Uma terceira
via?
Os dois modelos econômico mais
conhecidos (Liberalismo e neoliberalismo de um lado; Socialismo e
comunismo do outro) compreendem aquilo que poderíamos chamar de uma polaridade
direita-esquerda. A dinâmica desta polaridade na contemporaneidade tem levado
vários autores a procurar resolver os impasses criados entre elas. Diante de
uma possível falência dos modelos socialistas/comunistas e dos avanços do mundo
globalizado onde o capital exerce um papel preponderante, é possível pensar um
projeto político, para além dessa polaridade e que seja viável e alternativo?
Uma terceira via ou um modelo que inclua em seu arcabouço teórico e prático
Estado e mercado?
Neste texto
vamos abordar alguns aspectos do chamado keynesianismo e dar ênfase ao
pensamento de Anthony Giddens, respeitado acadêmico que exerceu uma grande
influência no Partido Trabalhista Britânico e que escreveu uma obra intitulada Para
além da esquerda e da direita, onde o mesmo afirma que estas duas forças
políticas estão ultrapassadas e propõe o que ele chama de “terceira via”, que
seria um caminho intermediário entre o neoliberalismo (direita) e o socialismo
(esquerda).
Pelo que sabemos vale a pena
ressaltar alguns pontos importantes que estão na confluência dessa polaridade.
Desde o século XIX, a esquerda pode ser identificada pelo valor da igualdade: a
desigualdade social é inadmissível e tem na propriedade privada sua origem. O
papel do Estado era tornar iguais as condições de vida. A experiência
proporcionada pelo Capitalismo era a de uma produção abundante
acompanhada de miséria, desemprego e concentração do capital. Por outro lado,
as experiências socialistas (soviética, alemã, chinesa) revelaram as limitações
do projeto de “domesticação” do mercado por parte do Estado, principalmente nas
condições presentes do mundo globalizado. Em outras palavras, a postulação do
Estado como agente econômico exclusivo se revelaram incipientes.
Diante de tais experiências, é
possível atingir, na sociedade civil, consensos quanto aos limites desejáveis
da atuação do Estado e do mercado? Para os autores que falam do fracasso das
experiências do Socialismo, qualquer forma de esquerda não poderá
prescindir de alguma forma de mercado. Para os autores que criticam qualquer
tipo de concentração de capital cada vez mais excludente, o mercado não pode
agir sem algum tipo de controle e, quando for o caso, intervenção por parte do
Estado.
Para aqueles que defendem a necessidade
de se buscar uma alternativa em relação a estes dois principais modelos, os
argumentos utilizados são vários dos quais destacamos aqui apenas dois: a) o
colapso do comunismo promoveu mudanças significativas no cenário
político-ideológico atingindo principalmente a visão de mundo socialista: “O
socialismo revolucionário, em especial aquele de estilo soviético,
marxista-leninista, revelou-se uma força esgotada, devido tanto aos fracassos
econômicos da planificação centralizada quanto à associação do sistema ao
autoritarismo estatal” (HEYWOOD, 2010, p. 32); b) se nós aceitarmos, como o
fazem os teóricos da Escola de Frankfurt, que existe hoje em dia um
Capitalismo de Estado (capitalismo administrado na expressão utilizada por
Horkheimer e Adorno na Dialética do Esclarecimento) e que a economia
privada só pode ser mantida por corretivos estatais de uma política
socioeconômica que dinamize as relações econômicas, então a ideologia liberal
ou neoliberal não se sustenta sozinha e precisa, de alguma forma, da
intervenção do Estado para a manutenção de tais relações.
É para superar as deficiências
desses dois modelos que John Maynard Keynes de um lado, e Anthony
Giddens de outro propõe pensar um novo modelo de organização política e
econômica.
De acordo com Keynes, “em ‘Liberalismo e
trabalhismo’: ‘O problema político da humanidade consiste em combinar três
coisas: eficiência econômica, justiça social e liberdade individual’ (KEYNES,
1972, p. 309 apud FONSECA, 2010, p. 442)”. De um lado o liberalismo
está mais propenso a defender a primeira e a última não raro com sacrifício da
segunda, ao passo que o socialismo procura dar ênfase exatamente a questão da
igualdade e justiça social. O desafio é buscar uma alternativa capaz de
conciliar estes três fatores, de modo que a política econômica possa buscar não
apenas a estabilidade, mas também a justiça social. Keynes afirma “[...]
inúmeras vezes a necessidade de buscar o novo. A polaridade capitalismo versus socialismo
afigura-se-lhe pobre e maniqueísta; fazia-se mister construir uma nova alternativa”
(FONSECA, 2010, p. 442). A leitura da obra de Keynes evidencia pelo menos duas
questões centrais: a crítica ao modelo liberal e descrença na política do
“laissez-faire” e sua reflexão teórica e defesa de uma política de intervenção
do Estado. “De forma explícita ou não, adotava o pressuposto de buscar uma sociedade
com menos disparidades sociais e mais humana, mas sem abrir mão da liberdade,
dos direitos civis e políticos, da propriedade e do reconhecimento pelo esforço
e pelo mérito” (FONSECA, 2010, p. 443). O capitalismo selvagem era tão
repugnantes para Keynes quanto o stalinismo soviético.
Já Anthony Giddens propõe o que ele chama
de terceira via e que iremos analisar com maiores detalhes a seguir.
A Era Giddens
Anthony
Giddens retoma a reflexão de Bobbio, mas, socialdemocrata, discorda
no movimento pendular do centro, apontando para uma ‘terceira via’: nem a
regulamentação econômica com anarquia moral – como quer a esquerda; nem a
anarquia econômica com fortes controles morais – como deseja a direita.
