Fernando
Diniz | Direto de Brasília
O
Ministério Público Federal (MPF) não conseguiu provar as imputações contra o
ex-ministro da Casa Civil José Dirceu e a compra de votos de parlamentares no
Congresso Nacional, afirmou nesta quinta-feira o ministro Ricardo Lewandowski
ao votar pela absolvição do acusado de liderar o esquema criminoso de compra de
apoio parlamentar durante o primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva. O
revisor do processo do mensalão disse não ter encontrado
"nada nos autos" contra Dirceu, entendendo que as imputações contra o
réu "são muito mais políticas do que estritamente jurídicas".
Para
minimizar a tese da compra de votos, e consequentemente o envolvimento de
Dirceu no esquema, Lewandowski leu um estudo apresentado pelo deputado Odair
Cunha (PT-MG) no qual tenta negar a relação entre repasses feitos a parlamentares
da base aliada e votações na Câmara dos Deputados. "O estudo evidenciou
que, no período eleitoral, o governo manteve o índice de infidelidade maior com
os partidos da base", afirmou.
O
revisor leu uma série de depoimentos de parlamentares que negaram a compra de
votos durante o primeiro mandato do governo Lula. "Não estou dizendo que
não possa ter havido eventual compra de votos aqui ou acolá. Estou dizendo que
há provas para todos os gostos neste acervo probatório de quase 60 mil páginas",
disse Lewandowski, que considerou "frágeis" as provas do ponto
central da denúncia. Segundo ele, a prova de pagamentos a parlamentares é
encampada apenas pelo "inimigo declarado" de Dirceu, o presidente do
PTB, Roberto Jefferson, não sendo sustentada por nenhuma outra testemunha.
O
voto de Lewandowski provocou questionamentos de colegas. O ministro Gilmar
Mendes perguntou se não há haveria contradição na posição do revisor, que
condenou réus por corrupção passiva, ou seja, pelo recebimento de
vantagem indevida. "Eu disse que estava seguindo a orientação do Plenário
no sentido de dizer que basta a oferta ou receptação da vantagem indevida para
que fique configurada a corrupção passiva", respondeu Lewandowski.
Gilmar
Mendes então afirmou que o Plenário viu o ato de ofício: o apoio político dos
réus que receberam o dinheiro. "Não há nenhuma contradição no meu voto. Só
que eu não identifico o ato de ofício, porque não acho que haja
necessidade", disse. Em uma das divagações, Lewandowski desqualificou a
denúncia, que só tenta provar a compra de parlamentares na Câmara na tentativa
de aprovar as reformas da Previdência e a Tributária. ¿Compra-se a Câmara e não
se compra o Senado?¿, questionou.
Responsabilidade
Lewandowski centralizou a responsabilidade dos repasses financeiros a parlamentares na figura do ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares, o qual condenou ontem por corrupção ativa, chamando-o de "onipresente" no processo. Para o ministro, o tesoureiro coordenava sozinho as finanças do partido, não tendo sido provado o envolvimento do ex-presidente do partido José Genoino, o qual ele absolveu ontem, e o ex-ministro José Dirceu.
Lewandowski centralizou a responsabilidade dos repasses financeiros a parlamentares na figura do ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares, o qual condenou ontem por corrupção ativa, chamando-o de "onipresente" no processo. Para o ministro, o tesoureiro coordenava sozinho as finanças do partido, não tendo sido provado o envolvimento do ex-presidente do partido José Genoino, o qual ele absolveu ontem, e o ex-ministro José Dirceu.
"Ficou
constatado que José Dirceu afastou-se do PT ao assumir o cargo de ministro
chefe da Casa Civil, não sendo responsável pelos atos do partido", disse o
revisor. "O MPF não logrou produzir provas sobre a relação entre Dirceu e
Delúbio, o qual agia com total independência no que toca as finanças do
partido", acrescentou.
"Eu
tenho que julgar o que está nos autos", repetiu diversas vezes durante seu
voto, no qual classificou a acusação contra Dirceu de uma "atecnia"
gritante. "Supor-se que ele estivesse manejando os cordéis de um teatro de
fantoche é uma possibilidade, mas não é uma realidade processual",
sustentou.
O
Ministério Público também não provou a relação de Marcos Valério, apontado
como operador do mensalão, e o ex-ministro da Casa Civil, disse Lewandowski,
que tentou desqualificar o depoimento do presidente licenciado do PTB, Roberto
Jefferson. O ex-deputado, já condenado pelo Supremo, relacionou o petista à
viagem de Marcos Valério, o ex-secretário do PTB Emerson Palmieri e
Rogério Tolentino a Portugal. O réu afirmou, em juízo, que Dirceu pediu a
indicação de alguém do PTB para ir a Portugal tratar de interesses entre o
partido e o PT.
"Esse
réu (Roberto Jefferson) é o inimigo figadal de José Dirceu e tentou
incrimina-lo e traze-lo para o bojo dos fatos", disse Lewandowski quando
interrompido pelo presidente do STF, Carlos Ayres Britto, que leu parte do
depoimento do petebista, ressaltando que o acusado não voltou atrás no seu
depoimento. Para o revisor, a viagem Portugal destinou-se, exclusivamente, a
discutir a venda da Telemig a Portugal Telecom.
