Dag Vulpi - Artigo de opinião - 22 de dezembro de 2025
Um ensaio político-sociológico sobre o irracional no poder
A estupidez humana não é um fenômeno marginal da vida social; ela é parte estrutural das engrenagens que movem sociedades, instituições e regimes políticos. Ignorá-la não é sinal de tolerância, mas de ingenuidade histórica. Em tempos de crise democrática, radicalização discursiva e esvaziamento do debate público, compreender suas dinâmicas deixou de ser curiosidade intelectual e passou a ser um imperativo cívico.
Foi nesse espírito que o historiador Carlo M. Cipolla formulou as chamadas leis fundamentais da estupidez humana. Longe de uma sátira leve, trata-se de um diagnóstico sociológico severo, cuja atualidade é quase desconfortável. Suas leis não descrevem apenas comportamentos individuais, mas padrões coletivos que, quando normalizados, produzem colapsos institucionais.
A primeira lei afirma que sempre subestimamos o número de pessoas estúpidas em circulação. No campo político, esse erro se traduz na crença de que decisões irracionais são exceções, desvios momentâneos ou acidentes de percurso. A realidade demonstra o contrário: a estupidez é constante, recorrente e estatisticamente relevante. Subestimá-la é abrir espaço para que ela organize maiorias.
A segunda lei desmonta uma das ilusões centrais da modernidade: a estupidez é independente de escolaridade, classe social ou posição de poder. Diplomas não garantem discernimento político; cargos não asseguram responsabilidade social. Essa constatação é crucial para entender por que elites políticas, econômicas e tecnocráticas podem agir de modo profundamente danoso sem qualquer constrangimento racional.
A terceira lei define o núcleo do problema: o estúpido é aquele que causa prejuízo a outros sem obter benefício próprio, frequentemente prejudicando a si mesmo. Diferentemente do agente corrupto ou do oportunista clássico, o estúpido não age por cálculo estratégico. Sua ação é socialmente destrutiva porque rompe o elo básico entre interesse, consequência e responsabilidade. Na política, isso se manifesta em decisões que enfraquecem o Estado, corroem direitos e destroem confiança pública sem produzir ganhos duradouros para ninguém.
A quarta lei aponta um erro recorrente das forças racionais da sociedade: subestimar o potencial destrutivo da estupidez. A crença de que o absurdo se desmoraliza sozinho é uma falácia perigosa. A estupidez não se autocorrige; ela se acumula, se retroalimenta e se institucionaliza quando não encontra freios normativos, legais e culturais.
Por fim, a quinta lei estabelece uma conclusão incômoda, porém realista: o estúpido é o tipo mais perigoso de ator social. Mais perigoso que o criminoso racional, que responde a incentivos; mais perigoso que o autoritário clássico, que persegue objetivos claros. O estúpido não responde à lógica do custo, da evidência ou do fracasso. Por isso, pode arrastar coletividades inteiras para o prejuízo comum com absoluta convicção moral.
Do ponto de vista sociológico, o grande equívoco contemporâneo é confundir estupidez com ignorância. Nunca houve tanta informação disponível. O problema não é a ausência de dados, mas a recusa sistemática ao pensamento crítico, à mediação institucional e à responsabilidade pública. A estupidez moderna não nasce do vazio informacional, mas do desprezo pela complexidade social.
Reconhecer as leis da estupidez humana não é elitismo intelectual nem pessimismo antropológico. É realismo político. Sociedades maduras não se organizam supondo virtudes universais, mas criando mecanismos capazes de limitar o dano causado pelo irracional quando ele inevitavelmente emerge.
Quando a estupidez passa a ser celebrada como autenticidade, quando a ignorância se fantasia de opinião e quando o desprezo pela razão vira capital político, o colapso democrático deixa de ser um risco abstrato. Torna-se um processo em curso.
Conclusão
A lucidez, sozinha, não salva sociedades. Mas a ausência deliberada dela as condena. Toda ordem social que permite que o irracional governe não entra em crise por acaso — ela escolhe, conscientemente, caminhar nessa direção.
Confira a íntegra, incluindo mais duas leis da Estupidez

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Dag Vulpi