Com a proposta
de uma Política de Terceira Via (2001a, 2001b), Giddens elabora uma
resposta ao impasse entre a Social Democracia tradicional (o
keynisianismo e o estado do bem-estar social) e o neoliberalismo (ou o estado
mínimo e aberto às trocas externas) com a ampliação do papel desempenhado pela
Sociedade Civil. Nem a auto regulação selvagem dos mercados, nem o Estado
inoperante e falido; apenas democratização da Democracia pode mediar
o conflito entre os interesses econômicos e políticos. A política de terceira
via seria essa despolarização pragmática do modelo esquerda x direita, em que
planejamento e a liberdade se combinem criativamente. Este realinhamento
dos extremos desemboca na ideia de uma política sem inimigos. Para esquerda, os
maus são os Capitalistas, o mercado, as grandes corporações, os EUA, etc;
para direita, os maus são: o estado inchado, o relativismo cultural, os
imigrantes e os criminosos. “Mas não há uma fonte concentrada dos males do
mundo: temos que deixar para trás a política de redenção” (GIDDENS, 2001a,
p.45). E essa 'política sem inimigos', acima da direita e da esquerda, é também
um forte argumento eleitoral.
Muitos são os que minimizam a importância
das ideias de Giddens, mas a verdade é que ela é enorme tanto diretamente - no
Partido Trabalhista britânico, no Partido Democrata dos EUA e em todos os partidos
socialdemocratas ocidentais que seguem explicitamente sua orientação; como
indiretamente, através de imitadores inconfessos de diferentes tipos,
professando ‘novas políticas’ sem os velhos polos extremos opostos ideológicos.
Navegando entre a autonomia cosmopolita e
a dependência fundamentalista, entre o público e o privado, entre a Social
Democracia e o neoliberalismo (e entre outros opostos); a política de
terceira via ajudou a terceirizar o estado (diminuir seus custos sem prejuízo
do setor social), através de organizações não governamentais, políticas
público-privadas e redes de agentes temporários. Por outro lado, também
inspirou reformas previdenciárias e flexibilizações nas legislações
trabalhistas, sequestrando direitos de trabalhadores e aposentados em todo
mundo.
Giddens (2003) analisa dois grupos de
pensamento sobre Globalização o fenômeno: os ‘céticos e/ou
fundamentalistas’, que acham que a globalização não traz nada de novo: é apenas
o desenvolvimento imperialismo norte-americano; e os ‘radicais cosmopolitas’,
que acreditam que ela está mudando tudo, destacando a onda mundial de adaptação
econômica dos ‘países em desenvolvimento’ à dinâmica do mercado global, bem
como a influência cultural desses países em relação aos ‘países já
desenvolvidos’. A essa contra influência o autor denomina de ‘colonização
inversa’. Com a Globalização, as ações não são mais locais, mas têm
repercussões mundiais. Repercussões que, ao mesmo tempo em que mudam as
estruturas sociais, interferem na identidade do cidadão que se encontra no
cerne da luta entre dependência e autonomia, entre fundamentalismo territorial
e cosmopolitismo sem raízes.
Para Giddens a Globalização e
mais especificamente a globalização econômica constitui um dos mais importantes
dilemas postos pela contemporaneidade. Hoje em dia os mercados movimentam
bilhões de dólares em tempo real, diariamente, por todos os continentes à
procura de rendimento melhor e mais seguro. Outro dilema é o individualismo: na
perspectiva da esquerda o individualismo é associado ao egoísmo e consumismo;
na perspectiva da direita o individualismo espelha simplesmente a
permissividade que enfraquece as bases morais da sociedade. É preciso pensar ou
construir novas formas de solidariedade social que assuma como legítima a
demanda pela coexistência entre diferentes modos de vida. Ainda pra Giddens, na
nova configuração que a política contemporânea toma, a sociedade civil
organizada assume parcela significativa no espaço político. A sociedade civil
deve participar e colaborar com as políticas de Estado.
Portanto,
entre as características de uma terceira via que enfrente com sucesso o
individualismo do mundo globalizado está a participação ativa e constante dos
cidadãos que possam articular junto com o Estado uma política emancipatória que
busque a Justiça Social e que dê respostas às novas questões que
escapam a divisão entre esquerda e direita.
Porém, a principal deficiência da
política de terceira via é a incompreensão sobre o novo comportamento político
mediado e na transformação do cidadão moderno em um consumidor de informação.
Giddens até reconhece (2003) a importância dos meios de comunicação para o
funcionamento da Democracia, mas não compreende sua relação com o sistema
de representação e seu efeito no comportamento político.
Referências
Bibliográficas
FONSECA, Pedro Cezar
Dutra. Keynes: o
liberalismo econômico como mito. Economia e Sociedade,
Campinas, v. 19, n. 3 (40), p. 425-447, dez. 2010. Acessado em 26/10/2015.
KEYNES, J. M. Essays
in persuasion. London: Macmillan, 1972.
GIDDENS, Anthony. A
terceira via. Rio de Janeiro: Record, 2001a.
____. A
terceira via e seus críticos. Rio de Janeiro: Record, 2001b.
____. O Mundo
em descontrole – o que a globalização está fazendo de nós. Rio de Janeiro:
Record, 2003.
HEYWOOD, Andrew. Ideologias
Políticas: do liberalismo ao fascismo. São Paulo: Ática, 2010. Vol. I.
WEBER, Max. Ciência
e Política: duas vocações. São Paulo: Martin Claret, 2004.