As
reuniões entre José Dirceu, Marcos Valério e a cúpula do Banco Rural não são
indicativo de que o ex-ministro teve participação nos empréstimos fraudulentos
que irrigaram o esquema, afirmou Lewandowski. Os encontros receberam destaque
no voto do relator, Joaquim Barbosa, que votou pela condenação de Dirceu.
"Ele compareceu a este encontro, mas (o executivo do Rural ouvido no
processo) Plauto Gouvêa asseverou que os aludidos empréstimos não foram
discutidos com José Dirceu", disse.
O
revisor desqualificou outra prova apresentada no voto de Barbosa, a venda de um
apartamento de Maria Ângela Saragoça, ex-mulher de Dirceu, com ajuda de Rogério
Tolentino, advogado de Marcos Valério. "Ficou comprovada que Maria Ângela
era amiga do ex-secretário do PT Silvio Pereira, e foi através dele que
conseguiu contato com Marcos Valério", disse.
Domínio do fato
No
fim de seu voto, Lewandowski afirmou que não cabe a aplicação da teoria do
domínio do fato para condenar José Dirceu. Pela tese, o ex-ministro da Casa
Civil tinha o completo domínio de sua função, de chefe da Casa Civil, e poderia
ser condenado mesmo sem provas diretas de sua participação na compra de apoio
parlamentar.
Lewandowski
afirmou que a teoria do domínio do fato foi criada para punir os chefes dos
soldados que matavam alemães que tentavam pular o Muro de Berlim. "Não
estamos em guerra, felizmente, não estamos em situação de convulsão intestinal,
como diriam os textos jurídicos antigos, para identificar revoluções,
rebeliões", defendeu.
O
mensalão do PT
Em
2007, o STF aceitou denúncia contra os 40 suspeitos de envolvimento no suposto
esquema denunciado em 2005 pelo então deputado federal Roberto Jefferson (PTB)
e que ficou conhecido como mensalão. Segundo ele, parlamentares da base aliada
recebiam pagamentos periódicos para votar de acordo com os interesses do
governo Luiz Inácio Lula da Silva. Após o escândalo, o deputado federal José
Dirceu deixou o cargo de chefe da Casa Civil e retornou à Câmara. Acabou sendo
cassado pelos colegas e perdeu o direito de concorrer a cargos públicos até
2015.
No
relatório da denúncia, a Procuradoria-Geral da República apontou como
operadores do núcleo central do esquema José Dirceu, o ex-deputado e
ex-presidente do PT José Genoino, o ex-tesoureiro do partido Delúbio
Soares, e o ex- secretário-geral Silvio Pereira. Todos foram denunciados por
formação de quadrilha. Dirceu, Genoino e Delúbio respondem ainda por corrupção
ativa.
Em
2008, Sílvio Pereira assinou acordo com a Procuradoria-Geral da República para
não ser mais processado no inquérito sobre o caso. Com isso, ele teria que
fazer 750 horas de serviço comunitário em até três anos e deixou de ser um dos
40 réus. José Janene, ex-deputado do PP, morreu em 2010 e também deixou de
figurar na denúncia.
O
relator apontou também que o núcleo publicitário-financeiro do suposto esquema
era composto pelo empresário Marcos Valério e seus sócios (Ramon Cardoso,
Cristiano Paz e Rogério Tolentino), além das funcionárias da agência SMP&B
Simone Vasconcelos e Geiza Dias. Eles respondem por pelo menos três crimes:
formação de quadrilha, corrupção ativa e lavagem de dinheiro.
A
então presidente do Banco Rural Kátia Rabello e os diretores José Roberto
Salgado, Vinícius Samarane e Ayanna Tenório foram denunciados por formação de
quadrilha, gestão fraudulenta e lavagem de dinheiro. O publicitário Duda
Mendonça e sua sócia, Zilmar Fernandes, respondem a ações penais por lavagem de
dinheiro e evasão de divisas. O ex-ministro da Secretaria de Comunicação
(Secom) Luiz Gushiken é processado por peculato. O ex-diretor de Marketing do
Banco do Brasil Henrique Pizzolato foi denunciado por peculato, corrupção
passiva e lavagem de dinheiro.
O
ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha (PT-SP) responde a processo
por peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A denúncia inclui ainda
parlamentares do PP, PR (ex-PL), PTB e PMDB. Entre eles o
próprio delator, Roberto Jefferson.
Em
julho de 2011, a Procuradoria-Geral da República, nas alegações finais do
processo, pediu que o STF condenasse 36 dos 38 réus restantes. Ficaram de fora
o ex-ministro da Comunicação Social Luiz Gushiken e do irmão do ex-tesoureiro
do Partido Liberal (PL) Jacinto Lamas, Antônio Lamas, ambos por falta de
provas.
A
ação penal começou a ser julgada em 2 de agosto de 2012. A primeira decisão
tomada pelos ministros foi anular o processo contra o ex-empresário
argentino Carlos Alberto Quaglia, acusado de utilizar a corretora Natimar para
lavar dinheiro do mensalão. Durante três anos, o Supremo notificou os advogados errados
de Quaglia e, por isso, o defensor público que representou o réu pediu a
nulidade por cerceamento de defesa. Agora, ele vai responder na Justiça Federal
de Santa Catarina, Estado onde mora. Assim, restaram 37 réus no processo.
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Dag Vulpi