terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Bobbio, justiça e liberdade

Nascido em Turim, no dia 18 de outubro de 1909, filho de uma família burguesa do norte da Itália, Norberto Bobbio praticamente viveu o século XX por inteiro, vindo a falecer na mesma cidade aos 94 anos, no dia 9 de janeiro de 2004. Ele tornou-se, nos últimos anos, o pensador político italiano mais famoso do mundo e, bem ao contrário de Nicolau Maquiavel, seu conterrâneo que viveu no Renascimento, tornou-se um diligente ativista dos direitos individuais e não um apologista dos poderes do estado. Bobbio, emérito professor de Direito e Política em Turim, um filósofo da democracia, foi um insuperável combatente a favor dos direitos humanos.

Norberto Bobbio (1909-2004)

No partido da ação


"Cultura é equilíbrio intelectual, reflexão crítica, senso de discernimento, aborrecimento frente a qualquer simplificação, a qualquer maniqueísmo, a qualquer parcialidade". 

N. Bobbio, em carta a G.Einaudi, julho de 1968

Numa Itália dilacerada desde a queda de Mussolini, ocorrida em 25 de julho  de 1943, assistindo as forças alemãs do marechal Kesselring e as anglo-americanas do marechal Alexander a travarem batalhas de vida e morte, é que renasceu o pequeno Partito d´Azione, o partido da ação. No século XIX, no chamado Ressurgimento, época das lutas pela unificação nacional, ele fora o instrumento dos patriotas G.Mazzini e de Garibaldi. Voltara à vida liderado por Guido Calogero e por Aldo Capitini, congregando basicamente um
grupo de intelectuais preocupados em recuperar a liberdade italiana. E, entre eles, estava Norberto Bobbio, então um conhecido professor de filosofia política de 34 anos.

Como estavam numa área ainda sob controle fascista, a maioria deles foi presa, sendo que Bobbio, encarcerado na Scali di Verona, só foi libertado três meses depois, em fevereiro de 1944. Era uma agremiação estranha aquela, pois se dizia liberal-socialista, uma composição somente possível na Itália.

Pois foi justamente assim, como liberal-socialista que Norberto Bobbio se projetou internacionalmente como um nome ligado à teoria política. Apesar do partido dele ter-se esfumaçado na guerra fria, quando o país se dividiu entre a democracia-cristã e os comunistas, Bobbio, dedicando-se ao jornalismo no periódico turinês “Giustizia e Libertà”, cresceu em fama levando pedradas dos dois lados.

Os três cardeais
Croce e Gramsci

No século XX, a Itália conhecera três cardeais seculares. Famosos homens de letras e pensamento ao redor dos quais se deram os enfrentamentos ideológicos e culturais. Um deles era o filósofo Giovanni Gentile (1875-1944), que seguiu o fascismo até o fim; outro fora o notável crítico e historiador Benedetto Croce (1866-1952), senador vitalício e personagem maior do liberalismo italiano; o derradeiro deles era o pensador marxista Antônio Gramsci (1891-1937), líder do partido  comunista, morto na cadeia. Bobbio, ao colocar-se ao lado da Resistência antifascista, rejeitando Gentile, de certo modo tentou realizar a síntese entre os outros dois: Croce e Gramsci.

Quer dizer, aproximar a tradição liberal da defesa dos direitos (de liberdade, de palavra, de imprensa. etc...), aos propósitos sociais dos marxistas (proteção ao trabalho, direitos previdenciários, organização sindical, etc...). Dedicou-se a difícil arte de conciliar a Liberdade com a Igualdade.

Íntimo dos clássico, seus interlocutores foram Hobbes, Locke, Beccaria, Kant, Hegel, Marx, Weber e Kelsen, a quem ele releu criativamente, tentando extrair-lhes denominadores comuns para sua tese de afirmação plena na democracia como o melhor sistema político a ser alcançado. Por igual foi herdeiro da bela tradição do iluminismo italiano, dos juristas Beccaria e Verri que, no século XVIII, dedicaram-se a lutar pelo fim das torturas e dos suplícios aplicados nos suspeitos e nos condenados em geral.

O pedagogo da esquerda
O alvo de Bobbio foi preferencialmente a esquerda italiana (especialmente o então poderoso PCI de Palmiro Togliatti e Enrico Berlinger e, em seguida, os jovens rebeldes de 1968 que formaram as Brigadas Vermelhas), a quem pedagogicamente tratou de doutrinar, convencendo-os de que a democracia era algo definitivo e não um momento tático preparatório para a revolução comunista do futuro. Avançado era defender os direitos humanos – entendido por ele como “a religião dos cidadãos universais -, que ele assegurava irreversíveis e progressivos.

Apesar de entendê-la falha e insatisfatória, eivada de promessas não realizadas, a democracia era o sistema mais progressista que uma sociedade civilizada podia almejar Louvou-lhe a tolerância, o principio da não-violência, a possibilidade de renovar-se e o seu ideal de fraternidade, herdado da Revolução Francesa de 1789. Chegou-se à democracia, insistiu ele, porque o passado histórico revelara-se um “imenso matadouro”, dominado por guerras religiosas e por perseguições políticas de toda ordem (O futuro da democracia, 1984).

Como um cidadão europeu escaldado pela violência ideológica que varrera a sua época, marcada por duas guerras mundiais, ele entendeu-a, a democracia, como um oásis de paz capaz de dar água a todos os que, de boa vontade, nela fossem saciar-se. Ao fim da vida, senador vitalício da república italiana, na trilha dos antigos romanos como Cícero e Sêneca, ele por igual deixou suas impressões gerais registradas, publicando De Senectude quando atingira 87 anos. Um comovente testemunho e lição de um dos grandes sábios do século que deixou o mundo no dia 9 de janeiro de 2004.

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História - Cultura e Pensamento

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