Nascido em Turim, no dia 18 de
outubro de 1909, filho de uma família burguesa do norte da Itália, Norberto
Bobbio praticamente viveu o século XX por inteiro, vindo a falecer na mesma
cidade aos 94 anos, no dia 9 de janeiro de 2004. Ele tornou-se, nos últimos
anos, o pensador político italiano mais famoso do mundo e, bem ao contrário de
Nicolau Maquiavel, seu conterrâneo que viveu no Renascimento, tornou-se um
diligente ativista dos direitos individuais e não um apologista dos poderes do
estado. Bobbio, emérito professor de Direito e Política em Turim, um filósofo
da democracia, foi um insuperável combatente a favor dos direitos humanos.
Norberto Bobbio (1909-2004)
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No
partido da ação
"Cultura é equilíbrio intelectual, reflexão crítica, senso de
discernimento, aborrecimento frente a qualquer simplificação, a qualquer
maniqueísmo, a qualquer parcialidade".
N. Bobbio, em carta a
G.Einaudi, julho de 1968
Numa Itália dilacerada desde a queda
de Mussolini, ocorrida em 25 de julho de 1943, assistindo as forças
alemãs do marechal Kesselring e as anglo-americanas do marechal Alexander a
travarem batalhas de vida e morte, é que renasceu o pequeno Partito
d´Azione, o partido da ação. No século XIX, no chamado Ressurgimento, época das
lutas pela unificação nacional, ele fora o instrumento dos patriotas G.Mazzini
e de Garibaldi. Voltara à vida liderado por Guido Calogero e por Aldo Capitini,
congregando basicamente um
grupo de intelectuais preocupados em recuperar a liberdade italiana. E, entre eles, estava Norberto Bobbio, então um conhecido professor de filosofia política de 34 anos.
grupo de intelectuais preocupados em recuperar a liberdade italiana. E, entre eles, estava Norberto Bobbio, então um conhecido professor de filosofia política de 34 anos.
Como estavam numa área ainda sob
controle fascista, a maioria deles foi presa, sendo que Bobbio, encarcerado na
Scali di Verona, só foi libertado três meses depois, em fevereiro de 1944. Era
uma agremiação estranha aquela, pois se dizia liberal-socialista, uma
composição somente possível na Itália.
Pois foi justamente assim, como
liberal-socialista que Norberto Bobbio se projetou internacionalmente como um
nome ligado à teoria política. Apesar do partido dele ter-se esfumaçado na
guerra fria, quando o país se dividiu entre a democracia-cristã e os
comunistas, Bobbio, dedicando-se ao jornalismo no periódico turinês “Giustizia
e Libertà”, cresceu em fama levando pedradas dos dois lados.
Os três cardeais
Croce e Gramsci |
No século XX, a Itália conhecera
três cardeais seculares. Famosos homens de letras e pensamento ao redor dos
quais se deram os enfrentamentos ideológicos e culturais. Um deles era o
filósofo Giovanni Gentile (1875-1944), que seguiu o fascismo até o fim; outro
fora o notável crítico e historiador Benedetto Croce (1866-1952), senador
vitalício e personagem maior do liberalismo italiano; o derradeiro deles era o
pensador marxista Antônio Gramsci (1891-1937), líder do partido
comunista, morto na cadeia. Bobbio, ao colocar-se ao lado da Resistência
antifascista, rejeitando Gentile, de certo modo tentou realizar a síntese entre
os outros dois: Croce e Gramsci.
Quer dizer, aproximar a tradição
liberal da defesa dos direitos (de liberdade, de palavra, de imprensa. etc...),
aos propósitos sociais dos marxistas (proteção ao trabalho, direitos
previdenciários, organização sindical, etc...). Dedicou-se a difícil arte de
conciliar a Liberdade com a Igualdade.
Íntimo dos clássico, seus
interlocutores foram Hobbes, Locke, Beccaria, Kant, Hegel, Marx, Weber e
Kelsen, a quem ele releu criativamente, tentando extrair-lhes denominadores comuns
para sua tese de afirmação plena na democracia como o melhor sistema político a
ser alcançado. Por igual foi herdeiro da bela tradição do iluminismo italiano,
dos juristas Beccaria e Verri que, no século XVIII, dedicaram-se a lutar pelo
fim das torturas e dos suplícios aplicados nos suspeitos e nos condenados em
geral.
O
pedagogo da esquerda
O
alvo de Bobbio foi preferencialmente a esquerda italiana (especialmente o então
poderoso PCI de Palmiro Togliatti e Enrico Berlinger e, em seguida, os jovens
rebeldes de 1968 que formaram as Brigadas Vermelhas), a quem pedagogicamente
tratou de doutrinar, convencendo-os de que a democracia era algo definitivo e
não um momento tático preparatório para a revolução comunista do futuro.
Avançado era defender os direitos humanos – entendido por ele como “a religião
dos cidadãos universais -, que ele assegurava irreversíveis e progressivos.
Apesar
de entendê-la falha e insatisfatória, eivada de promessas não realizadas, a
democracia era o sistema mais progressista que uma sociedade civilizada podia
almejar Louvou-lhe a tolerância, o principio da não-violência, a possibilidade
de renovar-se e o seu ideal de fraternidade, herdado da Revolução Francesa de
1789. Chegou-se à democracia, insistiu ele, porque o passado histórico
revelara-se um “imenso matadouro”, dominado por guerras religiosas e por
perseguições políticas de toda ordem (O futuro da democracia, 1984).
Como
um cidadão europeu escaldado pela violência ideológica que varrera a sua época,
marcada por duas guerras mundiais, ele entendeu-a, a democracia, como um oásis
de paz capaz de dar água a todos os que, de boa vontade, nela fossem saciar-se.
Ao fim da vida, senador vitalício da república italiana, na trilha dos antigos
romanos como Cícero e Sêneca, ele por igual deixou suas impressões gerais
registradas, publicando De Senectude quando atingira 87 anos. Um
comovente testemunho e lição de um dos grandes sábios do século que deixou o
mundo no dia 9 de janeiro de 2004.
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