Por José Fernandes P. Júnior
“Quando secam os oásis utópicos, estende-se um deserto de banalidade e perplexidade.”
“Quando secam os oásis utópicos, estende-se um deserto de banalidade e perplexidade.”
O pensamento
habermaseano faz coro com a crítica desferida à metafísica tradicional e tenta
“desconstruir o paradigma da modernidade iniciado por Descartes e Locke,
configurado na oposição racionalismo versus empirismo”. Em outras palavras, a
teoria proposta por Habermas tem como objetivo dar à razão um limite, pois o
endeusamento da racionalidade pode chegar a extremos irracionais. Veja-se o
caso dos totalitarismos , que, ao se apegarem a solipsismos inconsequentes,
geram projetos de poder contaminados de desvios. Este tipo de racionalidade é
rechaçada por Habermas por ser subjetivista e porque a própria razão não fez a
crítica a si própria.
Nesses termos,
o modelo de racionalidade expedido na modernidade por Descartes deve ser posto
à análise e à crítica. Desse modo, entendem Martins e Aranha que “o paradigma
da racionalidade moderna precisa ser contestado, mas não por meio do
irracionalismo e, sim, pela atividade crítica da razão mais completa e mais
rica, que dialoga e se exerce na intersubjetividade”. Assim, o modelo que
Habermas nos oferece é o do uso da razão comunicativa; não subjetivista, mas
dialogal.
Nessa
perspectiva, o viés que nos é apresentado é o da construção dialogal entre as
pessoas, que, por sustentabilidade dos argumentos expostos, chegam ao consenso.
Assim, a linguagem, a palavra, o discurso têm importância decisiva na tarefa de
se chegar ao consenso e, por conseguinte, à ética. Esta construção dar-se-á
pela "pluralidade de vozes" que argumentam em busca do consensual.
Notemos, aqui, a importância que a palavra tem no mundo da vida das pessoas e
na sociedade. Não era assim que os gregos – povo da palavra – tentavam sanar os
problemas da polis? Certamente.
Entretanto, há
que se ter cuidado diante das artimanhas sofísticas e falaciosas de que alguns
se valem para persuadir. Nenhum interesse particular deve sobrepor aos da
comunidade, pois, sendo o consenso construído por um pseudodiscurso, este revelará
sua inautenticidade diante dos interesses da maioria. a ética do indivíduo não
deverá estar acima do “todo” coletivo. Nesse sentido, o professor Olinto
Pegoraro nos diz que “Habermas, partindo de um ponto de vista universal, de um
lugar de observação e de julgamento pelo qual as contendas podem ser arbitradas
imparcialmente e por consenso, não quer construir uma ética da obrigação como
Kant, mas uma teoria ou instância de validação da norma existente feita por
‘nós’ e não por uma consciência solitária, solipsista e intimista”.
Esse modelo do
qual Habermas – juntamente com Karl-Otto Apel (1922) – se vale é pautado,
sobretudo, no diálogo. Este seria o aspecto de maior relevância na construção
de uma sociedade mais equânime e tolerante. Registre-se que, como mencionamos
acima, a ojeriza que nosso filósofo tem a qualquer ato de terror e intolerância
contra a humanidade. Talvez por isso tenha encontrado na linguagem, no diálogo,
o meio possibilitador da construção de uma sociedade mais solidária. Desse modo,
como afirma C. Helferich, “a forma básica de seu pensamento é, portanto,
reflexiva, ou seja, auto-referente [...]. Assim, o ponto de partida da reflexão
não é – como em Kant – o pensamento solitário do indivíduo, mas o discurso, a
argumentação em comum, sempre mediatizada pela linguagem”. No entanto,
argumentar exige compromisso. E o discurso não pode ser vazio de sentido, pois,
se assim for, não se sustentará e, consequentemente, será descartado pelos
outros.
Dessa forma,
não temos como fugir da argumentação. Todos nós precisamos de argumentos como
condição vital. O jornalista se utilizará deles para evidenciar a notícia; o
advogado, para defender seu cliente; o publicitário, para vender seu produto; o
professor, para fazer com que o aluno compreenda; o político, para convencer
que é o melhor candidato; o operário, para mostrar que merece aumento salarial
etc. Os exemplos são inumeráveis. O certo é que a todo instante estamos a fazer
discursos e buscando o consenso. Quando isso não ocorre, está aí a Justiça para
resolver os conflitos; e mesmo que isso ocorra, as situações litigiosas não
escaparão à esfera dos argumentos. “A situação da argumentação é, portanto,
inescapável. Argumentar significa fazer valer pretensões por meio de
argumentos; em outras palavras significa que aquele que argumenta, sempre se
comprometa”, diz-nos Helferich.
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