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segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Diálogo: ponte para uma sociedade mais solidária


Por José Fernandes P. Júnior
 
Quando secam os oásis utópicos, estende-se um deserto de banalidade e perplexidade.”

O pensamento habermaseano faz coro com a crítica desferida à metafísica tradicional e tenta “desconstruir o paradigma da modernidade iniciado por Descartes e Locke, configurado na oposição racionalismo versus empirismo”. Em outras palavras, a teoria proposta por Habermas tem como objetivo dar à razão um limite, pois o endeusamento da racionalidade pode chegar a extremos irracionais. Veja-se o caso dos totalitarismos , que, ao se apegarem a solipsismos inconsequentes, geram projetos de poder contaminados de desvios. Este tipo de racionalidade é rechaçada por Habermas por ser subjetivista e porque a própria razão não fez a crítica a si própria.

Nesses termos, o modelo de racionalidade expedido na modernidade por Descartes deve ser posto à análise e à crítica. Desse modo, entendem Martins e Aranha que “o paradigma da racionalidade moderna precisa ser contestado, mas não por meio do irracionalismo e, sim, pela atividade crítica da razão mais completa e mais rica, que dialoga e se exerce na intersubjetividade”. Assim, o modelo que Habermas nos oferece é o do uso da razão comunicativa; não subjetivista, mas dialogal.

Nessa perspectiva, o viés que nos é apresentado é o da construção dialogal entre as pessoas, que, por sustentabilidade dos argumentos expostos, chegam ao consenso. Assim, a linguagem, a palavra, o discurso têm importância decisiva na tarefa de se chegar ao consenso e, por conseguinte, à ética. Esta construção dar-se-á pela "pluralidade de vozes" que argumentam em busca do consensual. Notemos, aqui, a importância que a palavra tem no mundo da vida das pessoas e na sociedade. Não era assim que os gregos – povo da palavra – tentavam sanar os problemas da polis? Certamente.

Entretanto, há que se ter cuidado diante das artimanhas sofísticas e falaciosas de que alguns se valem para persuadir. Nenhum interesse particular deve sobrepor aos da comunidade, pois, sendo o consenso construído por um pseudodiscurso, este revelará sua inautenticidade diante dos interesses da maioria. a ética do indivíduo não deverá estar acima do “todo” coletivo. Nesse sentido, o professor Olinto Pegoraro nos diz que “Habermas, partindo de um ponto de vista universal, de um lugar de observação e de julgamento pelo qual as contendas podem ser arbitradas imparcialmente e por consenso, não quer construir uma ética da obrigação como Kant, mas uma teoria ou instância de validação da norma existente feita por ‘nós’ e não por uma consciência solitária, solipsista e intimista”.

Esse modelo do qual Habermas – juntamente com Karl-Otto Apel (1922) – se vale é pautado, sobretudo, no diálogo. Este seria o aspecto de maior relevância na construção de uma sociedade mais equânime e tolerante. Registre-se que, como mencionamos acima, a ojeriza que nosso filósofo tem a qualquer ato de terror e intolerância contra a humanidade. Talvez por isso tenha encontrado na linguagem, no diálogo, o meio possibilitador da construção de uma sociedade mais solidária. Desse modo, como afirma C. Helferich, “a forma básica de seu pensamento é, portanto, reflexiva, ou seja, auto-referente [...]. Assim, o ponto de partida da reflexão não é – como em Kant – o pensamento solitário do indivíduo, mas o discurso, a argumentação em comum, sempre mediatizada pela linguagem”. No entanto, argumentar exige compromisso. E o discurso não pode ser vazio de sentido, pois, se assim for, não se sustentará e, consequentemente, será descartado pelos outros.

Dessa forma, não temos como fugir da argumentação. Todos nós precisamos de argumentos como condição vital. O jornalista se utilizará deles para evidenciar a notícia; o advogado, para defender seu cliente; o publicitário, para vender seu produto; o professor, para fazer com que o aluno compreenda; o político, para convencer que é o melhor candidato; o operário, para mostrar que merece aumento salarial etc. Os exemplos são inumeráveis. O certo é que a todo instante estamos a fazer discursos e buscando o consenso. Quando isso não ocorre, está aí a Justiça para resolver os conflitos; e mesmo que isso ocorra, as situações litigiosas não escaparão à esfera dos argumentos. “A situação da argumentação é, portanto, inescapável. Argumentar significa fazer valer pretensões por meio de argumentos; em outras palavras significa que aquele que argumenta, sempre se comprometa”, diz-nos Helferich.

