiático desde que veio à tona o chamado ‘mensalão”.
“Os arroubos de Roberto Jefferson,
logo abraçados pela imprensa tradicional e parte do sistema judiciário,
serviram de pretexto para ofensiva contra o governo Lula, o Partido dos
Trabalhadores e a esquerda. José Dirceu e seus companheiros não foram julgados
por seus eventuais malfeitos, mas porque representam a geração histórica da
resistência à ditadura, da ascensão política dos pobres e da conquista do
governo pelo campo progressista”, acrescentou o jornalista.
Na análise do editor, “derrotadas
nas urnas, mas ainda mantendo sob seu controle os poderes fáticos da república,
as elites transitaram da disputa político-eleitoral para a criminalização do
projeto liderado pelos petistas. Com a mesma desfaçatez de quando procuravam os
quartéis, dessa vez recorreram às cortes. Agora, como antes, articuladas por um
enorme aparato de comunicação cujo monopólio é exercido por umas poucas
famílias”.
“O STF, nessas circunstâncias, resolveu
trilhar o caminho de suas piores tradições. Seus integrantes, majoritariamente,
alinharam-se aos exemplos fornecidos pela extradição de Olga Benário para a
Alemanha nazista, pela cassação do registro comunista em 1945 e pelo
reconhecimento do golpe militar de 1964. Como nesses outros casos, rasgaram a
Constituição para servir ao ódio de classe contra forças que, mesmo
timidamente, ameaçam o jugo secular das oligarquias pátrias”, escreveu.
Segundo Altman, “garantias
internacionais, como a possibilidade do duplo grau de jurisdição, foram
desconsideradas desde o primeiro instante. Provas e testemunhos a favor dos
réus terminaram desprezados em abundância e sem pudor, enquanto simples
indícios ou ilações eram tratados como inapeláveis elementos comprobatórios.
Uma teoria presidiu o julgamento, a do domínio funcional dos fatos, aplicada ao
gosto do objetivo inquisitorial. Através dessa doutrina, réus poderiam ser
condenados pelo papel que exerciam, sem que estivesse cabalmente demonstrados
ação ou mando”.
“Enganam-se aqueles que apostam em
qualificar este processo como um problema de militantes petistas, quem sabe,
injustamente condenados. José Dirceu e seus pares não foram sentenciados como
indivíduos, mas porque expressavam a fórmula para colocar o PT e o presidente
Lula no banco dos réus. Os discursos dos ministros Marco Aurélio de Mello,
Ayres Britto e Celso de Melo não deixam dúvida disso. Não hesitaram em pisar na
própria Constituição para cumprir seu objetivo”, pontuou.
O artigo também repara que “as forças
conservadoras fizeram, dessa ação penal, plataforma estratégica para desgastar
a autoridade do PT, fortalecer o poder judiciário perante as instituições
conformadas pela soberania popular e relegitimar a função da velha mídia como
procuradora moral da nação. O silêncio diante desta agressão facilitaria as
intenções de seus operadores, que se movimentam para manter sob sua hegemonia
casamatas fundamentais do Estado e da sociedade. Reagir à decisão da corte
suprema, porém, não é apenas ou principalmente questão de solidariedade a réus
apenados de maneira injusta. A capacidade e a disposição de enfrentar essa
pantomima jurídica poderão ser essenciais para o PT e a esquerda avançarem em
seu projeto histórico”, concluiu Altman, sobre a condenação a José Dirceu.
Via Correio do Brasil
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