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quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

A parte e o todo na ética do discurso



Como se vê, a teoria da ação comunicativa de Habermas desdobra-se em sua ética do discurso, que por sua vez tem como finalidade o consenso. Posto desse modo, o entendimento será sempre alvo da ética do discurso. Assim, em meio a um arrazoado de argumentos, quando alcançado o consenso, chega-se à verdade; não a verdade objetiva, “mas as proposições validadas no processo argumentativo em que se alcança o consenso”. Como se percebe, a ética habermaseana pressupõe a autenticidade do discurso e a prioridade do coletivo sobre o indivíduo. Tal ética não tem pretensões de prometer uma vida feliz para o sujeito social, ao contrário: o objeto da ética discursiva é a validade da norma, construída pelo “todo coletivo” por meio do consenso que as partes individuais decidiram construir.

A respeito disso, vejamos o que o Olinto Pegoraro diz: “na ética discursiva, não existe uma preocupação de ordem existencial de cada pessoa e de cada situação concreta, visando orientar o sujeito para uma vida boa e feliz; pelo contrário, a ética deontológica discute as condições nas quais uma norma pode ser aceita como válida; então, o problema ético se desloca da questão do bem para a questão do justo, da felicidade pessoal para a validade prescritiva da norma.” Percebe-se que a ética discursiva tem por objeto a construção de uma sociedade mais democrática, tendo em vista que aquilo que foi aprovado com a aquiescência da maioria consensual deve ser validado como escolha mais justa e pragmática. Como peculiaridade, nota-se que a ética discursiva é procedimental, isto é, quando todos que estão envolvidos no debate se prestam a cumprir o que foi acordado por meio de uma norma, tem-se aí a universalização concreta e pragmática do processo instalado para chegar ao consenso.

A ética do discurso enseja sempre que a autenticidade discursiva tenha apenas uma finalidade, qual seja, a busca pela verdade. Por isso, no projeto ético habermaseano, não há espaço para mentiras políticas e nem coisas afins. Para Habermas, todo discurso deve ter a pretensão de dizer sempre a verdade. “Falar é ipso facto levantar uma pretensão de validade; qualquer pessoa que realiza um ato de fala é obrigada a exprimir pretensões universais à validade e de se supor que é possível honrálas”, diz Habermas, citado por O. Pegoraro. Portanto, reitere-se isso: no projeto ético habermaseano, não há espaço para interesses escusos, aqueles que tanto seduzem os políticos.

Mas como devem ser os critérios do discurso apregoado por Habermas? E o que é esse tipo de discurso? – o leitor deve estar indagando agora. Vejamos como Helferich ajuda-nos a compreender isso: “O discurso é uma espécie de negociação, na qual, em primeiro lugar, não é permitido excluir ou diminuir ninguém; em segundo, só contam argumentos e jamais artimanhas retóricas e, em terceiro, a sentença não é pronunciada por um único indivíduo, mas consiste na concordância sem coerção, no consenso de todos os implicados”. Assim, o discurso deve ser democrático, ninguém deve ser excluído. Em resposta à primeira indagação, Helferich afirma: “As obrigações, válidas em todo discurso, são de natureza moral [...] Elas nos comprometem, de modo geral, com a racionalidade que não podemos contestar, no sentido de uma ética da comunicação sincera, e nos oferecem um critério para discutir e julgar, fundamentalmente, normas morais: são moralmente obrigatórias todas as normas que podem ser legitimadas por meio do consenso, ou seja, do acordo sem a coerção dos argumentadores.” Observa-se, aqui, que as obrigações impostas pela ética do discurso são a comunicação sincera, a moral e a ausência de qualquer tipo de coerção.

Portanto, a teoria comunicativa de Habermas tem um viés plenamente democrático. Todos devem participar. Ninguém deve ser excluído do projeto de construção de uma sociedade melhor. Nesse plano, a razão comunicativa deve prevalecer sobre a razão subjetiva. A respeito disso, Martins e Aranha afirmam que “a ação comunicativa supõe o entendimento entre os indivíduos que procuram, pelo uso de argumentos racionais, convencer o outro (ou se deixar convencer) a respeito da validade da norma: instaura-se aí o mundo da sociabilidade, da espontaneidade, da solidariedade, da cooperação”.

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Por José Fernandes P. Júnior

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